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CAPÍTULO 2 AS DIMENSÕES IMPLICADAS NA SITUAÇÃO DIDÁTICA:

2.2 O PAPEL DO PROFESSOR NO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO DIDÁTICA

2.2.1 Situando a pesquisa sobre o trabalho docente

Já há algum tempo que há um esforço e ambição de reconhecer o ofício do professor como um trabalho profissional, afastando-se da ideia de sacerdócio, dom etc.

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« Lorsque les programmes sont fabriqués, signés, et prennent force de loi, un autre travail commence : celui de la transposition didactique interne » (CHEVALLARD, 1991, p. 37, ênfase do autor).

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Então, a prática dos professores em formação inicial e continuada passou a ocupar um lugar privilegiado nas pesquisas brasileiras e nas francófonas.

Em nível nacional (Brasil), encontramos reflexões sobre o trabalho do professor relacionado à formação inicial e continuada, os quais seguem o princípio metodológico da autoconfrontação e tomam, por exemplo, como referencial teórico a Clínica da Atividade, na acepção de Yves Clot e Daniel Faïta, e a Ergonomia da Atividade, segundo René Amigues e Fréderic Saujat. Disciplinas essas que fazem parte do quadro da ergonomia francófona que tem por finalidade analisar as atividades de trabalho. Entre os estudos realizados no âmbito brasileiro, ligados ao programa de doutorado em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem (LAEL) da PUC/SP, ressaltamos os trabalhos do grupo ALTER (Análise da linguagem, trabalho educacional e suas relações), cujo objetivo é “o estudo de diferentes práticas de linguagem no e sobre o trabalho educacional, buscando identificar as relações que existem entre essas práticas e a influência delas sobre as ações de trabalhadores do ensino” (MACHADO, 2002, s/p). Entre os trabalhos ligados a esse grupo, destacamos o de Machado (2009[2004]), cuja finalidade é mostrar que a formação contínua de professores é um trabalho conjunto de construção de conhecimentos e não como a aplicação daqueles desenvolvidos em outros domínios, o de Lousada (2006), que busca caracterizar o agir de um professor de francês e mostrar os aspectos representativos do seu trabalho, o de Bueno (2007), cuja finalidade é refletir sobre o estágio na formação inicial de professores no período de graduação, a partir da análise das representações sobre o trabalho do professor nos textos de orientação de estágio e nos textos produzidos por eles durante o estágio, o de Buzzo (2008), que se dedica a análise das representações de duas professoras de LP sobre o seu trabalho, e o de Tognato (2008), que tem como objetivo compreender as (re)configurações construídas sobre o agir educacional de um professor de Língua Inglesa de Ensino Médio e Fundamental de escola pública do estado do Paraná.

Além do grupo ALTER, há também o LACE (Linguagem em Atividades no Contexto Escolar), liderado pelas professoras Cecília Magalhães e Fernanda Liberali, ligado a PUC/SP, cujo foco principal é a formação de professores para uma prática reflexiva/crítica, incluindo pesquisas de intervenção crítico-colaborativas que se ocupam da

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maneira como os sujeitos são constituídos e das suas formas de produção de significados em cursos de formação contínua (LIBERALI, 2009[2004]).

Também focando o trabalho docente, vinculado ao programa de pós-graduação em LA da Unisinos (Universidade do Vale do Rio dos Sinos), destacamos o de Drey (2008), que busca caracterizar como duas docentes de LP representam o próprio agir como profissionais do ensino.

De um modo geral, observamos que, embora esses trabalhos, por vezes, mencionem o ato de ensinar como uma profissão, foquem a perspectiva da autoconfrontação/autorreflexão e façam alusão a gestos, não encontramos estudos que analisem as práticas utilizando algum modelo de análise de gestos da vertente psicológica (BRUDERMANN; PÉLISSIER, 2008; BUCHETON; DEZUTTER, 2008). Por exemplo, nas teses de doutorado de Mazzillo (2006), Bueno (2007), Buzzo (2008), Tognato (2008) e Rodrigues (2010), a palavra “gestos” aparece atrelada aos estudos sobre o agir do professor, não havendo, contudo, uma reflexão aprofundada sobre esse assunto nem apresentação de modelos de análise.

Por sua vez, com relação aos gestos numa perspectiva didática, encontramos os artigos de Gomes-Santos (2010), no qual ele apresenta uma resenha dos gestos apresentados por Aeby-Daghé e Dolz (2008) e chega a atribuir a uma atitude do professor o gesto elementarização, mas não há outras especificações, isto é, não há o detalhamento do agir do professor, por meio da relação gestos didáticos e objetos de ensino. Gomes-Santos e Almeida (2009) também fazem referência aos gestos segundo uma perspectiva didática e chegam a utilizá-los na análise de parte da aula registrada (apontando, por exemplo, a presença dos gestos criação da memória didática, elementarização, formulação de tarefa, regulação, implementação de dispositivos didáticos). Nascimento (2011) segue a mesma linha, isto é, apresenta uma resenha sobre os gestos didáticos, seguida de breve análise de uma situação de ensino, a partir da qual são apontados alguns gestos realizados pela professora. De um modo geral, os autores apenas categorizam as ações da professora, sendo suas abordagens mais descritivas que analíticas.

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Em resumo, a maioria dos trabalhos de pesquisadores brasileiros segue a linha da psicologia do trabalho, focando as representações do professor sobre seu agir profissional, o que não é o foco desta pesquisa.

