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Conforme explicitado na seção 01, o objeto de estudo “formação de professores de E/LE” compõe-se de maneira complexa, carregando em seu bojo elementos discursivos, ideológicos e cognitivo-representacionais. Do nível ideológico, emerge o ideário sobre o qual se erigem as representações sociais em torno do objeto. Ou seja, no tecido ideológico, subjacente aos entendimentos feitos ao redor da formação de docentes de E/LE, encontramos os entendimentos que subsidiam a construção de suas representações. Por seu turno, no nível das representações, encontramos articulações de uma cognição social, que orienta práticas. Frente a um objeto a ser representado, algo desconhecido, movimentamos conhecimentos prévios em busca de uma acomodação figurativa (ancoragem), para que o objeto se aproxime do nosso sistema particular de categorias. Uma vez essa operação realizada, passará a ser ligada a uma imagem e representada, por fim, dentro desse sistema figurativo, que nos ajuda a compreender o mundo (objetivação). Finalmente, essas representações dos vários objetos que nos rodeiam nos orientam em nossas práticas e, entre elas, encontra-se a prática discursiva, na qual emergem todos esses elementos constitutivos e subjacentes à dimensão discursiva.

Como podemos observar, para um estudo ideológico das representações sociais de um objeto, como é a nossa proposta, deveremos remeter a uma construção teórica que dê conta de observar esses aspectos, sob pena de não o compreendermos em sua total dimensão. Esse construto teórico se refere às teorias e abordagens que se debruçam sobre a dimensão discursiva das representações sociais.

Assim, conforme o exposto, nesta seção, de contextualização teórica, trataremos de alguns princípios que subsidiarão nosso trabalho. Recorreremos, nesse sentido, à Teoria das Representações Sociais (TRS) desenvolvida inicialmente por Moscovici (1978, 2009) e complementada por Jodelet (2001), Abric (1994) e Doise (1992). Para um exame ideológico das representações, utilizaremos as proposições de análise sócio-cognitiva feitas por van Dijk (2003, 2008a), no interior dos Estudos Críticos do Discurso (ECD).

Por outro lado, o repasse de considerações sobre a teoria que realizamos aqui tem por objetivo, além de dar embasamento teórico para nosso estudo, tentar esclarecer em alguma medida questões como: O que são as Representações Sociais (Doravante, RS)? Qual sua função e papel? No que elas interferem em nossas vidas e de

que forma elas se relacionam com o discurso, com a comunicação? E, fundamentalmente, podemos identificar no discurso de professores, como pertencentes a um grupo social, marcas ideológicas nas representações sobre um objeto, qual seja, nesse caso, a formação de professores?

Dessa forma, nossas discussões nessa etapa do trabalho se centrarão em torno da maneira por meio da qual um sujeito representa o mundo ou de que forma significa sua realidade; de sorte a considerar que essa atividade envolve processos mentais, linguageiros e sociais. Como veremos nas considerações dos autores, poderemos perceber o processo complexo de análise das várias dimensões constitutivas das representações sociais (cognitivas, discursivas, sociológicas). Assumindo que a formação de professores de E/LE é um objeto de representação, como estamos fazendo em nosso estudo, seguimos à conclusão de que é, por essa razão, multidimensional. Interessar-nos-á, no entanto, o seu aspecto discursivo no que se refere, especificamente, aos seus elementos ideológicos.

3.1 Formação de Professores, Representações Sociais e Estudos Críticos do Discurso

Conforme o disposto nas considerações anteriores, será através da articulação entre três áreas de conhecimentos que realizaremos nossas considerações: Os Estudos Críticos do Discurso (doravante ECD), a Teoria das Representações Sociais (doravante TRS) e a formação de professores de línguas, especificamente, de espanhol. Consideramos que, com essa articulação, poderemos entender a dimensão ideológica da(s) representação(ções) de docentes universitários sobre a formação de professores de E/LE.

