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CAPÍTULO 1. DESENVOLVIMENTO CONCEITUAL DO PROCESSO DE

1.5 Segregação, Poder político e distribuição dos equipamentos coletivos na malha

O quinto parágrafo da Lei: 10257 de 10 de julho de 2001, do Estatuto da Cidade, afirma em seu artigo segundo que:

A política urbana tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana, mediante as seguintes diretrizes gerais:

V. Oferta de equipamentos urbanos e comunitários, transporte e serviços públicos adequados aos interesses e necessidades da população e às características locais.

Em um panorama geral, as transformações socioespaciais na distribuição das atividades materializadas espacialmente enquanto formas de desenvolvimento urbano, em diferentes níveis e escalas, são resultantes tanto da lógica da ação do Estado42, quanto

de distintos capitais (empresas), entre eles o industrial, agroindustrial, e em particular o imobiliário. Somado, obviamente, às necessidades e estratégias de localização e distribuição da força de trabalho.

As relações de poder estão presentes em todos os vínculos sociais, e são por vezes fomentadoras de conflitos, tendo em vista a multiplicidade de interesses dos indivíduos. Cabe nesse neste momento atribuir a devida importância do poder público sobre o espaço urbano, dada a sua participação diferenciada na disponibilização de equipamentos

41 JUNIOR, A. R. A, WHITACKER, A. M. Segregação socioespacial em cidades médias: diferenças ou semelhanças? Um estudo sobre o jardim cinquentenário e o jardim morada do sol em Presidente Prudente – SP. Geografia em Atos, n. 7, v. 2, Presidente Prudente, 2007.

42 O entendimento de Estado que este trabalho se filia apresenta as seguintes naturezas: instituição organizacional, capaz de legislar e tributar uma determinada sociedade; instituição normativa, em acordo com a própria ordem jurídica ou o sistema constitucional, e, em específico neste texto, instituição promotora das renovações urbanas, de infraestrutura, ou como bem definido por Marx em 1948, “Comitê Executivo da Burguesia”.

públicos, levando Villaça (2011, p. 47) a alertar que “nosso maior problema é a enorme desigualdade de poder político que há em nossa sociedade”.

A essa altura, serão apontados de acordo com Corrêa (1995), os principais agentes produtores do espaço urbano, tanto envolvidos no valor de troca quanto de uso. Destes podemos destacar os grandes proprietários dos meios de produção, os proprietários fundiários, os promotores imobiliários, o Estado – estes atuam por vezes associados na promoção de seus interesses, além dos grupos sociais excluídos. Em mais detalhes conforme aponta o autor, vejamos a seguir:

 Proprietários fundiários: São os donos do solo e visam o aumento progressivo do valor de suas propriedades de forma a atingir o lucro máximo em sua venda, seja em utilidade comercial e/ou residencial de alto status – isto é, estão interessados primordialmente no valor de troca e não de uso. Em diversos exemplos tornam-se também promotores imobiliários, quando inexiste a contingência de ganhos com as práticas citadas acima, se torna loteador e pode apelar ao Estado como provedor de infraestrutura em projetos de moradias populares.

 Proprietários dos meios de produção: representados pelos grandes proprietários industriais e as grandes empresas comerciais, sendo por si só grandes consumidores de espaço, de preferência terrenos amplos e baratos, que ofertem proximidade a meios de circulação e mercado consumidor. O crescente no preço do solo, ou especulação, de um lado encarece o preço do solo e a consequente expansão do estabelecimento, de outro atinge o preço dos imóveis incidindo diretamente nos salários da força de trabalho.

 Promotores imobiliários: são compreendidos enquanto um conjunto de agentes encarregados de maneira total ou parcial as seguintes operações: incorporação (gerenciadores na transformação do capital em mercadoria); financiamento (representados na figura das pessoas físicas ou jurídicas); consulta (elaboradores dos estudos de viabilidade técnica); construção (empresas da construção civil), e por fim as empresas de operação imobiliária (corretoras e de marketing) (GONÇALVES, 2012). Dentre as estratégias utilizadas destacam-se: dirigir-se primeiramente em produzir moradias à demanda solvável, e, em segundo plano, buscam auxílio do

Estado no sentido de tornar rentável a produção de residências de uma parcela não solvável, que também significa rentabilidade43.

 Grupos excluídos: composto por aqueles impossibilitados de fazer uso de recursos locacionais, e, muito menos comprar um imóvel. A estes, de uma forma recorrente, restam apenas como morada os cortiços, áreas sem regularização pelo sistema de autoconstrução, conjuntos habitacionais fornecidos Estado e as degradantes favelas. É nestes espaços que estes agentes de fato atuam como modeladores do espaço urbano, ocupam áreas privadas em especulação, espaços públicos ou favelas como forma de resistência ao processo de segregação, e principalmente como forma de sobrevivência.

Em término, o Estado, em virtude de ser um dos agentes mais atuantes no processo de produção do espaço urbano, será tratado com maior nível de detalhes. Essa atitude se justifica por ser legislador e regulador de todos os outros agentes, e, em certos momentos, absorver o ofício dos mesmos como: promotor imobiliário, dos meios de produção, dos recursos fundiários e representante das causas civis.

O Estado encontra-se cada vez mais envolto em alianças público-privadas em relações de interdependência. A manutenção de um corpo de gestão político por exemplo, se dá pela contrapartida de favorecimentos velados a determinados grupos que apresentam relevância econômica, responsável pelos processos de financiamentos (i)lícitos. O capital imobiliário encontra no Estado um suporte importantíssimo na estabilização de seus interesses e ações, como o respaldo comercial e/ou construtivo de loteamentos e unidades habitacionais.

