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"A arquitetura é o jogo sábio, glorioso e magnífico de volumes sob a luz do sol." Le Corbusier, apud Vers une architecture [Towards an Architecture] (1923).

O arquiteto Francisco Petracco buscou representar no projeto a história do lugar utilizando elementos miméticos que acabaram definindo a relação do edifício com o meio natural ao seu redor, o que possibilitou relacionar a arquitetura da casa com a paisagem. A casa foi construída entre 1972 e 1973 e sofreu uma ampliação em 1975, resultando em aproximadamente 327m² de área construída, em 1.314m² de terreno, com uma grande área permeável preservada, correspondente à área verde. Possui um programa de necessidades convencional, para o atendimento de uma residência unifamiliar de veraneio, como solicitado pelo cliente: três dormitórios, cozinha, área de serviço e uma grande área de convívio social. Esses ambientes foram separados por áreas diferentes e têm uma grande cobertura como elemento articulador. O terreno corresponde a dois lotes parcialmente planos, com suave aclive nos limites faceados à rua, no então novo Jardim Virgínia, próximo à Praia da Enseada, no Guarujá, litoral de São Paulo.

Figura 157: Residência Vicente Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

O projeto da Residência Vicente Izzo foi publicado em 1973 na revista Projeto

e Construção, n° 37 e em 1979 na revista Casa e Jardim, n° 293. Em ambas as

revistas o título foi: “Uma casa inspirada na paisagem”. As reportagens abordam a interface da arquitetura e paisagem através de procedimentos projetuais calcados na referência à mimese de elementos naturais. Também o partido foi elaborado a partir de um discurso poético e simbólico utilizado pelo arquiteto como argumento em sua tese de doutoramento para a concepção do partido e que, pode-se dizer, foi a principal diretriz responsável pela qualidade espacial da obra.

5.1. Resgate da paisagem e uso de simbolismo no partido

A paisagem de que o arquiteto se recorda, de quando ainda era criança, é a do antigo ‘Costão das Tartarugas’, formado por dunas de areia e lagos, paisagem que já havia sido perdida pelas intervenções feitas pelos loteamentos resultantes do avanço do urbanismo na região (PETRACCO, p.314, 2004)

Figura 159: Imagem da década de 60 da praia próxima ao Costão das Tartarugas localizado no Guarujá. Fonte: http://guarujafatosefotosdanossahistoria.blogspot.com.br/2013_06_01_archive.html

Figura 160: Imagem da ocupação atual. Fonte: Google Maps

Dessa forma, Petracco utilizou outros artifícios interpretativos e argumentos que elaboram um discurso poético e simbólico, procurando traduzi-los em elementos

arquitetônicos e paisagísticos. Assim, o projeto sugeriu um estilo de vida litorâneo, com cenário praiano em escala particular: a casa com vista para o mar e para as antigas dunas que ali existiam. Para se chegar a esse cenário criado, o arquiteto justificou como partido:

(…) uma grande sombra, uma duna suave, um meandro d’água e o sol, ou seja, uma cobertura apoiada pela topografia modificada em cenário, a piscina de formas livres como um grande riacho no terreno e um grande cata-vento foram previstos no projeto que reportava a presença do sol (PETRACCO, p.314, 2004).

Figura 161:Fotografia do Corte Original do Anteprojeto da Residência Vicente Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 162:Fotografia da Planta Original do Anteprojeto da Residência Vicente Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

O mencionado cata-vento sugerido no anteprojeto não foi construído, porém, ao impregnar de simbolismo o objeto, tomando como ponto para concepção a presença do sol, não foi somente o mar que o arquiteto pretendia considerar como premissa do projeto da casa, mas também o astro maior. A grande sombra, que serviria como espaço de contemplação da paisagem, definiu o partido que envolvia o espaço total da casa por uma grande cobertura, gerando uma percepção de estar levemente apoiada no solo, vencendo as condições naturais com uma ‘topografia modificada’. A planta sob a grande cobertura apresenta um desnível entre as áreas externa e interna, com um deck que avança para os dois planos. O desnível proporciona um pé-direito mais alto na sala, os planos do piso e da cobertura, limitados pelos morros, enquadram a vista do jardim e da piscina, dando à casa um espaço rico em elementos estruturais.