Nessa construção articulatória, consideramos serem a universidade e a sala de aula espaços para a reprodução, confirmação, legitimação, produção ou desafio da estrutura de representações sociais e de ideologias. Por essa mesma razão, são ambientes de conflitos e questionamentos, que geram problemas sociais e questões políticas; necessitando, em última instância, de um olhar multidisciplinar. De tal forma que as propostas de análise da manifestação ideológica no discurso feitas por van Dijk (1980 e posteriores) podem auxiliar de forma decisiva a construção de um melhor entendimento do universo da sala de aula, a partir da análise crítica do discurso produzido por seus atores.

Assim, a partir das considerações do autor, ser-nos-á possível fazer uma relação entre a estrutura do discurso, cuja escolha é do indivíduo (numa concepção pragmática da linguagem) e suas representações do mundo que, por sua vez, têm interferência direta do grupo social do qual faz parte, compondo porção integrante da estrutura ideológica edificada e compartilhada por esse mesmo grupo.

Forçoso dizer, também, que essas propostas nos podem ser úteis na medida em que nos fornecerão os instrumentos necessários para analisar se e como o tecido ideológico da representação ou das representações construídas pelos professores formadores de docentes de E/LE emerge(m) de seus discursos. Para isso, é necessário compreender de que modo esses sujeitos constroem seu discurso e como figuram esse objeto de representação.

Cabe, de modo semelhante, trazer as considerações feitas por Moscovici (1978) e revistas por Sá (1998), quando o autor enfatiza

[...] o caráter distintivo da dimensão funcional do fenômeno, argumentando que tanto a consideração da gênese social das representações quanto o fato de elas serem socialmente compartilhadas não seriam suficientes para distingui- las de outros sistemas de pensamento coletivo, como ciência e a ideologia (Idem, p. 43).

Assim, o termo representação, proposto por Moscovici (Idem) e que aqui confirmamos, ficará reservado para aquela “modalidade de conhecimento particular que tem por função [exclusiva] a elaboração de comportamentos e a comunicação entre

indivíduos (1978, p. 43).” Ou seja, estamos asseverando que consideramos a formação

de professores de espanhol, um objeto de representação e, por essa razão, orientador de ações dos docentes que o compartilham. De tal sorte que poderemos, com os instrumentos de pesquisa que propomos usar, evidenciar em seus discursos sua manifestação através do léxico empregado e dos temas deles emergentes. Essas aparições darão indicativo da textura ideológica que sustenta essa ou essas representações.

Pelo exposto e para sermos mais claros, trazemos o que assevera Sá (1996), ao rever:

Um grande problema, tanto teórico quanto metodológico é o da definição do material portador de conteúdos, na sua fidedignidade e mesmo validade. Problema que se relaciona, através da construção do dado, com a construção do objeto [...] fechamento do discurso, desligado de seu contexto de produção e sem relação com as práticas [...].

Ou seja, que o objeto de representação deve ser estudado em seu contexto social, para que se evite o seu falseamento e se garanta uma veracidade do que se obtenham como dados de análise. Nossa intenção é, reiterando, verificar o componente ideológico-discursivo da representação dos professores, evidenciado pelos elementos linguísticos que o compõem (léxico e semântico), de maneira contextualizada e com o entendimento de sua funcionalidade como sistema de conhecimentos práticos que orienta atitudes.

Com relação à caracterização de grupo, necessária ao estudo com a TRS e própria dos ECD, estabelecê-lo-emos mais adiante, na seção três. Adiantamos, contudo, que consideramos o grupo de professores participantes da investigação um grupo representativo, na medida em que se articula com determinadas características como objetivos e recursos comuns, bem como uma atividade típica entre seus membros (a formação docente), entre outras.

