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CAPÍTULO 2 AS DIMENSÕES IMPLICADAS NA SITUAÇÃO DIDÁTICA:

2.1 A CONSTITUIÇÃO DOS SABERES ESCOLARES

2.1.2 O saber: objeto de discurso e discurso

Buscando esclarecer e ampliar a compreensão dos conflitos existentes no processo de transposição, fazemos uso da noção de compreensão ativa (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV 2006[1929]), que supõe estabelecer relações entre os enunciados, oriundos das esferas acadêmico-científica, literária, das políticas públicas

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« La réflexion axiologique interroge, en première analyse, le couple savoirs scolaires-conception

de la culture. En seconde analyse, elle réfracte un autre couple, le couple savoirs scolaires-éthique»

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(PCN, OCEM, PNLD), editorial55 (autor, editor, designer), escolar, cotidiana etc. Segundo o autor (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006[1929], p. 135),

compreender a enunciação de outrem significa orientar-se em relação a ela, encontrar o seu lugar adequado no contexto correspondente. A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica.

Isso permite dizer que os saberes são ressignificados e transformados de acordo com a esfera da atividade humana, porquanto todo enunciado

reflete as condições específicas e as finalidades de cada uma dessas esferas, não só por seu conteúdo (temático) e por seu estilo verbal, ou seja, pela seleção operada nos recursos da língua — recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais —, mas também, e sobretudo, por sua construção composicional (BAKHTIN, 1997[1953], p. 279).

A partir daí, podemos afirmar que a seleção dos saberes, nos diferentes níveis de transposição, é orientada pelas concepções de ensino-aprendizagem de LP, pelos objetivos de ensino etc. Por exemplo, quando os PCN assumem a concepção enunciativa de linguagem baseada em Mikhail Bakhtin e propõem como um dos objetos de ensino os gêneros de texto/discurso, explicitam uma posição em relação à concepção de linguagem e ensino que acaba por orientar a produção dos LD e a elaboração de avaliações sistêmicas56. Esses documentos ecoam discursos, que “não pode[m] deixar de repercutir no enunciado” (BAKHTIN (1997[1953], p. 320), sobre o que deve ser ensinado.

Considerando tais reflexões, o LDP, enquanto enunciado em um gênero discursivo (BUNZEN; ROJO, 2005), está ligado a enunciados que o precedem e o sucedem, provocando nele uma ressonância dialógica e repercutindo diferentes discursos sobre um objeto e está vinculado a um processo de produção e de uso, definidos por meio de relações didáticas (conteúdo, formador, aprendiz, professor) que vão contribuir para a

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Consideramos o autor como integrante da esfera editorial, pois entendemos que seu trabalho está atrelado às prescrições das editoras, no que concerne à transposição didática e a didatização (TEIXEIRA, 2012).

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legitimação ou não dos saberes que ele veicul

entre enunciado, discurso e objetos de discurso (representada a seguir) é necessária para concebermos a transposição didática como constituída de relações de forças sociais, discursivas e epistemológicas:

Esquema 7-

O saber (objetos de ensino) passa assim a ser considerado

como discurso e objeto de discurso, o que é possível e aceitável a partir de nossa interpretação do texto de Bakhtin (1993[1934], p. 86):

todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado

discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo

outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os

complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico.

Objeto de discurso

Objetos de ensino

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legitimação ou não dos saberes que ele veicula. Dessa forma, a compreensão da relação entre enunciado, discurso e objetos de discurso (representada a seguir) é necessária para concebermos a transposição didática como constituída de relações de forças sociais, discursivas e epistemológicas:

-Relação entre saber, objeto de discurso e discurso.

O saber (objetos de ensino) passa assim a ser considerado, ao mesmo tempo, como discurso e objeto de discurso, o que é possível e aceitável a partir de nossa

ação do texto de Bakhtin (1993[1934], p. 86):

todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado

discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça com eles em interações complexas, fundindo-se com uns, isolando outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente o discurso, penetrar em todos os seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico.

Livro didático Ressonância dialógica Discursos sobre o objeto Objeto de discurso Objetos de ensino

a. Dessa forma, a compreensão da relação entre enunciado, discurso e objetos de discurso (representada a seguir) é necessária para concebermos a transposição didática como constituída de relações de forças sociais,

, ao mesmo tempo, como discurso e objeto de discurso, o que é possível e aceitável a partir de nossa

todo discurso concreto (enunciação) encontra aquele objeto para o qual está voltado sempre, por assim dizer, já desacreditado, contestado, avaliado, envolvido por sua névoa escura ou, pelo contrário, iluminado pelos discursos de outrem que já falaram sobre ele. O objeto está amarrado e penetrado por ideias gerais, por pontos de vista, por apreciações de outros e por entonações. Orientado para o seu objeto o discurso penetra neste meio dialogicamente perturbado e tenso de discursos de outrem, de julgamentos e de entonações. Ele se entrelaça se com uns, isolando-se de outros, cruzando com terceiros; e tudo isso pode formar substancialmente seus estratos semânticos, tornar complexa a sua expressão, influenciar todo o seu aspecto estilístico.

