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A reflexão sistematizada sobre a integração curricular é um fenómeno recente, emergente a partir dos anos da década de 1990, mas não constitui uma novidade do ponto de vista prático-pedagógico. Ancorada nos princípios da pedagogia progressista há

Terceiro Capítulo| 111

cerca de um século, as expetativas em relação à integração pessoal e social, à integração de conhecimentos, de experiências e problemas dos alunos têm estado presentes no ensaio de novas modalidades de intervenção na educação escolar, no contexto dos discursos pedagógicos e até mesmo nas orientações curriculares e programáticas que, no caso de Portugal, se manifestam ainda durante o Estado Novo com o apelo explícito à resolução de problemas relacionados com o dia-a-dia da criança. Do ponto de vista teórico, não parece haver um consenso firme sobre o sentido da integração curricular. Embora todas as posições concluam que as características disciplinares são significativas para a construção do conhecimento escolar, o entendimento da integração curricular parece estar dependente da forma como se interpreta o papel das disciplinas escolares nos processos de organização e gestão do currículo, sendo possível discernir duas posições distintas: para uns, a força ideológica da integração curricular reside na rutura formal com a lógica de organização do currículo baseado na disciplina; e para outros, parece ser possível caminhar na direção de uma perspetiva integradora mesmo que o eixo do currículo se mantenha em torno da disciplina. Apesar da diversidade e da discórdia nesta matéria, todas as posições acabam por questionar o tipo de cidadão e de sociedade que se pretende formar, parecendo não haver dúvidas de que o currículo oferecido no âmbito da educação básica não poderá limitar-se a transmitir os conhecimentos construídos historicamente pela humanidade, devendo encontrar estratégias coerentes que possibilitem o desenvolvimento da aprendizagem significativa e integradora das experiências dos alunos, de várias lentes de compreensão da realidade e de saberes de natureza diversa. Perspetivando a integração curricular nesta ótica, são três as grandes razões que encontrámos na literatura para justificar o interesse renovado pelas abordagens assentes na conceção de currículo integrado: a razão epistemológica, assente na análise dos modelos de ciência e na crítica ao paradigma cartesiano; a razão sociocultural, assente na análise das transformações civilizacionais em curso e na crítica ao paradigma da modernidade; e a razão psicopedagógica, assente na análise de abordagens de gestão e desenvolvimento do currículo e na crítica à corrente da pedagogia tradicional.

Em Portugal, o alcance da ideologia da integração curricular, no cenário programático e curricular, inscreve-se, fundamentalmente, numa lógica curricular que, ao longo do tempo, tem vindo a sustentar uma conceção de escola como agente de transformação, uma conceção de aprendizagem que permita a satisfação de necessidades, ritmos e interesses diferenciados, uma conceção de currículo nacional

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flexível e aberto às realidades locais e uma conceção de conhecimento escolar que valorize o desenvolvimento de diversas componentes da aprendizagem. Tomando à letra os discursos analisados, a ênfase que progressiva e continuamente tem induzido uma visão integradora do desenvolvimento curricular, sobretudo a partir do movimento reformista da década de 1990, resulta, fundamentalmente, do reconhecimento do carácter teorizante ou academicista dos conteúdos programáticos. Estas expetativas têm levado à reorganização dos planos/desenhos curriculares, traduzindo-se basicamente na «adição» de componentes curriculares de natureza não disciplinar, incluindo as chamadas áreas curriculares não disciplinares e as ditas formações transdisciplinares. Além destas iniciativas, o reforço ao desenvolvimento do currículo numa lógica integradora e globalizadora das aprendizagens também se tem manifestado no plano das sugestões metodológicas dos programas das disciplinas, podendo destacar-se um apelo explícito à articulação e/ou correlação de diversas disciplinas ou «matérias de ensino», através de referências que procuram estimular o recurso a metodologias interdisciplinares conducentes à elaboração de projetos comuns, ao tratamento integrado de conteúdos distintos e à transferência de conhecimentos e técnicas entre as diferentes áreas curriculares. Todas estas transformações têm sido acompanhadas pela comunidade académica, havendo já, entre nós, uma produção considerável em relação ao tema da transversalidade curricular, particularmente no que respeita à dimensão transdisciplinar preconizada para a Língua Portuguesa. Em termos muito gerais, os estudos analisados mostram que, embora seja possível organizar e desenvolver o currículo nas escolas com uma orientação integradora das aprendizagens, a integração curricular parece constituir-se como uma prática de difícil concretização, solicitando uma intervenção coordenada de diversos agentes e responsáveis pela educação e pelo desenvolvimento curricular. Face aos resultados que a investigação nos dá conta, parece evidente que as iniciativas da Admistração que aqui analisámos, ainda que fundamentadas no reconhecimento do carácter redutor da organização do currículo por disciplinas separadas («contribuindo para uma excessiva uniformização da acção pedagógica e um empobrecimento dos conteúdos e metodologias»), não têm sido suficientes para mobilizar a comunidade educativa no sentido de se investir de forma sistemática na construção de uma escola que proporcione «uma visão integrada do real» e que recuse, de facto, «a fragmentação dos conhecimentos». Tais intentos que, como vimos, se inscrevem como princípios básicos em que assenta o processo de reformulação dos programas desde 1974, à luz dos resultados que os estudos anlisados nos devolvem, emergem como utopias no quadro do nosso sistema educativo.

Quarto Capítulo| 113

QUARTO CAPÍTULO

Dos fundamentos metodológicos à

operacionalização da componente

empírica

Como uma câmara com muitas lentes, primeiramente você percebe uma ampla extensão da paisagem. A seguir você troca as suas lentes diversas vezes para aproximar cada vez mais essas ações (Charmaz, 2009, p.51).

Apresentação

Aceitando que qualquer investigação pressupõe um conjunto diversificado de motivações que anima todo o seu desenvolvimento, desde a construção do objeto de estudo à vigilância crítica dos modos de produção e validação do conhecimento, organizámos este capítulo em cinco secções para proporcionar uma visão tão detalhada quanto possível sobre o que pensámos e o que fizemos durante o exercício da ação que nos conduziu à concretização da componente empírica deste trabalho. Assim, na primeira secção, iniciamos com uma reflexão sobre as bases teóricas que fundamentam a ação investigativa que desenvolvemos, cujas razões de funcionar, apropriadas progressivamente, nos parecem passíveis de explicitar à luz de três planos de intencionalidade distintos, mas relacionados entre si: plano ontológico, plano epistemológico e plano processual. Nas três secções seguintes, esclarecemos o modo como operacionalizámos os três estudos que desenvolvemos, descrevendo, para cada caso, os procedimentos de seleção do contexto e dos sujeitos produtores dos dados

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empíricos, a natureza e as características do corpus textual de suporte à compreensão dos processos de recontextualização da PCIT-TIC e as técnicas a que recorremos para recolher, analisar e tratar os dados. Tem lugar, por fim, uma síntese resumida dos elementos apresentados e desenvolvidos no corpo deste capítulo.