Figura 163:Perspectiva Interna do Anteprojeto da Residência Vicente Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Na casa Vicente Izzo, Petracco pretendeu transformar o que seria um lote comum num espaço capaz de estimular novas relações com lugar: o passado nostálgico com uma paisagem natural, com dunas e riachos. A residência de Vicente Izzo no Guarujá, em 1973, trouxe elementos da paisagem, como o mar, o sol e a montanha para dentro dos limites do lote. Sua estrutura não resolve somente de forma racional um problema imposto pelo programa residencial, mas, sim, atua como elemento articulador entre os elementos arquitetônicos e os simbolismos impregnados nos mesmos. Ao pontuar suas características arquitetônicas, é possível compreender os instrumentos, ou artifícios, que o arquiteto utilizou para dar sentido ao simbolismo do partido arquitetônico.

5.2. Estrutura

Na casa do Guarujá, a composição do projeto foi formada por inúmeros jogos de complementação das formas, dos elementos estruturais e dos elementos paisagísticos, que ora aparecem, ora desaparecem, a fim de se criar leveza para a estrutura, permitindo a permeabilidade dentro da obra e a unidade/ integração dos elementos arquitetônicos.

Durante o desenvolvimento do projeto, os desenhos tornaram-se mais sofisticados e melhor explicativos. O anteprojeto mostrava uma sala ampla na qual a

cobertura se apoiaria somente entre os dois pilares em forma de morros. No projeto executivo, o arquiteto incluiu um terceiro pilar para vencer o vão de aproximadamente 20 m entre os pilares do anteprojeto. Para justificar a presença do terceiro pilar no centro da sala, o arquiteto apresentou-o em forma escultural, como se fosse uma obra de arte. Seu desenho assemelha-se a um tripé e esse desenho orgânico permite imaginar o caminho dos esforços da estrutura. Ainda na sala, o desnível entre as áreas externa e interna foi mudado para dentro da sala, com quase um metro de distância do fechamento de vidro. A piscina foi outro elemento a ser incluído - antes era um espelho d’água, também de formas orgânicas, que, no discurso do partido, tinha o papel de riacho e ocupava, de forma linear, toda a lateral do terreno. O paisagismo tornou-se exuberante; além dos morros, o desenho de arbustos que delimitavam os jardins ganhou volume e o desenho dos pisos e da piscina complementavam-se com o próprio paisagismo.

Figura 164: Fotografia da Planta do Térreo Original do Projeto Executivo da Residência Vicente Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 165: Planta de Paisagismo Original do Projeto Executivo da Residência Vicente Izzo (1972).Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Este jogo compositivo foi responsável pela formação do espaço e da própria arquitetura da casa: o grande balanço em contraposição ao sistema de tirantes que impedem sua rotação; a manipulação da topografia formando morros de terras que se contrapõem à forma da cobertura direcionada para o céu; o pilar central, que tem sua presença justificada no meio do vão, e assim, no meio da sala de estar, por ser escultural. O uso do recurso da cobertura teve consequências integradoras dos determinantes estruturais, plásticos e espaciais (ABASCAL et al., 2013, p.07)

A estrutura projetada, calculada pelo engenheiro Victor Tedeschi foi composta pela cobertura principal apoiada sobre dois morros de terra e ainda o pano de vidro escuro impede que o pilar central seja visto, parecendo realmente que a cobertura vence um vão generoso. Para se chegar a esta leitura, a dupla foi ardilosa ao resolver o momento de giro da estrutura de forma a não interferir na permeabilidade entre a sala, o deck e a piscina:

Esta cobertura é formada por uma extensa laje nervurada apoiada no intradorso (linha média da planta) por apenas três pilares, contrapostos por três tirantes ancorados nas fundações (VASCONCELOS; CARRIERI, apud ABASCAL et al., 2013, p. 7) A solução estrutural assemelha-se à solução para a cobertura do hipódromo de Madrid (1935), de Eduardo Torroja Miret, e também à solução estrutural do projeto para cobertura do velódromo de Miami, do arquiteto Hilário Candela (1964): ambos possuem grandes balanços das coberturas de concreto armado contrapostos por pilares, assim as vistas para os jogos não sofrem nenhum tipo de interferência.

A casa de Vicente Izzo foi determinada desde sua concepção por um estruturalismo que buscou o equilíbrio das forças e o domínio da paisagem por meio do programa. Premissas propriamente modernas e brutalistas presentes nas obras do movimento arquitetônico contemporâneo e que, de certa forma, inserem a obra de Francisco Petracco dentro desse contexto (VERDE; BASTOS, 2011).

