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4.2 A HISTÓRIA DA FUNDESTE DE CHAPECÓ

4.2.2 Segunda fase: o reconhecimento dos cursos (1976 a 1978)

4.2.2.1 Descrição na percepção dos entrevistados

Esta fase tem como marco inicial a mudança da sede do Seminário Diocesano para o local que funciona até os dias de hoje. A área que a FUNDESTE passou a ocupar a partir de fevereiro de 1976 foi construída inicialmente para abrigar um hospital psiquiátrico estadual. No entanto, concluída a obra, decidiu-se dar outro fim, doando a área e os prédios existentes para a FUNDESTE.

O processo de transição da direção da FUNDESTE em 1976 foi bastante conflituoso. Atendendo prerrogativa estatutária, o Conselho Deliberativo nomeou para a Direção Geral o professor Umberto de Toni, executivo da Sociedade Anônima Indústria e Comércio Chapecó – SAIC (hoje Frigorífico Chapecó) e que, por isso, contava com o apoio do empresário Plínio de Nês. Os entrevistados B-2 e A-1 mencionam que o próprio Plínio teria convidado e indicado o professor Umberto.

Já o cargo de Diretor de Ensino Superior deveria ser ocupado mediante processo eletivo no colegiado de professores. Uma das primeiras providências do novo Diretor Geral foi marcar o pleito, no qual foi eleito em candidatura única o professor Antônio Carlos Sfoggia Nunes.

No entanto, o nome eleito foi vetado por alguns conselheiros da FUNDESTE, dentre eles o prefeito de Chapecó, Altair Wagner, que trabalhou paralelamente em

prol do nome do Professor Oracílio Costella, então secretário municipal de educação, que tampouco fazia parte dos quadros da FUNDESTE. Seu nome foi imposto “goela abaixo” e os professores contrários à imposição foram tidos como rebeldes. Os próprios professores afirmavam não ter nada contra a pessoa do professor Oracílio, só queriam fazer valer as prerrogativas legais estabelecidas. O entrevistado H-8 menciona que o nome do professor Oracílio “[...] foi colocado goela abaixo [...], porque ele não era funcionário, não era professor da FUNDESTE e ele mesmo dizia que não sabia nem onde era a porta de entrada”.

Além do aspecto político, contava também o econômico, pois o prefeito Wagner só voltou a fazer os repasses devidos pela prefeitura de Chapecó após o ingresso do professor Oracílio. Desta forma, o Plínio de Nês tinha indicado o professor Umberto para a Direção Geral e o prefeito Wagner indicado o professor Oracílio. Tal fato fica evidenciado na fala do entrevistado A-1: “[...] então o Plínio de Nês colocou um homem de confiança dele, que era o Umberto de Toni, e o Wagner colocou um homem de confiança dele”, que era o Oracílio Costella. Para o entrevistado O-15 “isso configurava que a instituição tinha o seu comando político externo”.

Por fim, o Professor Oracílio assumiu e acabou conquistando seus colegas. Ele chegou a dizer, posteriormente, que havia sido convidado para o cargo em uma reunião com o prefeito de Chapecó e com o empresário Plínio de Nês. Ele acabou sendo aceito por professores e funcionários por sua humildade e competência.

Este episódio deixou claro que havia um controle externo na organização, marcadamente de natureza econômica e política, já que as prefeituras e algumas entidades de destaque contribuíam, ou deveriam contribuir, financeiramente para a manutenção da FUNDESTE e mantinham uma hegemonia no Conselho Deliberativo. Internamente, cabia apenas desenvolver o ensino e ainda de forma alienada, formal e sem articulação. O entrevistado H-8 deixa isto claro ao mencionar que “ou é o Oracílio ou a Prefeitura não apóia no sentido de contribuir financeiramente”.

O mandato dos professores Umberto e Oracílio foi marcado pela busca de soluções para a crise financeira e pela necessidade premente de reconhecimento dos cursos de graduação existentes. Ambos se dedicavam à FUNDESTE apenas no turno da noite, desenvolvendo outras atividades profissionais durante o dia. Tal situação requeria um esforço adicional para, inclusive, superar as sérias dificuldades existentes.