De fato, o que ocorre neste processo é uma subversão da função do Estado, se as suas ações se fundamentam em minimizar os efeitos da segregação, construindo mais habitação social e tendo certo nível de controle sobre os preços dos aluguéis. Age por meio do planejamento e legislação urbanística, ou mesmo na concessão de infraestrutura urbana básica, garantindo proveitos àqueles já privilegiados. Dessa maneira “a atuação do Estado se faz, fundamentalmente e em última análise, visando criar condições de realização e reprodução da sociedade capitalista” (CORRÊA, 1995, p. 26).

43 É rentável se são superocupadas por várias famílias ou por várias pessoas solteiras que alugam um imóvel ou um cômodo; (b) é rentável se a qualidade da construção for péssima, com o seu custo reduzido ao mínimo, conforme Engels descreve para a Inglaterra em relação ao século XIX; e (c) é rentável quando verifi ca-se enorme escassez de habitações, elevando os processos a níveis insuportáveis (CORRÊA, 1995, p. 21-22)

Dessa forma, o Estado além de promover o fenômeno da segregação – pode ratifica-la, a participação regulamentária do uso do solo, promoção de serviços urbanos, impostos fundiários e imobiliários e principalmente, “através da alocação espacialmente diferenciada dos equipamentos de consumo coletivo, o Estado também interfere na segregação residencial” (CORRÊA, 1995, p. 26).

Dentre as ações que o Estado realiza e que pode reafirmar o processo de segregação, Gonçalves (2012, p. 68) relaciona,

Na alocação diferenciada dos meios de consumo coletivos e na infraestrutura urbana ou por meio de grandes obras de renovação urbana que tendem a valorizar determinadas áreas do espaço urbano. Há também por meio da provisão de habitação para as camadas mais pobres nas periferias como benefício indireto aos promotores imobiliários e de certa maneira, permeadas pelo clientelismo político através de práticas ideológicas.

Tanto a oferta quanto a qualidade dos equipamentos públicos e infraestrutura urbana são de competência do Estado, e cabe a este promover a igualdade em termos de acesso por parte da população, independentemente dos níveis econômico, político e social. Todavia, quando se discute segregação, entende-se que, a classe dominante atua sobre o poder público, “no sentido de manter a dominação e assegurar a qualidade de vida do ‘seu’ espaço urbano” (VILLAÇA, 2011, p. 74).

Neste trajeto, Singer (1982, p. 35) entende a distribuição dos serviços urbanos direcionados a uma parcela específica da sociedade, e alerta, “quanto menor a renda da população, tanto mais escassos são os referidos serviços. Isto poderia despertar a suspeita de que o Estado agrava sistematicamente os desníveis econômicos e sociais, ao dotar somente as parcelas da população que já são privilegiadas de serviços urbanos, dos quais as parcelas mais pobres possivelmente carecem mais”.

É indubitável que os problemas das camadas mais pobres da população são diferentes daquelas melhores posicionadas, assim como a capacidade de pressão pública, sendo os primeiros mais dependentes dos intervencionismos do poder público. Sem a segregação, seria mais complexo à população mais abastada solicitar a resolução de problemas específicos, como: segurança e infraestrutura.

Com suficiente influência de Christian Topalov, e ainda correlacionando segregação socioespacial de alguns grupos e a limitação de acesso aos equipamentos e serviços coletivos, Maria Helena Rauta Ramos (2002), traz importantes contribuições. A

autora assinala que esse processo de exclusão social é resultado das relações capitalistas, em que os possuidores dos meios de produção se apropriam do valor agregado pelo trabalho do outro.

Tal conjuntura ocorre em virtude da hierarquização das categorias sociais, e refletem possibilidades de acessos diferenciados aos dispositivos públicos e privados. A autora também aborda que a qualidade de tais equipamentos é complacente com a área em que estão localizados, sendo “as estruturas desses equipamentos, por sua vez, são mais bem aquinhoadas quando situadas em áreas onde habitam as frações mais “bem posicionadas” nas relações sociais de produção” (IBIDEM, p. 139).

A progressiva alteração dessa hierarquização das estruturas de equipamentos e serviços coletivos e da distribuição dos grupos sociais ou das “categorias sociais”, resultante da reversão da direção social das políticas urbanas, pode ser o principal objetivo da estratégia de intervenção popular e de controle social, como por exemplo, os conselhos locais. E dessa forma, por meio da competência cívica contribuir de maneira participativa com as intervenções das instituições políticas, iluminando-as com o seu requisito supremo, a democratização.

Com o exposto neste capítulo teórico, foi possível perceber a importância da Escola de Chicago em sua precursão teórico-metodológica em estudos que envolvem a formação diferencial do espaço e a segregação. Tais produções pautaram grande parte dos escritos (neo)marxistas que também atribuíram à análise aspectos qualitativos e da própria dinâmica do capital. As obras acessadas sinalizaram os agentes espaciais urbanos que “empreendem” as maiores intervenções nas cidades, como o Estado, nos permitindo nos capítulos posteriores vincular atenção específica a estes agentes.

A segregação deve ser entendida além dos valores socioeconômicos, existem inúmeros valores de ordem simbólica e subjetiva que permeiam este fenômeno. O seu estudo não deve em nenhum momento esquecer da dimensão histórica que molda este processo. Nessa linha, o capítulo seguinte visa articular os aspectos supracitados que convergiram à promoção de um espaço com formação de periferias e segregado no ambiente urbano de Viçosa/MG.

CAPÍTULO 2. O DESENVOLVIMENTO DESIGUAL DA CIDADE DE VIÇOSA,