• Nenhum resultado encontrado

ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO

4.2 SEGUNDO ESTUDO DE CASO: LUCENT TECHNOLOGIES DO BRASIL.

INTRODUÇÃO

2

A Lucent Technologies era uma empresa Americana originada de um Spin-off da AT&T em 30 de setembro de 1996, mas sua história remonta a 1869 quando Elisha Gray e Enos N. Barton formaram uma pequena empresa de manufatura sediada em Cleveland. Três anos mais tarde a empresa foi renomeada para Western Electric Manufacturing Company. Já em 1880, a Western Electric era a maior indústria de manufatura de materiais elétricos dos Estados Unidos, com destaque para a sua variada produção de equipamentos elétricos, incluindo a primeira máquina de escrever comercial do mundo, telégrafo e a caneta elétrica de Thomas A. Edison. Em 1881, a American Bell, fundada por Alexander Graham Bell, comprou uma participação de controle na Western Electric, e fez dela uma empresa exclusiva para desenvolver e fabricar equipamentos para as empresas de telefonia Bell.

Em 1925, o Bell Telephone Laboratorie foi criado a partir da consolidação dos laboratórios de pesquisa da Western Electric, formado em 1907, e parte do Departamento de Engenharia da AT&T. O Bell Labs iria continuar a gerar algumas das mais importantes descobertas científicas e tecnológicas do século 20, incluindo o transistor, o laser, a bateria de célula solar, o processador de sinal digital (chip) e conceito de serviço de telefonia móvel celular. Os pesquisadores do Bell Labs também iriam colecionar 11 prêmios Nobel.

Em primeiro de janeiro de 1984, a AT&T optou por separar as operações das empresas Bell de telefonia local. Desta separação uma nova empresa foi criada, chamada de AT&T Technologies. Em 1989, a AT&T Tecnologias incorporou várias unidades empresariais que mais tarde seriam combinadas com o Bell Labs para tornar-se a Lucent Technologies, iniciada em abril de 1996 com uma oferta pública de ações, concluída em setembro do mesmo ano.

No Brasil, a Lucent Technologies viria a se consolidar como a maior fornecedora de equipamentos de tecnologia CDMA para telefonia celular, sendo a Operadora Vivo sua cliente de maior destaque.

O sucesso com a pesquisa básica desenvolvida no Bell Labs e o reconhecimento pelos prêmios Nobel, evidenciam que a empresa possuía uma vasta competência para inovar em produtos, porém desde sua criação em 1996 a Lucent já possuía a meta de tornar-se a maior prestadora de serviços para o setor de telecomunicações do mundo. Estava lançado o desafio de migrar sua competência criativa para inovar em serviços.

Este estudo de caso limita-se a estudar o período que antecede a fusão com a Alcatel, que no Brasil teve início oficial em Dezembro de 2006. O período pós fusão foi propositadamente desconsiderado devido ao elevado grau de turbulência que um processo desta dimensão provocou na organização. Esta atitude se justifica porque qualquer análise obtida durante este período seria altamente influenciada por fatores externos, que não estão presentes em uma condição normal de operação da empresa.

ANÁLISE DOS FATORES DE INOVAÇÃO

• Adoção de Marcas, Patentes e outros métodos de proteção da propriedade intelectual.

A Lucent Technologies, através do Bell Labs, possui uma das maiores coleções de patentes de produtos de alta tecnologia de todo o mundo, porém seu portfólio de Serviços Inovadores é praticamente desprovido de proteção. No Brasil não há registro de patentes para serviços e em alguns poucos casos há registro de marcas que oferecem alguma forma de proteção indireta para os serviços. Para a organização, há uma interpretação generalista que os serviços são dependentes dos produtos que por sua vez são patenteados.

A verdadeira barreira que protegia os serviços de alto valor agregado oferecido pela Lucent estava centrada na reconhecida capacidade e

competência de seus funcionários e colaboradores. Havia uma busca pelo domínio do conhecimento e investimentos constantes e significativos em treinamento profissional. Os serviços prestados pela Lucent eram constantemente avaliados pelos clientes através de pesquisas de mercado e geralmente recebiam excelentes avaliações. Os clientes classificavam os serviços da Lucent, sobretudo como confiáveis e eficientes, porém avaliavam os mesmos como muito caros se comparados a outros prestadores de serviços. No Brasil, a Lucent também possuía uma alta capacidade de retenção de seus talentos, mantendo um turn over muito baixo.

