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da Rocha. Fonte: Exame para o cargo de Professor Titular de Projeto de Arquitetura da FAU-USP

A residência de Samuel Rothenberg foi construída em Ubatuba, litoral norte do Estado de São Paulo e foi projetada nos anos de 1982 e 1983, com a obra tardia em 1993 (o que acarretou em revisão de projeto). A casa tem 208 m² de área construída, diminuta em relação ao seu terreno de 2.619m². A planta linear da casa e o terreno comprido foram motivos para a casa ser apelidada de ‘Casa Chile’ (o apelido referencia o mapa alongado e estreito daquele país) (PETRACCO, 2004).

Para sua implantação, a casa foi alinhada a uma faixa sul non-aedificandi dentro do terreno, reservada pela Marinha (com usufruto do proprietário), defronte à Praia de Fortaleza. O programa da casa tem caráter unifamiliar, com salas de estar e jantar, cozinha, área de serviço e quatro suítes. Assim como no projeto de outra residência, a de Vicente Izzo, a arquitetura da Casa Rothenberg utiliza-se do partido da grande cobertura como elemento articulador do programa arquitetônico. A arquitetura também buscou a integração com a paisagem natural, de forma a mimetizar os elementos naturais circundantes ao sítio onde está localizada, como a Serra do Mar – artifício utilizado pelo autor para incentivar a relação dos usuários da casa com o entorno e, assim, sugerir um modo de vida litorâneo.

Figura 133: Fotografia Recente da Residência Rothenberg (1982). Fonte: Acervo Francisco Petracco

Neste capítulo, as características da residência serão abordadas à luz da concepção da arquitetura moderna, sob a premissa de desenvolvimento de um sistema construtivo eficiente e tecnicamente acessível, relacionando a presença, na obra analisada, de uma relação da estrutura ou do sistema construtivo que não pode ser dissociada do espaço concebido, relação esta que se evidencia na visível exuberância plástica da obra. Procuraram ser destacadas as características responsáveis pela singularidade espacial proposta, que permite supor que o arquiteto incorpora ao desenho uma intenção de representar a experimentação que deve levar à descoberta do espaço pelo observador.

Na residência de Ubatuba, é possível identificar soluções arquitetônicas pautadas por diferentes argumentos de época, que consistem no ideário arquitetônico do momento em que a residência foi projetada. Destaca-se a persistência, na década de 1980, da vocação social da arquitetura, presente no pensamento que caracteriza a Escola Moderna Paulista e a arquitetura nacional, representadas pelos arquitetos Vilanova Artigas e Oscar Niemeyer, desde a década

de 1940. A residência também é exemplo da concepção complexa da arquitetura representada pelos projetos de Francisco Petracco na adoção de metáforas e elementos analógicos para o desenho, a exemplo da comparação entre o gesto presente na forma da cobertura e um pássaro em atitude de voo, uma influência expressionista e uma forte intenção estética.

4.1. Definição Programática, Expressão Poética e Estrutura

A casa apresenta um programa convencional: sala de estar, quatro suítes, cozinha, área de serviço e uma grande área externa de convívio social. Verificou-se que a área de serviço foi integrada com as demais áreas por meio de uma abertura ampla na cozinha, um desnível e uma bancada, separados somente por desníveis e uma bancada de granito que avança para a sala de estar e forma um bar. Por sua vez, a sala de estar está interligada com os outros setores da casa por meio de mais desníveis no piso e por vazios, que formam pés-direitos variados.

Segundo o croqui da casa de Ubatuba feito pelo arquiteto, num primeiro momento do projeto, a ligação entre o interior e o exterior da casa seria feita por um deck de madeira construído desde o fechamento da sala de estar até o jardim, ultrapassando a projeção da cobertura principal, assim como no projeto para a casa Vicente Izzo, de 1973.

Para o observador localizado defronte da fachada principal da casa, a vista elevada do edifício mimetiza os contornos da Serra ao fundo, tomando forma de uma casca delgada e assimétrica, cujo perfil revela duas curvas desiguais, visualmente apoiada em dois únicos pontos no solo, contradizendo, assim, o peso da matéria. Esse artifício, que articula estrutura, poética e forma gera a distribuição programática em função de um desenho que emula o pássaro de asas abertas, permite à obra somar-se ao contexto.

