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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO

2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

2.1 Uma teoria de sustentabilidade

Quando se fala na necessidade de se desenvolverem sociedades sustentáveis, vem a calhar a frase dita pelo então Secretário-Geral da ONU Ban Ki-Moon na Cúpula do Clima de 2014: não existe plano B porque não existe planeta B (UN, 2014).

Não é novidade que a forma com que a sociedade atual explora os recursos naturais não é sustentável, ou seja, as ações de hoje irão, invariavelmente, deixar marcas (pegadas) que serão sentidas anos depois, tornando a sobrevivência das futuras gerações algo consideravelmente difícil. O fato é que não se têm administrado os recursos naturais com o cuidado e o planejamento merecidos.

Percebendo que os recursos terrestres são finitos, muitos autores debruçaram- se no desenvolvimento de teorias sobre tão premente tema, dentre as quais cita-se a de Elkington (1997), que contempla o popular Triple Bottom Line, o tripé da sustentabilidade, em que três players, representados por três esferas de igual tamanho com partes sobrepostas (economia, sociedade e meio ambiente), convivem harmoniosamente e, dessa forma, garantem o desenvolvimento sustentável da vida terrena, como ilustrado pela Figura 1.

Figura 1: Representação gráfica da ideia principal do Triple Bottom Line.

Num mundo perfeito, a solução ideal passaria pelo que Sedlak (2014) chama de toilet-to-tap (do sanitário à torneira), a perfeita aplicação do conceito dos 3R da sustentabilidade (reduzir, reutilizar e reciclar) (SCOTT, 2007), em que, num ciclo fechado, o esgoto tratado retornaria às torneiras como água potável, passando infinitamente pelo mesmo ciclo, em looping. Mas esse cenário está longe da realidade, por conta de restrições de diversas ordens, como técnica e regulatória, por exemplo.

Assim, a despeito da nobreza da ideologia contida na obra de Elkington, a realidade comprova que aquele modelo de convivência simplesmente não é factível. Diferentes nações, em diferentes estágios de desenvolvimento, têm necessidades e aspirações diversas: antigas nações, para chegarem ao estágio de desenvolvimento em que se encontram, consumiram a maior parte de seus recursos naturais, ao passo que nações mais recentes, ou ainda em desenvolvimento, que começam a experimentar o crescimento econômico, defendem suas ações de devastação, a exemplo do que já fizeram aqueles Estados; afinal, falar em economia de recursos naturais é mais fácil àqueles que deles não necessitam com tanta premência quanto os outros.

Os círculos de Elkington, na prática, não são do mesmo tamanho e nem de igual importância: a experiência tem mostrado, por vezes, que a esfera econômica se sobrepuja às demais. Isso posto, crê-se que insistir no arranjo de um modelo que se mostrou incoerente é perda de tempo, um tempo que não se tem disponível.

Dessa forma, entende-se como fundamental a abordagem do tema sob nova perspectiva. Nesse particular, desponta a teoria do Capitalismo Natural (HAWKEN; LOVINS; LOVINS, 1999; LOVINS; LOVINS; HAWKEN, 1999), na qual os autores propõem, simultaneamente, a proteção à biosfera e a melhoria dos lucros e da competitividade das organizações, o que pode ser atingido por meio de uma série de mudanças simples de como os negócios são conduzidos, a fim de que os recursos naturais tornem-se mais produtivos.

É, literalmente, a união da sustentabilidade ao lucro. Ao invés de se dirigirem as atenções das políticas tão-somente à educação e à conscientização da sociedade sobre a importância da sustentabilidade – algo de suma importância, mas que demora gerações para produzir efeitos, já que se trata de mudar comportamentos e paradigmas enraizados em séculos de maus hábitos – trabalha-se com uma abordagem muito mais pragmática. Tempo, repise-se, é algo de que não se dispõe.

Resumindo, o objetivo é praticar a sustentabilidade não por ideologia ou consciência ambiental, mas porque dá lucro, porque é vantajoso.

Essa teoria conceitua como natural o capitalismo porque considera que o capital natural, dos recursos naturais, é o que deveria ser valorizado apropriadamente, a fim de tornar-se a maior classe de capital (LOVINS; LOVINS; HAWKEN, 1999). A fim de que se atinja esse objetivo, Hawken, Lovins e Lovins (1999) defendem quatro mudanças interligadas nas práticas negociais: aumentar drasticamente a produtividade dos recursos naturais; mudar para modelos de produção biologicamente inspirados; mover para um modelo de negócio baseado em soluções e reinvestir em capital natural.

Dessarte, o presente trabalho propugna a conjunção entre os princípios da redução sustentável do consumo dos recursos naturais (proposta por Scott (2007) e Sedlak (2014)) e do drástico aumento da produtividade de tais recursos (preconizado por Hawken, Lovins e Lovins (1999) e Lovins, Lovins e Hawken (1999)).

Segue-se, portanto, nessa direção porque acredita-se que, à realidade das ETEs brasileiras, é crucial que se trabalhe na mudança do modelo de negócio, de unidade de tratamento de resíduos (e consumo de recursos) para uma biorrefinaria que economize recursos, uma planta que se utiliza de matéria-prima gratuita (esgoto) para gerar subprodutos de valor comercial. Atingem-se, portanto, dois objetivos: a geração de lucro (e economia de recursos) e a preservação do meio ambiente.

E é nesse sentido que caminham as descobertas de Dangelico e Volcalelli (2017), Grebitus, Steiner e Veeman (2016), Naidoo e Gasparatos (2018) e Van Loo et al. (2015), que começam a identificar tendências de mercado para a atenção dos stakeholders às iniciativas ambientalmente corretas das empresas, bem como o consumo consciente, em que o destinatário final do produto passa a valorizar marcas que apresentam menor impacto ambiental em suas atividades.

Essa mudança de mentalidade, diga-se de passagem, que entende uma ETE como unidade geradora de valor, e não consumidora de recursos, não é novidade. Em 2002, algumas das instituições de pesquisa mais respeitadas do mundo se uniram na criação da Global Water Research Coalition, uma organização colaborativa, sem fins lucrativos, para pesquisa sobre temas relacionados à água (GLOBAL WATER RESEARCH COALITION, 2019). De seus estudos nasceu um roteiro, de 2010, sobre como se realizar tal transformação de uma ETE, baseado na experiência até então adquirida pela Holanda (STOWA, 2010).

Referido roteiro previa três possibilidades de transformação de uma ETE, com exemplos holandeses: a) em uma fábrica de água para finalidades diversas: água processada (como na ETE Terneuzen), água para alimentar aquecedores (ETE Emmen), água para fins recreativos (ETE Kaatsheuvel) e para irrigação agrícola (ETE Land van Cuijk); b) em fábrica de energia elétrica e térmica, a exemplo das ETEs Apeldoorn, Garmerwolde, Amsterdam-West, Beverwijk e Ede; c) em uma fábrica de nutrientes, por meio da extração e produção de fosfato de cálcio (como na ETE Geestmerambacht), óxido de magnésio, para produção de estruvita (ETEs Steenderen e Olburgen), e produção de fosfatos (SNB tratamento de lodo e ETE Deventer) (STOWA, 2010).