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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.2 Saneamento básico no Brasil

Aos olhos da lei pátria, saneamento básico é o conjunto de serviços, infraestrutura e instalações operacionais de abastecimento de água potável, esgotamento sanitário, limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos e drenagem e manejo de águas pluviais (BRASIL, 2007). Os esgotos são classificados em sanitários e industriais, e o presente trabalho é focado unicamente nos primeiros, cuja composição inclui dejetos humanos (as denominadas águas negras) e efluentes de atividades como banho e lavagens de utensílios e roupas (águas cinzas) (FUNASA, 2015) .

O tratamento de esgoto promove benefícios difusos à população, em termos de qualidade ambiental, o que reclama intervenção direta do Estado, por meio de regulação, a fim de que seja assegurada a universalização do acesso a tão importante serviço (VARGAS, 2005; VON SPERLING, 2007). Com efeito, Soerensen e Marulli (1999) citam dados da OMS de que 80% de todas as doenças dos países em desenvolvimento relacionam-se diretamente à água de má qualidade e à ausência de coleta de esgoto, como cólera, hepatite, poliomielite, leptospirose, dengue e malária, e que soluções simples de tratamento de água e esgoto evitariam boa parte dessas enfermidades. Justamente por isso, Heller, Rezende e Heller (2008) sustentam a necessidade de políticas públicas que deem um enfoque tecnológico apropriado à solução das carências e assimetrias dos serviços de saneamento, solução que não é encontrada na realidade legislativa nacional.

Do ponto de vista institucional, segundo Vargas (2005), a dissolução do Plano Nacional de Saneamento do Brasil (PLANASA) na década de 1980, criado pelo regime

militar para centralizar as ações de saneamento no país, deixou como legado 26 companhias estaduais de saneamento responsáveis por atender quase 70% dos municípios brasileiros. Somente a partir da lei de concessões, em 1995, é que iniciou- se uma tendência de descentralização, quando cerca de 60 municípios firmaram contratos de concessão total ou parcial dos serviços de água e esgoto com entes privados (VARGAS, 2005).

De igual forma, percebe-se assimetria na distribuição da universalização dos serviços públicos pois, conforme dados já mencionados, o saneamento não está ao alcance da população de maneira uniforme.

Outro aspecto importante nesse desequilíbrio é o fato de inexistir padrão nos sistemas de tratamento de esgoto espalhados pelo território nacional. Leoneti (2009) já identificava que não era prática comum, no país, a realização de estudos de avaliação das alternativas tecnológicas passíveis de serem utilizadas no tratamento de esgoto, o que invariavelmente conduzia a falhas no processo de tomada desse tipo de decisão. Esse processo, embora envolva importantes desafios, como o equilíbrio das consequências sociais, econômicas e ambientais do projeto (LEONETI; OLIVEIRA; PIRES, 2013), é algo passível de ser realizado com o apoio de técnicas de tomada de decisão, mediante a análise de estudos integrados de custos, operação e manutenção, a fim de que se consiga determinar a melhor alternativa (OLIVEIRA, 2004).

É importante observar que as análises de indicadores de saneamento realizadas no país são amparadas pelo SNIS, que tabula os dados mais recentes que se têm disponíveis do setor. Esse sistema compila as informações fornecidas pelos próprios prestadores de serviços de água e esgoto, e tais informações não são auditadas, o que obsta um diagnóstico preciso da realidade. Ademais, há vários prestadores, especialmente dentre as entidades municipais, que sequer prestam informações. Referidos dados, portanto, não são precisos, completos e nem absolutamente confiáveis.

2.2.1 Planos e políticas nacionais

Bursztyn e Bursztyn (2012) lembram que o século XX foi marcado pelo aumento da preocupação da sociedade com a questão ambiental. No Brasil, a partir dos anos 1930 o Estado passou a desempenhar um papel de promotor de iniciativas de proteção ambiental: a Constituição de 1934 inovou por estabelecer competência

concorrente entre União e Estados para legislar sobre temas ambientais como subsolo, águas e florestas (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012). À Constituição seguiu- se o Código de Águas (Decreto 24.643/34) que discorria, ainda que de forma tímida, sobre algumas questões ambientais como o uso múltiplo das águas, sua contaminação e poluição (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012).

