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Segurança jurídica e as presunções, ficções e indícios

4 SEGURANÇA JURÍDICA E LEGALIDADE TRIBUTÁRIA

4.2 Segurança jurídica e as presunções, ficções e indícios

O instituto da presunção emerge do pensamento do ser humano. Para tanto, parte-se de determinado evento do cotidiano, chegando-se a outro, de existência meramente provável. A relação entre ambos os fatos há de ter correlação lógica, sendo inadmissível que se extrapolem os limites da razoabilidade com relação ao fato ainda não noticiado.

O art. 5°, II, da Constituição deixa claro que ninguém pode ser compelido a fazer ou deixar de fazer algo, se não em virtude de lei, em uma alusão explícita e expressa ao princípio da legalidade.

Na seara do direito tributário, o princípio da legalidade mantém uma relação peculiar, pois necessita ser emanado por ato legislativo de ente competente, tanto para majoração, quanto para instituição de tributo, além da observância do princípio da tipicidade, isto é, a lei que institui o tributo deve conter todos os elementos do tipo tributário.

Posto isso, qualquer tributo só poderá ser validamente exigido na hipótese de o fato se ajustar exatamente nos moldes da hipótese de incidência tributária.

Nesse sentido, são as lições de Albert Hensel49, para quem “[…] só deves pagar tributo se realizas o fato imponível”.

Portanto, nem a lei, muito menos a Fazenda Pública têm o poder de considerar ocorrido o fato imponível com base em mera ficção, presunção ou indício. Ou seja, para que o fato imponível ocorra, mister se faz a efetiva verificação do evento no mundo real, dos fatos descritos de forma abstrata na hipótese de incidência jurídica tributária. Necessário se faz, portanto, que haja a subsunção do fato praticado à norma hipotético-condicional, prevista no ordenamento jurídico.

Há que se considerar, nesse diapasão, que, a partir do instante em que a Constituição vedou às pessoas políticas “[…] exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça”, estipulou, simultaneamente, o veto à utilização instrumentos

ardilosos para fazer se subsumir qualquer situação fática ao preceito normativo tributário. Isto é, a Constituição da República proíbe que o ente fiscal faça uso de artifícios exegéticos para autuar qualquer contribuinte, v.g., presunções, ficções, indícios etc.

Sabe-se, também, que os tipos tributários não podem ser interpretados de forma ampliativa, tendo em vista que delimitam o universo da realidade tributária. Isto é, não se pode admitir que o Fisco extrapole os limites que o legislador estabeleceu. A ânsia do Ente Tributário em erradicar as possíveis manobras tributárias evasivas não pode servir de desculpa para que se extrapolem as fronteiras do ordenamento jurídico-tributário de nossa pátria.

Sobre o assunto, Roque Antonio Carrazza50 aduz que a não observância estrita dos limites fronteiriços dessa legislação constitucional tributária implicaria ofensa ao princípio da tipicidade fechada e, consequentemente, ao princípio-mor prescrito em nossa Carta Magna, o princípio da segurança jurídica. Vejamos:

Os tipos tributários como que fecham a realidade tributária, não podendo ser alargados por meio de presunções, ficções ou meros indícios. É inadmissível que o agente fiscal abra aquilo que o legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente fechou. O afã de evitar que os mais espertos se furtem ao pagamento dos tributos absolutamente não autoriza a utilização do arbítrio. Em suma, a busca da justiça não prevalece sobra a segurança jurídica, que o princípio da tipicidade fechada confere aos contribuintes.

Ademais, enquanto lança ou lavra o auto de infração, o Fisco tem o dever da imparcialidade, limitando-se a sopesar o ato ou fato que vai oficialmente declarar subsumido, respectivamente, à hipótese de incidência do tributo ou o ato penal tributário.

Logo, o lançamento e o auto de infração também estão sob a égide da segurança jurídica, com os seus consectários (estrita legalidade, tipicidade fechada, ampla defesa etc.). Enquanto edita estes atos administrativos, o Fisco não pode, sob pena de nulidade, adotar critérios próprios (subjetivos), no lugar dos legais.

Para a exigência tributária operar-se dentre dos limites da legalidade e da tipicidade, a determinação do fato jurídico tributário deve decorrer de um juízo de

50 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 26. ed. São

certeza, não bastando a mera probabilidade. Descabido, portanto, o emprego de recursos imaginativos, presuntivos e, muito menos, ficcionais.

O Ministro Moreira Alves51, do Supremo Tribunal Federal, em sua conferência para o IX Simpósio Nacional de Direito Tributário, realizado em São Paulo, em outubro de 1995, sob a coordenação de Ives Gandra da Silva Martins, asseverou:

Indício em si mesmo não é prova. É um fato cuja certeza depende de uma prova (documento, testemunha etc.) para provar que um fato é verdadeiro. Vezes há em que apenas um indício, desde que veemente, pode levar à conclusão da ocorrência de um fato. Indício veemente é igual à presunção legal relativa (o Estado dele se serve, o contribuinte pode provar o contrário; e o juiz dirá se caracteriza ou não fato gerador). No Direito Civil, temos as presunções relativas e absolutas, enquanto no Direito Tributário a presunção de fato se assemelha à presunção relativa.