Outra referência arquitetônica presente na carreira de Petracco é a linguagem do arquiteto Oscar Niemeyer. A Casa de Samuel Rothenberg pode ser considerada um exemplo disso, pois se assemelha à Igreja de São Francisco de Assis, projetada por Niemeyer em 1943, que faz parte do conjunto arquitetônico da Pampulha, em Belo Horizonte. Para alcançar a linguagem da Igreja de São Francisco construída por meio de uma casca de concreto armado autoportante, revestida com pastilhas coloridas e com o seu espaço vedado por paredes que receberam murais de azulejos de Cândido Portinari, Petracco buscou maneiras mais acessíveis e menos onerosas, provavelmente aproveitando-se da escala diminuta do programa residencial.

A casa em Ubatuba apresenta solução estrutural singular e, ao mesmo tempo, possibilita a reprodução de conhecimentos adquiridos com o projeto. O módulo que permitiu compor a estrutura da cobertura foi o sistema pré-fabricado, que integra `vigas-treliças’ e blocos cerâmicos. A construtibilidade é enfatizada pelo desenho da cobertura, que possibilita imaginar o caminho dos vetores de esforços ao longo da curva. A estrutura sobre a casca é formada por um sistema ortogonal de pilares e vigas, que serve como apoio para a cobertura principal.

Sendo assim, a composição e a integração de elementos pré-fabricados a uma cobertura específica faz da residência uma obra sofisticada, apesar do baixo custo de 20 mil cruzeiros. Isso se deve à opção por sistemas construtivos com modulações estruturais acessíveis, leves, utilizando materiais tradicionais e de montagem simples, o que facilitou a construção e não necessitou de maquinários.

Em ambos os projetos, tanto na Casa de Samuel Rothenberg quanto na Igreja de São Francisco, sob a casca da cobertura o programa foi associado a cada uma

das abóbadas, sendo que, em uma delas, a planta se prolonga para além da fachada, explorando, assim, outros eixos da composição arquitetônica.

Figura 135: Imagem da Igreja de Sao Francisco de Assis, de Oscar Niemeyer (1943). Fonte: (MINDLIN, 2000. p.18)

Figura 136: Imagem da Igreja de Sao Francisco de Assis, de Oscar Niemeyer (1943). Fonte: http://arqdelicia.blogspot.com.br

Na Casa de Ubatuba, a cobertura curva dividida em duas bandas corresponde ao programa da seguinte forma: o espaço íntimo é localizado sobre a curva mais baixa e o espaço social é abrigado sob a curva mais alta. E um segundo volume, que abriga as áreas de serviço, sa da planta retangular como uma

península. Dessa forma, a subordinação dos volumes fica evidente: o pavilhão que abriga o espaço social sob a cobertura principal e os serviços, no volume mais baixo, em um núcleo compacto. E, apesar do partido moderno, pelo desenvolvimento do programa de forma horizontal, sob um teto homogêneo e com jogos de níveis com alturas diferentes, a planta da casa demonstra-se conservadora por sua separação das áreas de serviços em relação ao programa social.

No projeto executivo, datado do ano de 1983, o corte B e a segunda elevação (figuras abaixo) demonstram a intenção do arquiteto de integrar a arquitetura com o meio por manipulação das curvas de nível do terreno, com novas formações de morros de terras, encostados no muro da casa, mas, como o deck, isso também não foi feito. O período de 10 anos entre o projeto e a construção pode ter causado algumas revisões e alterações no projeto, que puderam ser verificadas em desenhos de um levantamento da obra feito no ano de 1993 e nas fotos feitas pelo próprio arquiteto durante a construção da casa.

Figura 137: Foto da Planta Térrea do Projeto Executivo de 1983 da Residência Vicente Izzo. Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 138: Foto das Elevações do Projeto Executivo de 1983 da Residência Vicente Izzo. Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Em relação à manipulação do terreno, somente o desníveis dos pisos da casa previstos no projeto foram mantidos, os quais permitem manter um pé-direito razoável dentro dos ambientes (chama a atenção que, em alguns ambientes, a altura do pé-direto é de apenas 2,30m e que a cobertura possibilita pés-direitos diferenciados em cada ambiente). O desnível permitiu que a cobertura não fosse elevada e, assim, prolongou proporcionalmente a projeção da mesma no terreno de forma demasiada, lembrando que a obra deveria ser compacta. E, ao invés do deck, uma varanda externa foi construída no mesmo nível de uma das salas de estar e dos dormitórios, com uma área delimitada além da projeção da cobertura, por um desnível de aproximadamente 40 cm do jardim. Essa varanda formou um espaço de convívio em que o desnível formou um banco para se sentar.