Figura 166: Cobertura do Hipódromo de la Zarzuela, Madrid de Eduardo Torroja Miret (1935). Fonte http://vaumm.blogspot.com.br/2011/12/monumentos-de-hormigon.html

Figura 167: Cobertura do Velódromo de Miami, de Hilario Candela (1964).Fonte: http://www.dwell.com/house-tours/article/stadium-game

A sobriedade da obra e a unidade foram garantidas pela diminuta paleta de materiais utilizados: a superfície de concreto armado da cobertura foi pintada de branco, as abóbadas, os pilares curvos, de concreto armado aparente, contrastando, assim, com a cobertura principal; os pisos foram revestidos com pastilhas de vidro Vidrotil brancas, o que trouxe sofisticação aos ambientes. A predominância da cor branca permitiu maior reflexividade da luz e maior luminância no interior da casa. A entrada de luz foi possibilitada por meio de grandes panos de vidro, aberturas zenitais (domus) e aberturas superiores.

Figura 168: Fotografia da Entrada da Residência Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 169: Fotografia interna da Residência Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 170: Cozinha da Residência Izzo (1972). Fonte: Revista Casa e Jardim n°293, p76, jun1979

5.3. O programa da casa e sua distribuição

O programa foi dividido em vários volumes, com estruturas independentes pelo terreno: a cobertura convexa sobre a área social da casa e a cobertura que apresenta as formas côncavas das abóbadas, onde a parte íntima dos dormitórios foi alojada. E, no fundo do terreno, próximo à piscina, um volume cilíndrico que corresponde ao vestiário.

A edícula, que sofrera ampliação em 1975, possui uma cobertura com um desenho formado por curvas e retas tangentes correspondendo ao desenho da piscina e do paisagismo; nela, garagem, salão de jogos e dependências de empregados foram localizados. Também recebera um segundo pavimento, um

volume circular, como um mirante dentro do terreno, que correspondente ao dormitório do proprietário da casa.

A orientação da casa no terreno é leste e oeste, sendo a fachada leste composta por panos de vidro, voltada para a piscina e para o jardim e exposta ao sol da manhã, que tem a temperatura mais amena. O balanço da cobertura sombreia estes panos de vidro. A fachada oeste, exposta ao sol da tarde (com temperaturas mais altas), recebeu venezianas de madeira e um pequeno beiral, que consiste no avanço da estrutura formada por abóbadas. Num primeiro momento da construção da casa, a casa estava cerca de 3m próxima à divisa do lado esquerdo do terreno, a fim de liberar uma grande área de jardim para a piscina do outro lado do terreno. Em consequência da ampliação do terreno em 1975, a casa ficou localizada no centro do terreno.

Figura 171: Fotografia da Piscina da Residência Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

Figura 172: Fotografia da Fachada Oeste da Residência Izzo (1972). Fonte: Francisco Petracco (Acervo organizado por Angela Diniz)

5.4. O redesenho e a construção da maquete

O processo de redesenho e construção da maquete física do projeto da residência de Vicente Izzo contou com projetos preliminares, com o projeto executivo completo e um extenso material fotográfico que fora publicado em revistas e que também estava disponível no acervo do próprio arquiteto.

A experiência do redesenho teve a finalidade de repassar o ato projetual do arquiteto em sua concepção, de modo a captar a composição por meio de proporção, da composição de cheio e vazios, de elementos responsáveis pela criação da materialidade, como os desníveis do piso entre as partes externa e interna da casa, que permite o enquadro da vista para a piscina, a criação de aberturas que permitem a entrada de luz zenital, a segmentação da casa, o ritmo imposto pelas abóbadas ao pavilhão segmentado dos dormitórios em contraposição ao desenho orgânico da cobertura da sala erguida para cima e da cobertura da edícula, com o desenho plano que se comunica com as curvas.

Também se pôde perceber que o projeto foi alterado sucessivas vezes, com soluções que não estavam desenhadas, mas que foram encontradas em fotografias, como a solução para os desníveis da área externa da casa, os pisos, as curvaturas finais dos muros que se tornam pilares e morros numa estrutura monolítica de concreto armado.

Na confecção da maquete, foi possível perceber as relações da volumetria e das formas das estruturas, principalmente o jogo de complementaridade das formas côncavas e convexas, tanto no plano horizontal da planta, nos jardins, quanto no plano vertical dos cortes e elevações, no desenho das estruturas.

Figura 174: Perspectiva da Residência Vicente Izzo. Autoria: Angela Diniz

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