Acerca do assunto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais vem reconhecendo a imprestabilidade de lançamentos que não trazem elementos de segurança necessários para demonstrar e dar embasamento ao fato presumido pelo fisco, manifestando-se no sentido de que

[…] nas presunções simples é necessário que o fisco esgote o campo probatório. A atividade do lançamento tributário é plenamente vinculada e não comporta incertezas. Havendo dúvida sobre a exatidão dos elementos em que se baseou o lançamento, a exigência não pode prosperar por força do disposto no art. 122 do CTN. 52

Elucidativo, também, o voto do Relator Conselheiro Luiz Martins Valero, o qual, por ocasião daquele julgamento, registrou:

[…] o Fisco não pode autuar unicamente com base em indício, por não ter este a força probatória de uma genuína presunção. Vale dizer, diferentemente das presunções legais, a autuação lastreada, apenas no primeiro, e muitas vezes único, elemento colhido pelo Fisco não encontra guarida no bom Direito. A presunção simples, na qualidade de prova indireta, somente é meio idôneo para

51 ALVES, Moreira. Caderno de Pesquisas Tributárias. São Paulo: Centro de Extensão

Universitária; Resenha Tributária, 1996, p. 351-352.

referendar uma autuação quando resultar da soma de indícios convergentes. Se todos os fatos levarem ao mesmo ponto, a prova da omissão de receitas restará assegurada.

E foi nessa mesma linha de raciocínio que a Terceira Câmara do então Primeiro Conselho de Contribuintes (atualmente reformulado em Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) decidiu, no Acórdão nº 103-20.485, de 29.01.2001, afastando tributação de fato cuja demonstração não tenha se dado de forma exaustiva:

O princípio da tipicidade revela que o instituto da competência impositiva fiscal deve ser exaustiva. Todos os critérios necessários à descrição tanto do fato tributável como da relação jurídico- tributária reclamam uma manifesta e própria dúvida. A certeza e segurança jurídicas envoltas no princípio da reserva legal (CTN, arts. 3º e 142) não comportam infidelidades nos lançamentos fiscais.

Portanto, resta indubitável que não basta ao fisco o mero ato acusatório, mas este deve vir fundamentado no princípio da legalidade e da segurança jurídica.

Desse modo, mister concluirmos que as providencias fiscais que tenham por base meras presunções e indícios não podem vir a ser incontestáveis e/ou suficientes para fazer incidir tributos, desregradamente.

O Superior Tribunal de Justiça vem adotando entendimento semelhante, conforme se depreende da ementa abaixo, em que decidiu que o Fisco Federal não pode presumir como lucro líquido a totalidade das receitas. Vejamos:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA PESSOA JURÍDICA. OMISSÃO DE RECEITA. BASE DE CÁLCULO. INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 8º, § 6º DO DECRETO-LEI Nº 1.648/78 E 400, § 6º do RIR/80. PRECEDENTES.

1. Existindo omissão de receita, conforme artigo 8º, § 6º, do Decreto-Lei nº 1.648/78, o lucro líquido a ser arbitrado, para efeito de cálculo do imposto de renda devido, corresponderá a 50% (cinqüenta por cento) dos valores omitidos.

2. Os conceitos de receita e renda são diversos. O imposto de renda não deve incidir sobre a integralidade da receita auferida, mas apenas à renda efetiva obtida a partir dela.

3. Atrita com o sistema de uniforme justiça fiscal a pretensão do Fisco federal de arbitrar como lucro líquido o total das receitas omitidas quando o contribuinte tem escrita organizada e só com

50% do mesmo valor na hipótese de inexistirem registros contábeis ou esses serem desclassificados por se apresentarem inidôneos. Em ambas as hipóteses, é razoável que o lucro corresponda a 50% da receita omitida.

4. Precedentes desta Corte Superior. 5. Recurso Especial conhecido e provido. 53

Como já dissemos, um tributo só pode ser validamente exigido quando um fato ajusta-se rigorosamente à hipótese de incidência tributária.

Essa conclusão decorre do fato de a Constituição prescrever que é vedado às pessoas políticas exigir ou majorar tributos sem lei que o estabeleça, também está proibindo a utilização de artifícios para sua exigência, como ocorre nas presunções, ficções, indícios etc.

O sistema tributário pátrio admite as presunções, ficções e indícios. Porém, ele o faz com limitações54. O legislador não pode simplesmente ignorar os princípios constitucionais tributários, principalmente o da tipicidade fechada.

O lançamento tributário e o auto de infração também devem respeitar o princípio da segurança jurídica e os demais princípios que a ele se convergem, como o da estrita legalidade, da tipicidade fechada, da ampla defesa, dentre outros.