Três décadas depois nascia outro marco regulatório, a primeira política nacional, o Plano Nacional de Saneamento (PLANASA), da qual derivaram diversos órgãos, assim descrita por Bursztyn e Bursztyn:

Foi instituída pela Lei 5.318, de 1967, que cria também o Conselho Nacional de Controle da Poluição Ambiental. Esta política tinha como finalidade coordenar as atividades referentes ao abastecimento de água, à destinação de dejetos, aos esgotos pluviais e à drenagem, ao controle da poluição, inclusive do lixo, ao controle de inundações e erosões, dentre outras. A partir de então, as atividades de saneamento foram transferidas ao Ministério do Interior – Minter.

O Serviço Especial de Saúde Pública – SESP, criado em 1942, o Departamento de Obras e Saneamento – DNOS, instituído em 1940, e Departamento Nacional de Endemias Rurais – DENERu, criado em 1956, passaram a ser responsáveis pela execução da política sanitária.

Em 1968, foi criado o Sistema Financeiro de Saneamento – SFS, gerido pelo Banco Nacional de Habitação – BNH. No início dos nos 1970, foi adotado o Plano Nacional de Saneamento – Planasa, que passou a utilizar o instrumento trabalhista Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS como fonte de recursos financeiros. (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012, p. 463)

O PLANASA restou por apresentar especial relevância tanto positiva quanto negativa pois, por um lado, ampliava “significativamente os serviços de saneamento, principalmente o abastecimento de água potável à população urbana” mas, em contrapartida, retirava “de uma grande parte dos municípios a gestão de seus serviços de água e esgoto, impedindo a sua estruturação” e deixando as companhias de esgoto endividadas, ao estabelecer tarifas inferiores às suas despesas operacionais (BURSZTYN; BURSZTYN, 2012, p. 464).

Entretanto, regulamentações futuras não mantiveram uma coesão de propósitos, e o que se vê são ações isoladas e descontinuadas, o que demonstra a inexistência de políticas públicas de saneamento de longo prazo.

Um decreto presidencial de 2005 instituiu a chamada "Década Brasileira da Água", inspirada pela Década Mundial da Água, estabelecida pela ONU, e gestada pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei n.º 9.433/97) (MMA, 2006a, 2006b). À época, 12,1% do país não eram cobertos por rede de saneamento (MMA, 2006). Nesse contexto, foi elaborado o Plano Nacional de Recursos Hídricos (PNRH), que fazia previsões otimistas sobre o cenário brasileiro para 2020 e instituía políticas de

ação, estudos, programas e metas (MMA, 2006b). Todavia, o PNRH, consubstanciado em documento, trazia metas abstratas (como elaboração de documentos, sistemas, programas e subprogramas), mas nenhuma ação concreta e efetiva.

Em 2007, por meio da lei nº 11.445 (BRASIL, 2007), nascia um novo plano, o embrião do Plano Nacional de Saneamento Básico (PLANSAB), este, sim, prevendo metas específicas e detalhadas, como a universalização do saneamento básico, por meio da redução, até 2015, da metade de habitantes sem acesso a água potável e esgotamento sanitário (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2008). Aperfeiçoado nos cinco anos seguintes, o PLANSAB chegava robustecido, em 172 páginas bem elaboradas, detalhando metas de curto, médio e longo prazos, especificando os investimentos necessários e instituindo programas de saneamento e monitoramento (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013). No PLANSAB, os cenários otimistas traçados previam que, em 2033, o Brasil estaria crescendo à taxa de 5,5%, com dívida interna em níveis saudáveis e com rede de abastecimento e esgoto finalmente universalizadas (MINISTÉRIO DAS CIDADES, 2013).

Entretanto, estudo realizado nessa época já identificava históricos de falhas de planejamento nas políticas de saneamento, e encontrava evidências de que os investimentos, então realizados, além de pontuais e descontinuados, não eram sustentáveis, fato agravado pela inexistência de delimitação clara das responsabilidades que tocavam a cada um dos entes da Administração Pública (União, Estados e Municípios) (LEONETI; PRADO; OLIVEIRA, 2011).

Em 2017 nova publicação era editada, o Panorama dos Planos Municipais de Saneamento Básico no Brasil, que tinha por escopo subsidiar a formulação dos programas nacionais de saneamento e fortalecer o nascimento de novos planos (BRASIL, 2017). Todavia, a execução não acompanhou o planejamento, e ainda em 2017 o governo reconheceria que não conseguiria cumprir as metas estabelecidas no PLANSAB, de quatro anos antes (ESTADÃO CONTEÚDO, 2017), repetindo os erros que já haviam sido identificados, anos antes, por Leoneti, Prado e Oliveira (2011), relativos à deficiência de planejamento em saneamento básico.