• Nenhum resultado encontrado

Vedação ao emprego de analogia para exigência de tributo

9 NORMA GERAL ANTIELISIVA E O SISTEMA

9.2 Limites à existência de norma antielisiva no sistema tributário

9.2.3 Vedação ao emprego de analogia para exigência de tributo

Ao discorrerem sobre os chamados “ilícitos atípicos”, Manuel Atienza e Juan Ruiz Manero151 esclarecem que a mudança do status deôntico, de permitido para proibido, decorre de um processo argumentativo em que se podem distinguir mecanismos para ampliar o campo do ilícito. E um deles é a analogia, a qual pode qualificar-se como analogia iuris ou analogia legis:

Em ambas as hipóteses se parte da existência de uma lacuna normativa no nível das regras (a ação está, prima facie, permitida no sentido de que não se subsome a nenhuma regra proibitiva); a

151 ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Ilícitos atípicos. Madrid: Editorial Trotta, 2000,

mudança do status deôntico se produz, nos casos da analogia legis, pela semelhança que o caso não regulado apresenta com outro ou outros casos nos quais se opera uma regra proibitiva; e a justificação é que a razão (a ponderação entre princípios) que justificam a proibição nestes últimos casos se dão também em relação ao caso que aparecia como não regulado: ou seja, referida ponderação entre princípios exige a geração de uma nova regra proibitiva na qual se pode subsumir o caso em questão. Nas hipóteses de analogia iuris a geração da nova regra proibitiva vem exigida diretamente pela ponderação entre os princípios do sistema aplicáveis ao caso, ainda quando não haja uma regra proibitiva aplicável a casos semelhantes.

Ocorre que, no ordenamento brasileiro, é vedado o emprego da analogia para fins de exigência de tributo. Além de ser uma decorrência imediata da repartição das competências tributárias e do princípio da legalidade, tal proibição está veiculada expressamente pelo art. 108, § 1º, do Código Tributário Nacional:

Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada:

I - a analogia;

II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade.

§ 1º. O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.

§ 2º. O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido. (grifo nosso).

Da simples leitura desse fragmento da Lei nº 5.172/66 (CTN), verifica-se a autorização para a autoridade competente fazer uso da: (i) analogia; (ii) princípios gerais de direito tributário; (iii) princípios gerais de direito público; e (iv) equidade, nas hipóteses de ausência de disposição expressa.

Todavia, no parágrafo primeiro do referido artigo encontramos uma ressalva ao referido regramento, vedando o uso da analogia para exigência de tributo não previsto em lei.

O uso da analogia pelo aplicador pressupõe a existência de semelhanças e diferenças entre a hipótese prevista pelo ordenamento jurídico e a não prevista. Nos casos em que as semelhanças fossem de maior relevância que as diferenças, admitir-

se-ia o emprego da analogia. Noutro norte, nas hipóteses em que as diferenças fossem mais relevantes do que as semelhanças, o aplicador poderia se utilizar do instituto a contrario sensu. Assim, se uma norma regulou determinada conduta, a

contrario sensu, as demais normas não reguladas por aquele ordenamento estariam

fora da área de incidência da referida norma.

Nesse sentido, Lourival Vilanova152 ressalta que independentemente de “[…] qual das vias (o jurista) seguir, exige uma tomada-de-posição axiológica: depende da valoração da similitude e da valoração da diversidade.”

No entanto, essa valoração a respeito das similitudes e diferenças entre os casos regulados e não disciplinados pelo sistema do direito positivo, com conclusões favoráveis ou negativas a respeito da aplicação de analogia, não se aplica quando se estiver diante da aplicação da regra-matriz de incidência tributária. Tal fator decorre, como já dissemos, da rígida repartição constitucional das competências, bem como dos princípios da legalidade e da tipicidade tributária. Ainda, para que não restassem dúvidas sobre o tema, o Código Tributário Nacional veiculou proibição expressa quanto ao emprego de analogia para fins de cobrança de tributo.

Adotando semelhante linha de entendimento, Heleno Torres153 refuta a aplicação da analogia à exigência de tributos:

Definitivamente, não me parece cabível falar na existência de ‘lacunas’ no âmbito de incidência dos tipos tributários impositivos. Ou as normas tributárias alcançam o fato, por seu conceito encontrar-se no campo semântico do conceito de norma (subsunção) – plano de incidência –, ou não o alcançam, quando suas propriedades não permitam adequação ao campo de abrangência semântica da norma tributária, ficando no domínio da não-incidência. A opção pela seleção dos fatos que podem ser tributados é decisão exclusivamente legislativa, da mesma sorte que é decisão tipicamente legislativa deixar de fora os fatos aos quais não pretenda atribuir a incidência de normas tributárias, numa espécie de declaração do não-tributável, por omissão na tipificação, o que alguns denominam de ‘vazios legais desejados’.