Já com relação ao objeto representado, no caso a formação de professores de E/LE, é importante ressaltar que, sendo a principal atividade a que se destinam os sujeitos (não deixamos de considerar que se dediquem à pesquisa e à extensão) ela se apresenta, de tal modo que a maneira como a representam deverá orientar o seu agir. A insistência em torno dessa caracterização, como veremos, ao revisarmos a TRS, está na sua importância de sua definição como objeto figurativo, partilhado por um grupo social, orientador de atitudes. Por essa razão, apresentamos na metodologia de pesquisa, exposta na seção três, conforme o postulado pelas áreas de conhecimento articuladas, o uso de três instrumentos diferentes, de maneira a garantir não só a sua perscrutação pormenorizada, como a validade desse mesmo exame.

Conforme exposto na introdução, nossas indagações tiveram origem nas inquietações vivenciadas em nossa prática como formadores de professores. Nesse sentido, o estudo em torno da ou das representações sobre a formação de docentes de espanhol pode indicar caminhos a serem seguidos por nós e por outros formadores em nosso trabalho, tais como ações de formação continuada de professores, que possibilitem os formandos e professores em atuação a se aproximar das novas tendências teóricas e metodológicas de sua área de atuação. Poderá a pesquisa, igualmente, proporcionar subsídios para futuros estudos que analisem como são construídas, discursivamente, as percepções desses docentes sobre sua prática e sobre a língua estrangeira, sobre a abordagem da gramática, do ensino de leitura; possibilitar a discussão do método de ensino a ser usado, etc. Estudar se e de que forma os

professores constroem sua representação do trabalho que realizam e se e de que forma essa representação condiciona sua prática docente (em outro estudo suscitado a partir do atual), pode apontar, assim, caminhos para propostas de formação mais consistentes desses profissionais.

Examinar, pois, os processos de construção ideológico-discursiva dos atores inseridos na sala de aula de formação de professores de língua estrangeira como um processo de construção, legitimação ou refutação de representações sociais e das ideologias que lhes formam, através desse mesmo discurso, pode dar indicativos da gênese da forma de ver e fazer o ensino de idiomas e, dessa maneira, possibilitar estratégias de intervenção para possíveis correções de percurso. As conclusões do estudo, contudo, não cabem nessa etapa de nossas discussões. Essas primeiras considerações servem, no entanto, para introduzirmos as contextualizações teóricas que procederemos no próximo item, quando exporemos uma revisão da TRS, de modo a articular, em certa medida, os três campos que utilizamos em nossa investigação.

3.2 Uma abordagem ideológica das Representações Sociais

3.2.1 A Teoria das Representações Sociais

Como pudemos demonstrar, nosso objeto de estudo configura-se dentro do domínio da Linguística Aplicada. Sua natureza e contextualização serão detalhadas na próxima seção. Nesse item, cabe dizer que a articulação da TRS com outras áreas de estudo tem se multiplicado e seu diálogo com a educação tem recebido especial atenção de pesquisadores (JODELET, 2001). Pudemos ver isso demostrado em parte pelo levantamento que apresentamos na introdução. Essa convergência, conforme aponta Jodelet (2001), se dá por sua aplicabilidade no campo de ensino, o que tem contribuído, segundo ela, para que a TRS venha se tornando um assunto central para as ciências humanas. A exemplo da Educação, a Linguística também tem dialogado com essa abordagem teórica, o que o levantamento que fizemos na introdução também pode comprovar, em certa medida, ainda que não seja exaustivo nesse sentido.

A aplicabilidade da TRS em outras áreas do conhecimento científico, sobretudo na Linguística, tem a ver com a importância desse estudo sobre um objeto que diz respeito tão fortemente à nossa vida cotidiana: a linguagem. Afinal, conforme diz Moscovici (2009), principal teórico da TRS, sobre as representações:

Elas entram para o mundo comum e cotidiano em que nós habitamos e discutimos com nossos amigos e colegas e circulam na mídia que lemos e olhamos [...] as representações sustentadas pelas influências sociais da

comunicação11 constituem as realidades de nossas vidas cotidianas e servem