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CAPÍTULO 1 – DELINEANDO O PROBLEMA DE PESQUISA

1.1 VIOLÊNCIA; CONCEITOS E DELINEAMENTO DO ESTUDO

1.1.3 Violência no Brasil, Regiões e Unidades Federativas

A violência no Brasil é um problema permanente no cotidiano da população, principalmente entre os grupos socialmente vulneráveis, como mulheres, crianças, jovens, idosos, grupos étnicos, trabalhadores rurais e homossexuais. Obviamente, a consequência mais visível dessa violência é o crescimento acentuado no número de homicídios.

O Ministério da Saúde utiliza o Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM/MS) para analisar a taxa de homicídios no país. Segundo o Atlas da Violência (2018), no ano de 2016 ocorreram 62.517 homicídios no Brasil, ou seja, o país ultrapassou 30 mortes por 100 mil habitantes (taxa igual a 30,3). Atualmente, esse indicador está na faixa de 60 a 65 mil casos por ano. Esse índice crescente revela a naturalização do fenômeno e a necessidade de políticas públicas em níveis federal, estadual e municipal.

Para efeito de comparação, o número de assassinatos ocorridos no Brasil em 2016 é similar ao número estimado de mortes causadas pela bomba atômica arremessada em Nagasaki, no Japão, em 1945. Um outro cálculo leva à situação de sete assassinatos por hora em 2016, um aumento de 4% em relação a 2015. As maiores taxas de homicídio por 100 mil habitantes são observadas em Sergipe (64), no Rio Grande do Norte (56,9) e em Alagoas (55,9) (IPEA, 2018). O gráfico 6, retirado do Atlas da Violência (2018), ilustra o aumento considerável nos indicadores de violência letal no Brasil entre 2006 e 2016.

Figura 6 – Número e taxa de homicídio no Brasil entre 2006 e 2016

Fonte: IPEA, 2018.

Infelizmente, a crescente taxa de homicídios tem repercussão severa no desenvolvimento social e econômico do país, uma vez que a população mais acometida é a de jovens do sexo masculino (15 a 29 anos), com uma representatividade de 56,5% na faixa etária de 15 a 19 anos (Figura 7).

Figura 7 – Proporção de óbitos causados por homicídios no Brasil em 2016

Fonte: IPEA, 2018.

Entre 2006 e 2016, a taxa de homicídios nas regiões Sudeste e Centro-Oeste permaneceu relativamente estável. Entretanto, nas demais regiões observa-se um crescimento acentuado, principalmente na Região Norte (Figura 8).

Figura 8 – Taxa de homicídios no Brasil e regiões entre 2006 e 2016

Fonte: IPEA, 2018.

Algumas ressalvas precisam ser feitas diante do atual cenário brasileiro. Onze estados apresentaram crescimento gradativo da violência letal entre 2006 e 2016, todos eles localizados nas regiões Norte e Nordeste, exceto o Rio Grande do Sul. O estado do Rio de Janeiro vinha apresentando queda nas taxas de homicídio desde 2003, mas a partir de 2012, houve uma oscilação nos indicadores de letalidade violenta, culminando em um forte crescimento nos índices de 2016, tendo como marco o final das Olimpíadas. Já em Pernambuco, o programa Pacto pela Vida4 vinha

obtendo bons resultados, porém, após 2013, o número de homicídios cresceu 39,3%. A Paraíba e o Espírito Santo ocupavam o 3ª e 2ª posições, respectivamente, entre as unidades federativas (UFs) mais violentas do país. Após a implantação dos programas “Paraíba pela Paz”5 e “Estado Presente”6, ambos os estados apresentaram

4 O Pacto Pela Vida (PPV) é um programa do governo do estado de Pernambuco que tem como

finalidade reduzir a criminalidade e controlar a violência. A implementação do PPV, que desde 2007 colocou em marcha uma série de estratégias de repressão e prevenção ao crime com foco na redução dos homicídios, foi responsável pela diminuição de quase 40% dos homicídios no estado entre janeiro de 2007 e junho de 2013 (RATTON et al., 2014, p. 11).

5 O Programa Paraíba pela Paz foi criado em 2011, pelo Governo do Estado da Paraíba, e nasceu após

a realização de fórum de mesmo nome, cujo objetivo foi discutir segurança, cidadania e gestão compartilhada, além de políticas de Segurança Pública para enfrentar os índices de assassinatos registrados em território paraibano.

6 O Programa Estado Presente tem como escopo a redução dos índices de homicídio em áreas com

maior vulnerabilidade social e, para tanto, tem o desafio da consolidação de uma governança democrática e participativa, orientada para resultados (FAJARDO et al., 2014, p. 2).

diminuição gradativa da taxa de homicídios. Em 2016, a Paraíba e o Espírito Santo passaram a ocupar, respectivamente, a 18ª e 19ª posições entre as UFs mais violentas. Já o Distrito Federal, vem apresentando uma diminuição gradual nas taxas de homicídio desde 2013. Por fim, o estado de São Paulo continua mostrando uma queda gradativa nas taxas de homicídio desde 2000. Daremos ênfase ao município de São Paulo no próximo subcapítulo.