Do ponto de vista financeiro, a crise instalou-se em função de vários dos novos prefeitos eleitos, descomprometidos com o processo de criação da FUNDESTE, deixaram de fazer os repasses previstos nas respectivas leis municipais. O único município que manteve o repasse foi Chapecó, que regularizou sua situação após a posse do professor Oracílio. A crise era tamanha que, faltando “três ou quatro dias para o início do ano letivo” de 1976, havia ainda a necessidade de contratar cerca de doze professores, “não havia um tostão em caixa e tinha títulos em cartório para pagar, que estavam sendo protestados” (entrevistado B-2). Além disso, a mudança para a sede atual demandava recursos para promover as obras e reformas nos prédios doados, adaptando-os às necessidades de uma instituição de ensino superior. Os prédios estavam em uma situação de abandono, com mato para tudo que era lado. A saída foi apelar para os alunos que entenderam as dificuldades e se mobilizaram fazendo rifas e outras promoções para arrecadar recursos para a FUNDESTE. O entrevistado B-2 menciona que a sorte foi “ter feito uma rifa de um automóvel e o carro não foi sorteado”. Também foram obtidos recursos federais (a fundo perdido) e diversas doações para a conclusão das obras. Uma doação ocorreu de forma compulsória, pois havia um piso destinado à Secretaria de Negócios do Oeste que o professor Umberto foi utilizando e depois comunicou, tornando a doação inevitável. Quanto aos recursos Federais, a obra tinha que ser concluída até o final do ano, caso contrário o dinheiro tinha que ser devolvido, “e as obras atrasaram, mas devolver o dinheiro era o fim da picada” (entrevistado B-2). Para evitar tal situação, em função de alguns atrasos nas obras, era feito um faturamento antecipado. Em seis meses, o quadro de crise estava revertido.

Ao professor Oracílio foi dada a incumbência de regularizar a situação dos cursos que ainda não tinham reconhecimento, com a assessoria dos professores Santo Rossetto e Reni Iop, no ensino, e da professora Lurdes Alves, então secretária acadêmica. No final, ele acabou realizando um bom trabalho. O entrevistado H-8 menciona que o professor Oracílio “[...] foi um excelente diretor, o diretor que a FUNDESTE precisava na época [...] e ele foi ágil, muito dinâmico no reconhecimento dos cursos”, mesmo sem entender muito dos trâmites, pois soube ser humilde e se cercar de pessoas competentes. Ele tinha como princípio que com boa vontade e humildade tudo se aprendia, se não soubesse procurava alguém que sabia e se ninguém soubesse, ia pesquisar e reunir informações.

Em relação ao reconhecimento dos cursos, o entrevistado A-1 enfatiza que: No curso de Pedagogia já tinha havido formatura, [...] não tinha reconhecimento ainda e já tinham sido criados os cursos de Administração, Estudos Sociais e Ciências Contábeis, também sem reconhecimento e existia, até por contingência de tempo, alguns cursos em período de férias que eram chamados de Licenciaturas Curtas em regime de férias, que também não tinham sido reconhecidos junto ao Conselho Federal de Educação. Quer dizer, isso criou um grande mal estar, principalmente para [..] os Pedagogos [...]

Os professores Oracílio e Santo foram a Brasília de avião levando a documentação para o reconhecimento do curso de Pedagogia. O entrevistado A-1 disse: “lembro que nós pagamos excesso de bagagem no avião para levar todos os xerox para Brasília [...]”. As negociações com a relatora do curso exigiram ajustes no regimento do Centro de Ensino Superior – CES. O mesmo entrevistado menciona que “a relatora do curso dizia: aqui não pode ser assim, aqui pode ser assim [..]” Após negociações e ajustes, retornaram com o reconhecimento do curso pelo Conselho Federal de Educação, sendo recebidos com festa, com direito a passeata do aeroporto até a cidade em uma Kombi cedida pela Casa Néri, que tinha serviço de som que divulgava o feito à comunidade.

[...] fomos recebidos com honra no aeroporto e desfilamos na avenida numa Kombi da Casa Néri com serviço de som, que era uma corneta, anunciando para a Cidade que nos tínhamos reconhecido o curso de Pedagogia.

Juntamente com o reconhecimento do curso de pedagogia, foi aprovado também o regimento do Centro de Ensino Superior – CES, o que era indispensável para o reconhecimento dos demais cursos. Posteriormente também foram, com muito custo, viagens e trabalho, reconhecidos os cursos de licenciatura, Serviço Social, Administração e Ciências Contábeis.