A relação entre espaço interior e exterior deveria ser franca, com possibilidade de que vedações leves, como veneziana de madeira e panos de vidro revelassem a paisagem circundante, a mais significativa condicionante a dirigir o partido arquitetônico. Assim, a textura e ambiência lumínica da casa de Ubatuba foram tratadas de forma a permitir a leitura da cobertura principal com uma textura

lisa e pintada, resultando numa superfície homogênea; as alvenarias de tijolos e as esquadrias de madeira foram deixadas com as cores naturais dos materiais. Apesar do sombreamento das fachadas pela cobertura, os ambientes internos são bem iluminados pelas aberturas laterais e superiores.

Na elevação do projeto, há predominância de um grande vazio sombreado pela estrutura, definindo-se, assim, o partido da casa, que é a grande cobertura, que se pode compreender como uma solução plástica para o volume regular e ortogonal resultante de um programa interno bastante convencional. Assim, o arquiteto, com presteza e sensibilidade, dá à casa um aspecto singular para o que seria uma casa com formas resultantes à disposição do programa interno.

Figura 139:Foto da Construção da Fachada Frontal da Residência Samuel Rothenberg em 1993. Fonte: Acervo pessoal de Francisco Petracco, disponibilizado à autora.

Figura 140:Foto da Construção da Fachada Posterior da Residência Samuel Rothenberg em 1993. Fonte: Acervo pessoal de Francisco Petracco, disponibilizado à autora·.

Figura 144: Perspectiva Isométrica do Modelo da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 145: Foto da Maquete da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 146: Perspectiva Isométrica Explodida do Modelo da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 147: Foto da Vista Frontal da Maquete da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 148:Foto da Vista Posterior da Maquete da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 149:Foto do Pavimento Térreo da Maquete da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 150: Foto do Pavimento Superior da Maquete da Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Figura 156:Diagramas de Adição e Subtração - Residência Samuel Rothenberg (1982). Autoria: Angela Diniz

Análise

Com base na observação dos desenhos apresentados, é possível analisar que:

No diagrama de acessos, várias setas indicam os pontos de acesso, sendo que o principal permite a entrada aos dormitórios da casa; o outro é dado pela área de serviços. No gráfico, o que chama a atenção é a possibilidade de acesso à casa por meio de grandes portas-balcão dos dormitórios e esquadrias de vidro da sala. Em todos os acessos, é necessário descer os degraus, mesmo para a varanda, que corresponde à área frontal da casa. É claro, no desenho, que o número de acesso às áreas sociais e aos dormitórios é maior que na área de serviço. O acesso ao pavimento superior (onde está localizada mais uma suíte) é dado por uma escada helicoidal.

No diagrama da circulação, as áreas dos compartimentos foram destacadas com retângulos cinza, os acessos por setas e as circulações por linhas. Pode-se verificar no desenho que a circulação dentro da casa é linear. E apresenta reentrâncias no espaço onde lavatórios foram instalados próximo aos banheiros, com a finalidade de otimizar o número de instalações hidráulicas. Também na circulação próxima à área íntima, armários embutidos foram instalados. As retas das circulações correm próximo às paredes, reservando a área de permanência ou aquela onde se pode instalar uma cama ou um sofá, por exemplo.

Nos desenhos de graus de compartimentação, as áreas mais amplas foram representadas por cinza claro, as áreas de média compartimentação por cor cinza médio e as menores áreas, por cinza escura, o que demonstra a predominância de áreas mais amplas.

No diagrama de hierarquia, a área social foi destacada com a cor cinza escuro e os demais compartimentos por cinza claro. Ao comparar a planta e o corte do mesmo tema, pode-se verificar que a parte social é destaca no canto inferior direito nos dois desenhos. Além da forma semelhante que foi formada entre os mesmos.

Ao comparar os gráficos analíticos de graus de compartimentação e de hierarquia, percebe-se que as cores destacadas nas duas plantas correspondem entre si. Na planta de compartimentação, as áreas mais claras (áreas amplas) correspondem às áreas escuras da planta do gráfico de hierarquia (as áreas sociais), como se um desenho fosse o negativo do outro. Vale lembrar que a disposição do programa da casa corresponde ao desenho da cobertura, o que é confirmado por estes temas analíticos, sendo a área social a que fica sob a parte mais alta da cobertura e a parte íntima, a mais baixa.

Quanto aos diagramas de simetria e equilíbrio, um eixo foi traçado no meio da planta e do corte, representado por uma linha vertical pontilhada, e as áreas de cada lado do eixo foram destacadas por retângulos de seus tamanhos. O desenho formado tanto em planta, quanto em corte foi de um retângulo menor na esquerda e um maior na direita, formando, assim, o mesmo jogo de contrapeso de volumes em ambos os desenhos.

