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CAPÍTULO 1 – DELINEANDO O PROBLEMA DE PESQUISA

1.2 SEGURANÇA PÚBLICA

1.2.1 Segurança Pública no Brasil

O sentir-se seguro para ir e vir sofreu alterações em sua compreensão pelos cidadãos ao longo das décadas. Sentir-se seguro é uma mediação entre a avaliação dos riscos e a sensação de medo. O medo contemporâneo que exemplifica essa relação de risco e segurança é o terrorismo, sendo esse um novo desafio para as políticas de segurança pública.

Mesmo com o aumento da expectativa de vida, devido ao advento de tecnologias na área da saúde, o receio da morte ainda prevalece. Na realidade, “o mundo não é hoje mais perigoso, somos nós que o percebemos como tal” (LIMA, 2013, p. 596). Não é apenas a análise de dados criminalísticos, com a apuração da redução das taxas, que fará o cidadão sentir-se seguro, mas sim a sensação de segurança e a minimização de riscos. A manutenção e minimização da sensação de insegurança necessitam da ação de atores sociais e governamentais por meio de políticas públicas.

De acordo com SÁ e SILVA (2012, p. 413):

Política pública é expressão que, em princípio, pode qualificar qualquer conjunto de iniciativas sistemáticas conduzidas a partir de órgãos de governo, com vistas a alterar uma realidade considerada problemática ou imperfeita (GOODIN et al., 2006 apud SÁ e SILVA, 2012, p. 413).

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 144, afirma que a segurança pública é direito e responsabilidade de todos, fazendo-nos pensar que todo e qualquer cidadão tem sua parcela de responsabilidade. Diante disso, busca-se equilibrar a descentralização (para que os gestores locais tenham capacidade de agir de forma mais específica à demanda do município) e a centralização (para que a ação ocorra de forma hegemônica frente as desigualdades, por exemplo).

Até o início dos anos 2000, o panorama brasileiro na segurança pública era marcado por duas características que estabeleciam franca tensão com estas variáveis. A primeira era a divisão rígida de competências no plano federativo, a qual conferia aos Estados grande autonomia na concepção e na execução de suas próprias medidas e iniciativas no setor. A ação do governo federal resumia-se, basicamente, à mobilização da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF), não raro de maneira desarticulada da ação das forças estaduais. A segunda correspondia à centralidade da ação ostensiva de organizações policiais na agenda dos governos estaduais, traduzida por bordões como “Rota na rua” e endossada, ainda que por omissão, pelo governo federal (SÁ e SILVA, 2012, p. 414).

Para compreender melhor a Segurança Pública no âmbito policial, é necessário apresentar sua sistematização. A polícia é dividida entre administrativa (que corresponde à Polícia Militar) e judiciária (que corresponde à Polícia Civil). A ordem pública deve ser alcançada por meio de policiamento ostensivo preventivo e repressivo sob responsabilidade da Polícia Militar, que exerce contato direto com o cidadão e com a sociedade. Já a polícia judiciária, denominada Polícia Civil, tem a missão de apurar as infrações penais e auxiliar o Poder Judiciário realizando a repressão imediata. Portanto, ela visa atender à vontade coletiva e à supremacia do interesse público sobre o particular.

Durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1994-2002) foi criada a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), estabelecendo assim, a unidade de coordenação de proposições reformistas (até então dispersas na agenda federal), a construção, em 2000, do I Plano Nacional de Segurança Pública (O Brasil Diz Não à Violência) e a criação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

Durante o primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006), o Instituto Cidadania elaborou políticas que visavam o planejamento e gestão, traçando diagnósticos da violência e criminalidade. O Senasp, por sua vez, enunciou linhas mais estratégicas e estruturantes para sua atuação e mobilização dos recursos do FNSP, indo, portanto, além do foco dado às viaturas e armamento.

Dessa forma, ao invés de reagir a demandas por aparelhamento das organizações estaduais, o governo federal passava a induzir e articular políticas reformistas e mais complexas, que envolviam componentes como coleta sistemática de dados em matéria criminal, pactuação das diretrizes nacionais de formação de policiais e fomento

a projetos de prevenção à violência e à promoção dos direitos humanos (SÁ e SILVA, 2012, p. 415).

A Figura 13, retirada do relatório de Gestão da Secretaria Nacional de Segurança Pública de 2003, ilustra as Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública traçadas no primeiro governo do presidente Lula.

Figura 13 - Diretrizes da Política Nacional de Segurança Pública

Fonte: SENASP/MJ, 2003a.

Um dos pontos impactantes desse plano foi a criação dos Gabinetes de Gestão Integrada (GGIs) Estaduais e Municipais que são “foros deliberativos e executivos, compostos por representantes das agências de segurança pública e justiça criminal, que operam por consenso, sem hierarquia, respeitando a autonomia das instituições que o compõem” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2003). Os GGIs eram supervisionados por comitês gestores nos Estados e na União e formavam a base da estrutura de governança modelada como sistema de políticas públicas, que foi chamada de Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) (Figura 14).