• Adoção de Estratégias para a Inovação

A Lucent sempre direcionou e sempre fez questão de divulgar que destinava uma fatia significativa de seu faturamento para P&D e mais especificamente para inovação em produtos e pesquisa básica aplicada. A Lucent era um grande exemplo de aplicação do modelo linear de inovação, ou

Science Push, descrito por Barbieri (2003). Porém não existia uma estratégia

clara para os investimentos destinados a potencializar a inovação em serviços. No Brasil, os restritos investimentos para inovação em serviços eram baseados em decisões localizadas, que geralmente obtinham sucesso e eram rapidamente replicados em outros clientes ou mercados da America Latina.

Havia uma meta organizacional de atingir 50% do faturamento global em serviços, porém não havia uma estratégia formal para direcionar uma porção correspondente da verba de P&D para inovar em serviços. Havia ainda uma separação interna entre departamentos responsáveis pela comercialização e desenvolvimento de produtos ou serviços. Esta segregação, gerava disputas internas e conflitos de interesse que prejudicavam a implementação da estratégia de aumentar a proporção de serviços no pacote de valor da empresa. Este desalinhamento estratégico pode ser visto como um dos fatores que limitaram a Lucent do Brasil de se tornar um grande player de sucesso na prestação de serviços de alto valor agregado para o setor de telecomunicações e informática.

• Adoção de Parcerias e Cooperação para Inovação

Externamente a Lucent possuía muitas parcerias para desenvolvimento de P&D, em especial para a inovação em produtos. Sempre fez parte e em alguns casos liderou os grupos de trabalhos para o estabelecimento e desenvolvimento de padrões tecnológicos, em conjunto com demais fornecedores de equipamentos para telecomunicações. Porém no Brasil não existia nenhuma estratégia formal de aproximação de parceiros com o objetivo de desenvolver produtos ou serviços inovadores. Esporadicamente, a equipe local de desenvolvimento de serviços se associava com empresas fornecedoras para criar um pacote de serviços mais atraente ao cliente. Sempre em situações temporárias, sem nenhum objetivo planejado de longo prazo.

• Evolução do Percentual de Serviços no Pacote de Valor

Na primeira metade desta década, a Lucent do Brasil possuía uma participação de serviços entre 20% e 40% do faturamento total, mas possuía também uma meta de ampliar esta contribuição dos serviços para atingir patamares de 50%. Esta pequena contribuição dos serviços mostra que a empresa ainda era fortemente dependente da comercialização de produtos. Como o parque nacional de telecomunicações já apresentava sinais de saturação e até mesmo consolidação, a empresa percebia que o caminho para manutenção dos níveis de faturamento era ampliar a participação dos serviços no pacote de valor oferecido aos clientes. Conforme mencionado anteriormente, pouco foi investido para a inovação e desenvolvimento de novos serviços, mas mesmo assim, alguns casos de sucesso na criação de novos serviços puderam ser observados, graças ao desempenho excepcional de alguns grupos e indivíduos. Nestes casos a criatividade e a capacidade de inovação teimavam em brotar mesmo em ambientes desfavoráveis.

A estratégia para ampliar o percentual de serviços no pacote de valor ofertado aos clientes não era clara ou não era efetivamente comunicada a todos os níveis da organização. Por outro lado, por possuir uma unidade de

negócio voltada para a exploração de serviços, alguns poucos sucessos obtidos com o desenvolvimento de novos serviços eram divulgados para outros mercados, na tentativa de replicá-los para um maior número de clientes, o que de acordo com Shumpeter (1934) era sem dúvida caracterizado como um esforço de inovação.

• Relação entre departamentos e unidades de negócio de produtos e serviços

A Lucent possuía unidades de negócios distintas para produtos e serviços. Eram chamadas de “casa de produtos” e “casa de serviços”. Apesar da meta de incrementar o percentual de serviços no faturamento, não havia incentivos para o time comercial preferir a venda de serviços sobre produtos. Muito pelo contrário havia alguns desincentivos, pois as ofertas de serviços eram de valores pequenos, pulverizadas e em alguns casos complexas. Seria necessário somar varias vendas de serviços para fazer frente a algumas vendas de produtos que individualmente representavam valores muito elevados, e conseqüentemente ótimas remunerações pelas vendas. Logo era evidente que o time comercial preferia focar na venda de produtos. Sem corrigir este problema, no Brasil a empresa preferiu criar uma equipe de vendas especializada em serviços e com isto obteve-se os primeiros sucessos na venda de serviços independente dos produtos. Foi possível ampliar a participação no faturamento em um momento que a casa de produto começava a ter dificuldades devido aos sinais de saturação do mercado brasileiro de telecomunicações e também devido a uma forte concorrência de outras tecnologias mais baratas e mais populares.