O entrevistado A-1 retrata a conquista do reconhecimento para os demais cursos: [...] e lá (em Brasília) nós reconhecemos o curso de Estudos Sociais também. Então, mais uma conquista. O que estava muito engasgado era aqueles cursos de licenciaturas curtas que também conseguimos reconhecer e o passo seguinte foi montar os processos dos cursos de Administração e de Ciências Contábeis, me lembro que esses foram mais fáceis.

Outra preocupação desta gestão foi com a capacitação docente. Embora modesta, pela falta de recursos, alguns professores saíram para cursar pós- graduação em outras universidades, com apoio financeiro da FUNDESTE. Nas maiores crises, o professor Umberto chegou a fazer financiamento em seu nome (ressarcido posteriormente pela FUNDESTE) para manter os repasses (inclusive com certo atraso) aos professores em pós-graduação. Mesmo assim, alguns

professores retornavam para transferir-se em seguida para outras instituições, fazendo com que tal investimento não retornasse para a FUNDESTE, na forma da qualificação do corpo docente. O entrevistado B-2 menciona que, “[...] na minha época, os professores pós-graduados eram contados na palma da mão, nos dedos de uma só mão [...]”.

O professor Umberto de Toni é descrito como uma pessoa moderada, mas de muito trabalho. O grupo de professores era pequeno e todos trabalhavam para o crescimento da universidade. O entrevistado B-2 demonstra as dificuldades vivenciadas por este grupo de professores ao afirmar que:

[...] um coordenador tinha que servir para dois cursos, porque não havia dinheiro para pagar e se pagava pouco aos professores, não recebiam bons salários, mas todos se sacrificavam para que um dia pudessem levantar a cabeça.

Excetuando-se a polêmica inicial da indicação do professor Oracílio, esse período foi tranqüilo, com poucos conflitos e muito trabalho.

4.2.2.2 Interpretação teórica

O quadro 32 contém os principais eventos que marcaram a segunda fase da história da FUNDESTE, visando facilitar a ligação com o referencial teórico considerado.

Quadro 32: Principais eventos no período de 1976 a 1978 na FUNDESTE

Período Eventos Marcantes

1 Fevereiro de 1976

Mudança da FUNDESTE para as novas instalações doadas pelo Estado, que demandaram inúmeras obras para adaptá-la às necessidades de uma instituição de ensino superior.

2 Fevereiro de 1976

Professor Umberto de Toni assume o cargo de Diretor Geral, por indicação do Senhor Plínio de Nês.

3 1976 Professor Oracílio Costella assume a Direção de Ensino Superior em processo sucessório conturbado, apoiado pelo Prefeito de Chapecó.

4 1976 Busca de alternativas para superar a grave crise financeira 5 1977 Reconhecimento do curso de Pedagogia.

Novamente a configuração de poder que melhor explica este período é a “instrumento” (MINTZBERG, 1983a), pois havia um forte controle externo da coalizão formada pelo empresário Plínio de Nês e pelo Senhor Wagner, Prefeito de Chapecó, via Conselhos Deliberativo e Fiscal. O processo sucessório conturbado que culminou com a posse do professor Oracílio demonstra a capacidade de influência da coalizão externa. O empresário Plínio de Nês, pelo seu carisma junto à comunidade regional, constituía-se em poderoso influenciador, pois, à frente de um dos grupos agro-industriais mais importantes, ele exercia influência política e econômica em diversos segmentos da sociedade chapecoense. De outro lado, a prefeitura exercia influência econômica, já que a FUNDESTE dependia do repasse de recursos, principalmente em uma época de severa crise financeira. O empresário Plínio de Nês, apoiado pela classe empresarial, e o prefeito Wagner, à frente do governo municipal, eram os grandes stakeholders da FUNDESTE, pois tinham interesse nas suas ações e decisões, bem como dispunham de força suficiente para fazer valer os seus interesses (FREEMAN e REED, 1984, PERROT, 1996). Como tais stakeholders não detinham conhecimento especializado sobre o ensino superior, a busca pelo reconhecimento dos cursos só ocorreu quando a primeira turma de Pedagogia se formou e a validação dos diplomas ficou comprometida. Este foi o período que a configuração “instrumento” mais se fez presente, pois uma coalizão externa dominante colocou à frente da FUNDESTE pessoas de sua inteira confiança para assegurar o seu poder de influência na coalizão interna.