152 VILANOVA, Lourival. As Estruturas lógicas e o Sistema de direito positivo. 4. ed. São

Paulo: Noeses, 2006, p. 256.

153 TÔRRES, Heleno Taveira. Direito Tributário e Direito Privado: autonomia privada,

Para Cesar Augusto Guimarães Pereira154, a vedação ao uso da analogia não está restrita ao aplicador do direito, sendo dirigida até mesmo ao legislador: “Não é cabível a edição de norma jurídica que determine ou faculte ao órgão de aplicação do direito o emprego de analogia, seja diretamente, seja através de técnicas antielisivas como baseadas em abuso de direito ou abuso de poder”.

Consonante a isso, salienta Alfredo Augusto Becker155 que, apesar de a analogia ser admitida em outros ramos do direito, não poderá ser empregada na seara tributária, no que diz respeito à cobrança de tributos, visto ser esta sujeita à reserva legal:

A apontada ineficácia daquela regra jurídica de Direito Civil não decorre de sua natureza civil, pois, consoante o cânone hermenêutico da totalidade do sistema jurídico, aquela regra jurídica civil, a priori, poderia ter eficácia também com referência às regras jurídicas criadoras de tributo. A sua referida ineficácia decorre da existência de outra regra jurídica (portanto, justamente em virtude do indicado cânone hermenêutico), esta de natureza constitucional (existente em todas as modernas Constituições), que proíbe a cobrança de tributo sem prévia lei que o estabeleça. E esta regra constitucional ao referir-se à ‘lei’ refere-se a regras jurídicas criadas pelo órgão legislativo (Congresso Nacional, Assembléias, etc.) e não à regra jurídica criada pelo órgão judiciário em excepcional função legislativa (juiz, Tribunais).

Até mesmo Marco Aurélio Greco156 reconhece a inadmissibilidade da analogia para fins de cobrança de tributos e, por conseguinte, para fins de desconsideração de negócios jurídicos:

A grande maioria das divergências, em matéria de planejamento, quase a totalidade, não é divergência sobre a lei. A lei todo mundo sabe qual é, o fato também todo mundo sabe qual é, está lá a ata, está escrito o que foi feito. A grande divergência é sobre a qualificação jurídica que deve ser dada a aquele fato. O contribuinte diz que o que fez foi um aumento de capital seguido de

154 PEREIRA, César Augusto Guimarães. Elisão tributária e função administrativa. São Paulo:

Dialética, 2001, p. 154.

155 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 3. ed. São Paulo: Saraiva,

2009, p. 134.

156 GRECO, Marco Aurélio. O Planejamento Tributário e o Novo Código Civil. In: BORGES,

Eduardo de Carvalho (Coord.). Impacto Tributário do Novo Código Civil. São Paulo: Quartier Latin, 2004, p. 10.

cisão seletiva, foi uma venda de participação societária em que houve ganho de capital. Ora, onde está a diferença? Mudou a lei? Não. Mudou o fato? Não. A divergência está na maneira pela qual se enxerga aquele fato, a divergência está na qualificação jurídica que cada uma das partes está dando ao mesmo fato. E aí vem todo o problema da analogia e não tem analogia nenhuma. Quando se fala em planejamento, não é que esteja pegando a lei A, que se refere a ganho de capital na alienação da participação societária, estou aplicando a lei A ao fato B por analogia, que seria o fato do aumento de capital seguido de cisão seletiva. O que estou tentando dizer é: desde o início o que você sempre fez foi uma venda de participação societária. Portanto, o fato é o fato que está previsto na lei, não estou fazendo malabarismos extratípicos, nada disso. Então esse é um primeiro ponto que eu queria lembrar.

Por todo o exposto, concluímos que quando a ordem tributária não alcança determinado negócio jurídico, impedido estará o intérprete de fazer com que essa norma subsuma-se ao fato ocorrido no mundo fenomênico, via analogia. Em o fazendo, acarretará na ofensa da estrutura constitucional das competências.

Por mais esse motivo, não há como admitir-se, no sistema jurídico brasileiro, a adoção de norma geral antielisiva, que despreze os elementos estruturais do negócio praticado, vindo a apreciá-lo apenas em função de seus aspectos econômicos e, desse modo, pretendendo subsumi-lo à previsão normativa disciplinadora de outra espécie negocial. Somente quando houver evasão fiscal, em virtude de ato simulatório, que pretende ocultar o negócio jurídico efetivamente praticado, tem-se por admissível a desconsideração de atos do contribuinte.