No diagrama de campos visuais, cones de cor preta foram desenhados para representar a abertura do ângulo visual, sendo o início do raio no meio do

compartimento (representado por retângulos cinza com contornos pontilhados) e o final, nos limites das aberturas. Desta forma, verificou-se que o maior número de ‘cones visuais’ localiza-se na fachada frontal, voltada para a praia, e que o maior deles é o da própria sala de estar. Isto, na arquitetura, relaciona-se aos diversos tratamentos de fachada que a casa recebeu. Por exemplo, panos de vidro nas áreas sociais, voltadas ao leste (fachada frontal), venezianas de madeira que permitem 100% da abertura do vão, nos dormitórios, voltados também a oeste, e, por fim, paredes opacas voltadas a oeste, que servem como fechamento de banheiros e de serviços. Muitos fechamentos de tons escuros da alvenaria aparente e da madeira, além das esquadrias com vidro, enfatizam o efeito de vazio sob a cobertura. Cada material especificado na fachada corresponde ao programa dentro da casa, além de demonstrar preocupação por parte da arquitetura com o conforto ambiental. Desta forma, as salas, que são espaços sociais, foram fechadas por vidros transparentes, os dormitórios fechados com venezianas de madeira regular, que permite a abertura total para a vista para o mar por portas-balcão, que também permitem ampla ventilação, e finalmente, os sanitários e as áreas de serviços, que foram fechados com pudor pela alvenaria.

No diagrama da relação planta-corte, a área interna corresponde à área cinza claro, que foi contornada por espessos traços pretos. Os desenhos da planta e do corte apresentaram semelhança entre si em relação ao volume formado pelos perímetros da planta e do corte. De forma que o traçado contorna o volume mais baixo e ascende para contornar o volume mais alto - embora na planta as linhas sejam ortogonais e no corte, curvas.

No diagrama de geometria, retângulos foram desenhados nas diferentes áreas das plantas e dos cortes, de forma que as áreas foram separadas por suas funções. Os retângulos desenhados são proporcionais entre si, respeitando o equilíbrio dos volumes verificado no gráfico da simetria.

No diagrama de massa, o volume principal da casa é identificado pela cobertura principal, formada por duas bandas e pelo anexo retangular, no pavimento térreo, que sai da projeção da cobertura.

No diagrama de adição e subtração (dos volumes), pode-se identificar como adição o volume secundário, perpendicular ao volume principal formado pela cobertura, saindo da projeção da cobertura principal, que, no programa da casas,

corresponde aos serviços, e o volume do balcão do terraços do dormitório no pavimento superior, na fachada frontal - compondo um jogo de luz e sombra, que, ao sair da projeção da cobertura e ao receber a luz do sol em sua face, parece estar flutuando.

4.4. Considerações sobre a Residência Samuel Rothenberg

A epígrafe no início do capítulo, uma citação de Paulo Mendes da Rocha, foi escolhida em razão do partido da casa justificado por Francisco Petracco, de que a forma da cobertura segue a serra do mar, paisagem circundante do terreno localizado em Ubatuba, litoral norte paulista. Pela forma do projeto, foi possível empregar simbolismo à obra e enriquecer o programa da casa.

Por todas as características elencadas, pode-se compreender o carácter experimental da obra, com uma estrutura concebida como uma solução criativa de composição de um sistema linear de vigotas pré-fabricadas de concreto armado e com linhas de cerâmica, formando o plano curvo da cobertura. Desta forma, o arquiteto extrapolou o plano reto naturalmente formado pelos planos ortogonais do que seria a cobertura, que cobriria um partido relativamente convencional. Assim, o arquiteto aproveitou para criar formas singulares utilizando-se de programas e sistemas estruturais corriqueiros.

Ao apresentar as características da casa de Ubatuba de Francisco Petracco, verificou-se que o projeto foi um exercício arquitetônico de forma construtiva e programática, fruto de uma experimentação incessante, o que revela a continuação dessa arquitetura na década de 1980, posterior ao movimento moderno, que conseguiu saídas para ser acessível (em relação ao custo) e alcançou um grau de simbolismo na obra.

Os diagramas analíticos ajudaram a compreender que o programa da casa Rothenberg, sua forma e estrutura foram concebidos ao mesmo tempo, sendo que seus desenhos apresentam correspondência e coerência em planta, corte, elevação e volume - característica verificada também em outros arquitetos modernos.

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