Este estudo de caso permite avaliar que a independência entre unidades de negócio pode ser vantajosa em algumas situações, pois permite uma maior especialização em serviços e diminui uma danosa concorrência por recursos físicos e humanos. É um caminho para promover o desenvolvimento de conhecimentos específicos e facilitar o processo de ampliação da capacidade de inovação em serviços conforme defendida pelos autores Neely e Hii (1999) e Molina (2004). Por outro lado, observou-se que a

separação dos times comerciais oferece mais desvantagens do que benefícios, principalmente pelo fato da empresa adotar incentivos de vendas não alinhados com a estratégia da organização (Milgrom, 1992). Os clientes desejam soluções para seus problemas, independente se estas serão supridas por produtos ou serviços. Em alguns casos, a disputa interna pelo

budget do cliente levava a oferta de um pacote de produtos e serviços que

não era otimizado se avaliado do ponto de vista do cliente. Um time comercial único, incentivado por benefícios balanceados parecia mais indicado para focar nas necessidades dos clientes. Esta questão será abordada com mais critério na Análise da Organização a seguir.

• Foco em recursos internos ou foco nos clientes

Aproveitar os recursos existentes ou explorar novas oportunidades junto aos clientes? Esta questão abordada por March (1991) era um dilema que a Lucent do Brasil também enfrentava. As informações levantadas sobre este estudo de caso mostram que novamente não havia um direcionamento estratégico definido para o driver interno ou externo. A Lucent utilizava uma combinação dos dois modelos. De forma geral, o desenvolvimento e oferta de novos serviços partiam de uma visão das necessidades (externas) específicas dos clientes. Porém buscava-se sempre uma correlação com os recursos já existentes na empresa como conhecimentos internos, tecnologias, equipamentos e recursos humanos. Ao mesmo tempo, ocorria o sentido reverso, onde se identificava recursos disponíveis e ociosos na empresa e direcionava-se a força de vendas para oferecer soluções aos clientes que de modo a melhorar a utilização dos recursos.

Um fato interessante, é que era possível observar uma certa alternância cíclica entre as forças de pré-vendas e pós vendas. Em momentos de redução do numero de projetos, os recursos da empresa eram direcionados para a equipe de pré-vendas. Porém, quando o maior esforço de vendas se traduzia em um maior numero de projetos, parte da força de vendas retornava para as equipes de pós venda para auxiliar na execução e

explorava os recursos internos com momentos onde o foco era direcionado para as necessidades dos clientes.

• Estrutura Organizacional favorável à inovação

Em termos de hierarquia e estrutura organizacional, a Lucent oferecia algumas barreiras à inovação. Externamente a empresa era gerida por uma estrutura verticalizada com certo excesso de níveis hierárquicos. No Brasil o organograma era um pouco mais leve, porém ainda apresentava níveis de decisão em excesso, distribuídos em vários escritórios regionais, que levavam inevitavelmente a uma dose de burocracia e lentidão para a tomada de decisões. A comunicação vertical e horizontal também era afetada pela complexidade da estrutura da empresa e desta forma acreditava-se que o ambiente organizacional era de certa forma desfavorável à inovação e ao florescimento de idéias. Havia liberdade para expressão e em alguns casos promovia-se o diálogo em 360 graus, porém estas ações não eram suficientes para permitir o surgimento natural do espírito inovador dos colaboradores.

Uma estrutura organizacional mais pesada acabava por inserir um custo maior para o desenvolvimento e oferta dos novos serviços e conseqüentemente atuava como uma barreira para transformar as boas idéias em inovações de sucesso. A estrutura de custos era nitidamente voltada para produtos e muitas vezes incompatível com a realidade do mercado brasileiro de serviços.

Apesar do ambiente desfavorável, foi detectado que a maioria dos funcionários possuía a motivação necessária para gerar as inovações que a empresa demandava, o que de certa forma pode justificar alguns casos isolados de sucesso no desenvolvimento de novos serviços originais, e exclusivos do mercado brasileiro. Também foi possível detectar algumas ilhas de excelência e gestão que eram muito favoráveis para se desenvolver um ambiente inovador, porém estas ilhas representavam apenas uma pequena parte de uma complexa organização.

• Cultura Organizacional favorável à inovação

A cultura da organização da Lucent do Brasil era muito influenciada pela cultura americana de gestão organizacional. Fatos como a liberdade de expressão, respeito às minorias, flexibilidade nos horários de trabalho, ambientes ergonomicamente corretos, respeito aos clientes e colegas de trabalho, ética sobre todos os negócios e procedimentos, descontração e compromisso social, eram vistos como favoráveis ao surgimento de um ambiente inovador.