O SUSP não implicaria a unificação das polícias, mas a geração de meios que lhes propiciassem trabalhar cooperativamente, segundo

matriz integrada de gestão, sempre com transparência, controle externo, avaliações e monitoramento corretivo. Nos termos desse modelo, o trabalho policial seria orientado prioritariamente para a prevenção e buscaria articular-se com políticas sociais de natureza especificamente preventiva (SOARES, 2007, p. 90).

Figura 14 – Criação do Sistema Único de Segurança Pública

Fonte: SENASP/MJ, 2003b.

Visando conciliar a ação conjunta do Estado e da sociedade, conforme a Constituição Federal de 1988, o Governo Federal lançou o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI), desenvolvido pelo Ministério da Justiça em 2007, durante o segundo governo Lula (2007-2010). A principal ideia desse programa é vincular políticas de segurança pública com ações sociais de prevenção, controle e repressão da violência. O programa age por meio de 94 ações envolvendo a União, estados e municípios mediante mobilizações policiais e comunitárias.

O principal foco do PRONASCI está nas comunidades em que são realizadas ações educativas, de conscientização e de fortalecimento dos laços de cidadania. Por outro lado, a sociedade deve estar preparada para cobrar seus direitos e participar de forma colaborativa por meio dos Conselhos Comunitários de Segurança. Esses conselhos são compostos por grupos de moradores que se reúnem com autoridades públicas para discutir, analisar, planejar, acompanhar e avaliar a solução de problemas de proteção social, contribuindo para a segurança de seus bairros e desenvolvendo campanhas educativas e sociais. Tais medidas visavam criar uma nova roupagem para a estrutura policial no Brasil, que sempre foi alvo de muitas críticas, incluindo até mesmo a sugestão de que a Polícia Militar deveria ser extinta.

Alguns autores argumentam que a criação de uma política de segurança pública que visasse um “ciclo completo de polícia” teria mais efeito sobre o controle da criminalidade, como já acontece em outros países. Tal ciclo é “compreendido como a atribuição de atividades de patrulhamento ostensivo e de investigação criminal a uma mesma organização policial” (SAPORI, 2016, p. 51).

Os Estados Unidos possuem ciclo completo em âmbito municipal, a Alemanha e a Inglaterra em âmbito regional e o Japão e a França em âmbito federal. Porém, mesmo com a implantação do ciclo completo, há também alterações no modelo organizacional. Por exemplo, nos Estados Unidos, o policiamento é municipalizado, enquanto na França existem duas polícias e no Japão apenas uma. Percebe-se que existem diferentes arranjos institucionais de acordo com as especificidades de cada país, não existindo, portanto, um modelo ideal mesmo com a implantação do ciclo completo. Entretanto, para a implantação do ciclo completo, seria necessário alterar o artigo 144 da Constituição Federal, pois ele delimita as ações de segurança pública que competem a cada órgão.

Segundo a Constituição Federal de 1988, a Segurança Pública é definida como:

(...) dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: polícia federal; polícia rodoviária federal; polícia ferroviária federal; polícias civis; polícias militares e corpos de bombeiros militares.

§ 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira,

incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares.

5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da

atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil (CF, 1988).

Para SAPORI (2016), a implantação do ciclo completo deveria ocorrer no âmbito estadual, evitando a municipalização ou a federalização. Assim, o número de polícias estaduais seria reduzido de 57 para 27. Cada polícia estadual seria responsável, dentro de seu limite territorial, por realizar as funções ostensivas, pela preservação da ordem pública e pelo judiciário. O autor acredita que é necessário estabelecer um debate público, incluindo a sociedade e os órgãos policiais, para planejar melhor uma nova configuração, já que serão necessárias outras alterações na gestão pública, fora da esfera da Segurança Pública.

Atualmente, há uma grande discussão sobre a segurança pública do país. Durante as campanhas eleitorais de 2018, diversas propostas foram apresentadas, e algumas atraíram votações expressivas. Além disso, durante a campanha houve grandes discussões entre a população, incluindo posições contrárias ou favoráveis ao armamento e novas propostas do ciclo de policiamento. Após as eleições, algumas mudanças já ocorreram. No dia 15 de janeiro de 2019, o Presidente Jair Bolsonaro assinou o Decreto nº 9.685 que regulamenta a posse de arma de fogo no Brasil. Podem requerer a posse:

(...) integrantes da administração penitenciária e do sistema socioeducativo, envolvidos em atividades de polícia administrativa, residentes de áreas rurais, residentes de áreas urbanas com elevado índice de homicídios, titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais e industriais, colecionadores, atiradores e caçadores registrados no comando do Exército. Militares, ativos e inativos, e integrantes de carreira da Agência Brasileira de Inteligência também podem ter direito à posse (Planalto, 2019).8

8 Site: Presidência da República/Planalto. Disponível:

http://www2.planalto.gov.br/acompanhe-o-planalto/noticias/2019/01/decreto-regulamenta- posse-de-armas-de-fogo-no-brasil-entenda-o-que-mudou

1.2.2 Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) de São Paulo,