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Assim, pensar a transposição didática à luz da visão bakhtiniana significa compreender que o LDP está inserido em determinado momento sócio-histórico e cultural, que é perpassado por diversos fios ideológicos (“vozes”) e que está organizado em torno de objetos de discurso, os quais sofrem mudanças durante o processo em que se constituem em saberes escolares.

A partir das discussões sobre a importância da dimensão discursiva, representamos a seguir os aspectos envolvidos no processo de transformação dos saberes de referência em escolares, destacando o jogo de forças existente:

Esquema 8-A transposição didática e sua relação com o sistema de ensino e a noosfera.

Conforme percebemos no esquema 8, os agentes da noosfera estão envolvidos em conflitos. Aquilo que será ensinado não é resultado apenas de transmissão, mas também de contextualizações e recontextualizações que têm como objetivo introduzir objetos de

Fios ideológicos

NOOESFERA ARENA DE FORÇAS

Idealizadores de programas Grupo autoral Professores universitários Professores

SISTEMA DE ENSINO

TRANSPOSIÇÃO

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ensino na sala de aula. Dentro desse processo, a questão da valoração faz-se muito importante tanto na produção quanto no uso do LDP, porque resulta de uma arena de forças (noosfera), em que discursos “se confrontam aos valores sociais contraditórios”. Assim, podemos afirmar que as relações que se estabelecem nos níveis de transposição didática, dos quais participam os agentes/interlocutores, são de adaptação, resistência e dominação. O LDP, produto que disso decorre, “é ideológico; a ideologia é um reflexo das estruturas sociais”; reflete “as mais imperceptíveis alterações da existência social”; e, como em todo signo ideológico, nele “confrontam-se índices de valor contraditórios” (BAKHTIN/VOLOCHÍNOV, 2006[1929], p. 15, 16 e 45, ênfase do autor). É o entrecruzamento dos índices de valor que faz desse livro um instrumento didático/semiótico dinâmico, mutável e plurivalente, no qual se refletem e se refratam diferentes discursos, oriundos de múltiplas esferas da atividade humana.

Em resumo, os diferentes enunciados, que resultam do processo de transposição didática,

estão repletos de palavras dos outros, caracterizadas, em graus variáveis, pela alteridade ou pela assimilação, caracterizadas, também em graus variáveis, por um emprego consciente e decalcado. As palavras dos outros introduzem sua própria expressividade, seu tom valorativo, que assimilamos, reestruturamos, modificamos (BAKHTIN, 1997[1953], p. 314, ênfase do autor).

A relação valorativa que o agente/interlocutor mantém com os objetos do discurso (saberes teóricos, especializados) e com outros discursos, “determina a escolha dos recursos lexicais, gramaticais e composicionais do enunciado” (BAKHTIN, 1997[1953], p. 308), seja este o LDP seja a aula57, que reflete o funcionamento da esfera dentro da qual está inserido. Por exemplo, ao tomar o LDP na sala de aula como um instrumento

57“Discurso ou enunciação de sala de aula não é meramente uma conversa sobre tópicos, mas uma

interlocução que coloca em circulação significações específicas sobre objetos de ensino – construindo, assim, o objeto efetivamente ensinado. Essa interlocução é situada e a situação de comunicação escolar não regula simplesmente uma estrutura de participação, mas cria interlocutores com lugares e papéis, poderes e deveres específicos, rotinas, diretamente relacionados aos estilos enunciativos dos docentes” (ROJO, 2007, p. 346).

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didático/semiótico, o professor seleciona os objetos de ensino, a partir de sua apreciação orientada pela sua formação, pelas condições de trabalho, pela sua relação com os alunos, pelas exigências da instituição, pela concepção de ensino e de língua etc. Assim, o usuário do livro usa essa ferramenta tecnológica seguindo as configurações pré-determinadas ou criando usos não pensados pelos autores, por exemplo, utilizando-a como fonte para atividade de cópia.

Admitimos, assim, a necessidade de ampliação da teoria. Para tanto, apresentamos as ideias de Develay (1993), Martinand (1986; 2001), Schneuwly (1995), Schneuwly, Dolz et.al (2004), Bakhtin (1993[1934]; 1997[1953] e Bakhtin/Volochínov 2006[1929], relacionando-as com o objetivo de compreender e responder a nossa questão de pesquisa: Como ocorre o processo de apropriação do LDP por parte das professoras de Ensino Fundamental 2 de uma escola estadual da cidade de Belém?