Durante a crise financeira, a sociedade, empresários, alunos, governo municipal e federal prestaram apoio à FUNDESTE, fornecendo recursos financeiros e materiais. A dependência de recursos extra mensalidade dos alunos deixava a FUNDESTE vulnerável à influência externa.

Neste período, o MEC e o CFE também exerceram influência na medida em que detinham um recurso essencial para a sobrevivência da FUNDESTE, o reconhecimento dos cursos, sem os quais não haveria produtos a oferecer à sociedade. Os alunos (clientes), sobretudo os formandos de Pedagogia, também faziam pressão para fazer valer o seu direito ao título obtido. A FUNDESTE teve habilidade suficiente para lidar com esta restrição de recursos, para o que usou inclusive de influência política, e obteve o reconhecimento dos cursos.

Figura 09: Análise dos stakeholders na FUNDESTE de 1976 a 1978

A estrutura permanece simples (MINTZBERG, 1979, 1995) ou do tipo linear neste período, com uma direção com poderes para conduzir a organização e um pequeno grupo de professores e técnicos que se submetiam à hierarquia. Vale lembrar que os dirigentes trabalhavam apenas à noite e desenvolviam outras atividades durante o dia. Como se tratava de um pequeno grupo de professores e técnicos que dispunham de conhecimento especializado, havia um certo grau de participação e empenho, pois todos uniram esforços para superar a crise financeira e para obter o reconhecimento dos cursos, que eram vitais para a sobrevivência da FUNDESTE. Isso explica porque não houve maiores incidentes no decorrer deste período. A estrutura colegiada era utilizada para dar sustentação à coalizão externa, pois muitos dos seus membros integravam os Conselhos Deliberativo e/ou Fiscal.

Quadro 33: Fatores e variáveis que afetam e são afetadas pela estrutura

TAMANHO Pequeno COMPLEXIDADE Baixa diferenciação, tanto vertical quanto horizontal. TECNOLOGIA Simples e rotineira

(quadro e giz)

FORMALIZAÇÃO Baixa AMBIENTE Estável CENTRALIZAÇÃO Elevada ESCOLHA

ESTRATÉGICA

Baixa INTEGRAÇÃO Baixa, decorrente da baixa diferenciação FUNDESTE Direção e Núcleo Operacional MEC/ CFE Prefeito Wagner Forças Empresariais SAIC Plínio de Nês Alunos Secretaria do Oeste Opinião Pública Sociedade de Chapecó Governo Federal

As estratégias eram impostas pela coalizão externa dominante. Para Hardy et al (1983) as estratégias impostas são aquelas ditadas pelo ambiente, que no caso é representado por empresários, principalmente da agroindústria, e políticos, que se constituíam nos principais stakeholders da FUNDESTE. Internamente, o professor Umberto de Toni teve que adotar estratégias empreendedoras quando tomou para si a responsabilidade de reverter severa crise financeira. Ele era Economista e tinha uma ampla experiência administrativa, pelas funções que desempenhou e desempenhava na SAIC (hoje Frigorífico Chapecó), paralelamente à FUNDESTE, onde trabalhava somente no turno da noite. No campo acadêmico, o professor Oracílio adotou estratégias adaptativas para promover mudanças regimentais e adaptar o projeto dos cursos para que os mesmos obtivessem o tão almejado reconhecimento.

Quadro 34: Configurações existentes na FUNDESTE entre 1970 a 1975

Estrutura Simples Pequena estrutura formada pela cúpula e por um reduzido núcleo operacional. Baseada na unidade de comando e baixa formalização.

Poder Instrumento Coalizão externa colocou nos cargos diretivos duas pessoas de confiança para fazer valer os seus interesses, influenciando diretamente a coalizão interna.

Imposta Pela coalizão externa dominante.

Empreendedora Adotada pelo Diretor Geral para superar a severa crise financeira, aliada à necessidade de adequar as novas instalações à oferta do ensino superior.

Adaptativa Para lidar com as contingências ligadas a premente necessidade de obter o credenciamento para os cursos.

Estratégias

Manobra Para driblar limitações e superar adversidades.