No domínio do francês, destacamos o trabalho de Bucheton e Dezutter (2008), Jorro (2006), Aeby-Daghé e Dolz (2008), que buscam dar legibilidade e transparência ao trabalho do professor, por meio da identificação dos gestos profissionais. Nesse campo, destacam-se a equipe da professora Dominique Bucheton, ligada ao IUFM70 da Universidade de Montpellier II, e o grupo genebrino, representado pelo professor Joaquim Dolz. O quadro abaixo expõe algumas equipes de pesquisa que se ocupam dos gestos profissionais do professor:

Instituição Equipe de pesquisa Diretor de equipe

Universidade d’Aix-Marseille

UMR ADEF – Aix-Marseille (Unidade mista de pesquisa – Aprendizagem, Didática, Avaliação, Formação).

Amigues, R.

Universidade de Bordeaux IV, IUFM

DAESL EA 2964, Universidade de Bordeaux 2 (Didática e Antropologia do Ensino Científico e do Técnico, laboratório LACES – Cultura, Educação, Sociedade)

Bernié, J.P.

Universidade de Montpellier 2, IUFM

LIRDEF EA 3749 (Laboratório Interdisciplinar de Pesquisa em Didática da Educação e Formação)

Bucheton, D.

Universidade de Sherbrooke, Canadá

CRIÉ, Universidade de Sherbrooke (Québec) (Centro de Pesquisa sobre a Intervenção Educativa)

Dezutter, O.

Universidade de Genebra, FAPSE, Suíça

FAPSE – Genebra (Suíça) (Faculdade de Psicologia e das Ciências da Educação)

Dolz, J.

Universidade de Louvain-La- Neuve, Bélgica

CEDILL – Louvain (Bélgica) (Centro de Pesquisa em Didática das línguas e literaturas romanas)

Dufays, J.M.

Universidade de Montpellier 3, IUFM

LIRDEF, EA 3749, CERFEE (Centro de Pesquisa sobre a Formação, a Educação e o Ensino)

Etienne, R.

Universidade de Clermont-

Ferrand, IUM

PAEDI – IUFM d’Auvergne (Laboratório Processo de Ação dos Professores: Determinantes e Impactos)

Goigoux, R.

Universidade de Toulouse 2 Le

CREFI-T, Centro de Pesquisa em Educação, Formação, Inserção de Toulouse – Equipe EVACAP

Jorro, A.

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Mirail

ENS Cachan UMR STEF, ENS Cachan (Unidade Mista de Pesquisa Ciências Técnicas em Educação e Formação)

Martinand, J.L.

Universidade de Bretagne, IUFM

CREAD, EA 3875, Universidade Rennes 2 - IUFM de Bretagne (Centro de Pesquisa sobre Educação, Aprendizagens e Didática)

Sensevy, G.

CNAM Paris CRF EA 1410, Paris, CNAM (Centro de Pesquisa sobre a Formação – Conservatório Nacional das Artes e ofícios)

Pastré, P.

Universidade de Nantes, França

CREN, EA 2661, Universidade de Nantes (Centro de Pesquisa em Educação de Nantes)

Vinatier, I.

Tabela 5-Equipes de pesquisa que participaram do colóquio Gestos profissionais em 2007 (GAL- PETITFAUX, 2007, p. 07).

Em relação aos trabalhos sobre os gestos profissionais, encontramos variação no que concerne ao termo adotado para se referir as ações ou movimentos realizados pelo professor. Alguns utilizam gestos profissionais (SCHNEUWLY, 2005; ALIN, 2007; BUCHETON; DEZUTTER, 2008, JORRO, 1998); outros, gestos do professor (JORRO, 2006) e, outros ainda, gestos didáticos (AEBY-DAGHÉ; DOLZ, 2008). Um aspecto também a ser pontuado é a variação no tocante ao aporte teórico: análise da linguagem, análise clínica e situada do trabalho, análise semiótica e análise didática. Segundo Cizeron (2007, p. 1),

este pode ser o ponto de vista didático com todas as suas variações possíveis, aquele da ergonomia e mais em geral da análise do trabalho, ou ainda mais em geral da análise da atividade, aquele dos psicólogos, dos etnólogos ou antropólogos, sociólogos, etc. À multiplicidade das abordagens e dos objetos de estudo, corresponde necessariamente a uma multiplicidade de conceitos pelos quais os fenômenos de ensino são apreendidos71.

No que concerne a esse objeto de estudo, dois objetivos se impõem aos pesquisadores que se ocupam da formação dos professores e do ensino: (1) dar mais visibilidade e inteligibilidade aos gestos profissionais e (2) pensar a dinâmica e as

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« Ce peut être le point de vue didactique avec toutes ses variations possibles, celui de l’ergonomie et plus généralement de l’analyse du travail, ou encore plus généralement de l’analyse de l’activité, celui des psychologues, des ethnologues ou autres anthropologues, sociologues, etc. A la multiplicité des approches et des objets d’étude correspond nécessairement une multiplicité des concepts par lesquels les phénomènes d’enseignement sont appréhendés » (CIZERON, 2007, p. 1).

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condições de sua evolução e de transformação dos gêneros escolares, como o ditado, a leitura explicada e a correção de produções escritas (BUCHETON, 2008). Neste trabalho, portanto, procuramos dar maior visibilidade aos gestos e sua relação com os objetos de ensino.