Na cultura da Lucent o conhecimento era visto como o motor da organização. A Lucent promovia o desenvolvimento dos seus profissionais, tanto com uma carga intensiva de treinamentos internos, como também com apoio e incentivo para estudos externos, fora do horário de trabalho, como por exemplo patrocínio a cursos de línguas, pós graduação e especializações. Este programa era visto como um dos fatores que mais favoreciam o clima de alta motivação dos funcionários, que novamente foi identificado como favorável ao surgimento do ambiente inovador.

Foi identificado ainda que existia tolerância para os erros não repetitivos e geralmente as deficiências eram corrigidas com uma carga adicional de treinamento. Em alguns departamentos, havia ainda a política de multiplicação do conhecimento, onde alguns profissionais eram preparados para ensinar e capacitar outros colegas do mesmo grupo e até mesmo de outros departamentos. Por outro lado, não havia um processo formal ou natural de promoção, avaliação e filtro de novas idéias. Não fazia parte da cultura da empresa incentivar diretamente o fluxo de novas idéias, nem tão pouco existia uma pessoa específica ou departamento para receber, cadastrar e oferecer feedback sobre as idéias oferecidas. Esta forma de operar, em partes estava de acordo com Drucker (1985) que defendia que a inovação é como uma disciplina que pode ser ensinada e praticada, reduzindo o foco na necessidade de ser incentivada ou monitorada.

ANÁLISE DA ORGANIZAÇÃO

A busca pela ampliação do conhecimento é sem dúvida o vetor mais favorável à inovação identificado na Lucent do Brasil. Este estudo de caso aponta para uma paridade entre os conhecimentos necessários para inovação em serviços e produtos. O domínio da tecnologia e conseqüentemente das funcionalidades dos produtos eram fundamentais para agregar o máximo de valor aos serviços prestados pela empresa a seus clientes. Os problemas dos clientes eram equacionados e as

features dos produtos mais apropriadas para compor a solução eram especificadas,

testadas e implementadas. Neste caso, o conhecimento das necessidades do cliente era complementar e também visto como fundamental. Consultores técnicos da Lucent, trabalhando internamente nos clientes, somavam se aos membros do time comercial para gerar e multiplicar este conhecimento sobre as necessidades dos clientes.

Este alinhamento entre domínio das funcionalidades dos produtos e acúmulo de conhecimento sobre o cliente era a ponte para se proceder a perfeita formulação do problema (Bernstein, 2003), inovando sem desperdiçar recursos em ciclos cada vez mais curtos. Este fator poderia ainda justificar o elevado grau de motivação para inovação e retenção profissional identificado entre os colaboradores da Lucent.

Outro ponto forte que chamava a atenção na organização Lucent era a quantidade e a facilidade que a empresa possuía para registrar marcas e patentes. Para complementar, a empresa adotava políticas e normas rígidas para proteção de informação industrial. No ambiente de alta competição por inovações tecnológicas que a Lucent atuava o cuidado com este vetor era primordial e certamente não era desprezado pela empresa.

Porém, foi possível observar que o vetor que menos contribuía para a capacidade de inovação da Lucent do Brasil era sua estrutura organizacional. O grande número de níveis hierárquicos, reportando de forma direta aos líderes no Brasil e de forma indireta para líderes na matriz, aparentemente comuns em organizações multinacionais com atuação globalizada, oferecia barreiras para a comunicação e lentidão nas tomadas de decisão. A dificuldade para comunicação e

execução da estratégia organizacional era o próximo vetor a ser afetado, seguido pela dificuldade que a empresa enfrentava de formar parcerias locais sólidas para inovação, onde os poucos sucessos eram muitas vezes questionadas e substituídos por decisões globais.

Especificamente, a inovação em serviços também encontrava barreiras na estrutura organizacional, composta por unidades de negócios distintas entre produtos e serviços, com departamentos comerciais também distintos. Sem uma política de incentivos comerciais adequada (Milgrom, 1992), e com a força histórica da casa de produtos, os serviços eram tratados como e fossem itens secundários do portifólio e a prioridade sempre era a venda de “caixas” (produtos). Este era um contra-senso diante da estratégia da empresa de incrementar a participação dos serviços no pacote de valor ofertado aos clientes. Se por um lado a criação de um departamento comercial paralelo, dedicado exclusivamente à oferta de serviços, permitiu os primeiros sucessos na venda de serviços desvinculados de produtos, por outro contribuiu para pesar ainda mais a estrutura organizacional, além de ter contribuído para criar conflitos e disputas internas pelo budget limitado dos clientes. Tradicionalmente, o braço mais forte da casa de produtos dava o tom das negociações. O resultado deste conflito era refletido em barreiras para inovação em serviços com conseqüências na qualidade das ofertas, nem sempre otimizadas, de soluções para os clientes.

Documentos relacionados