Além do homicídio doloso, como o latrocínio e lesão corporal seguida de morte, há outros crimes que resultam em morte, os quais são agrupados como Crimes Violentos Letais Intencionais (CVLI). Essa nomenclatura foi criada em 2006 pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), vinculada ao Ministério da Justiça (MJ), e reúne os crimes de maior relevância social. A nomenclatura não se restringe apenas aos casos de homicídios dolosos, ela contempla também as mortes decorrentes de intervenções policiais em serviço e fora de serviço.

O Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2017) foi desenvolvido pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e contém as taxas dos CVLI comparando os anos de 2015 e 2016. Para obter dados reais e confiáveis, implantou-se um instrumento de qualificação dos dados de homicídio por UF, utilizando como referência o Protocolo de Bogotá (FBSP, 2017). Esse protocolo foi elaborado em setembro de 2015, em uma conferência com a participação de mais de 90 profissionais de 12 países, e emprega requisitos técnicos para estabelecer a validade, confiabilidade e transparência dos dados de homicídio. O protocolo é fomentado pelas instituições de produção e divulgação de dados oficiais de homicídios.

Os critérios propostos para a criação do protocolo foram agrupados em cinco áreas temáticas: conceito de homicídio, informações mínimas que devem ser registradas, dados perdidos e casos indeterminados, convergência entre as fontes e transparência. Após essa triagem, foram criados quatro grupos segundo a qualidade dos dados, a saber: “Grupo 1: maior qualidade das informações; Grupo 2: qualidade intermediária das informações; Grupo 3: menor qualidade das informações; Grupo 4: não há como atestar a qualidade dos dados, pois a UF optou por não responder o questionário de avaliação” (FBSP, 2017, p. 106).

O FBSB (2017) apontou em números absolutos de mortes violentas intencionais no Brasil e suas UFs o ano de 2016. Sergipe apresentou a maior taxa de homicídios por 100 mil habitantes (64,0), seguido por Rio Grande do Norte (56,9) e Alagoas (55,9). A figura mostra também as mortes decorrentes de intervenção policial

(em serviço e fora de serviço), com os maiores números absolutos registrados no Rio de Janeiro (925) e em São Paulo (856). Observa-se que o estado de São Paulo pertence ao Grupo 2, que possui qualidade intermediária de informações.

De acordo com um relatório produzido pela Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública (Enasp), a impunidade é uma questão real nos inquéritos criminais. Em 2011, estimou-se que o índice de esclarecimento de homicídios no Brasil variava entre 5 e 8% (FBSP, 2014). Um estudo realizado em Belo Horizonte mostra que os casos de homicídios esclarecidos levaram, em média, 3.404 dias (cerca de nove anos) entre o ato criminoso e o julgamento pelo tribunal do júri, ilustrando a morosidade dos processos criminais (RIBEIRO et al., 2014).

Sob todos os parâmetros, o crime contra a vida tem gerado enormes disjunções no funcionamento do sistema de justiça criminal e de segurança pública e, por vezes, é relegado mais a um plano simbólico de sua gravidade do que em práticas efetivas para o seu enfrentamento e prevenção (LIMA et al., 2015, p. 130).

A vitimização policial também é um dado estatístico valioso para compreendermos as questões relacionadas ao contexto do trabalho desses profissionais. O ano de 2016 foi marcado pelo aumento no número de homicídios de policiais, principalmente no estado do Rio de Janeiro. Nesse ano, atingimos um total de 453 policiais (civis e militares) mortos no Brasil, os quais foram mortos em confronto ou por lesão não natural fora do serviço. Esse número representou um crescimento de 23,1% em relação a 2015 (Figura 9). O estado de São Paulo tem maior vitimização de policiais civis e o estado do Rio de Janeiro de policiais militares. O perfil dos policiais vitimados foi predominantemente do sexo masculino, cor negra e faixa etária de 40 a 49 anos (SSP, 2017).

Figura 9 – Policiais civis e militares vítimas de homicídio em serviço e fora de serviço, Brasil, 2009 a 2016

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP, 2017

A Morte Violenta Intencional (MVI), no Brasil em 2016, quase chegou a 62 mil casos, e a Morte decorrente de intervenções policiais (MDPI) em serviço e fora de serviço um total de 4.222. A proporção entre elas teve maior percentual em São Paulo (17,4%), Rio de Janeiro (14,8%) e Paraná (9,2%). O perfil da população vitimada por policiais foi de homens (99,3%) jovens entre 18 e 29 anos (81,8%), negros (76,2%). Entre 2009 e 2016, um total de 21.892 pessoas morreram em decorrência de intervenções policiais. (ABSP, 2017) (Figura 10)

Figura 10 - Proporção de mortes decorrentes de intervenções policiais em relação às mortes violentas intencionais no Brasil e unidades da federação em 2015 e 2016

Fonte: Anuário Brasileiro de Segurança Pública, FBSP, 2017

2015 2016 2015 2016 2015 2016 Brasil 58.459 61.283 3.330 4.222 5,7 6,9 Rio de Janeiro 5.010 6.262 645 925 12,9 14,8 São Paulo 5.196 4.925 832 856 16,00 17,4 Paraná 2.840 2.914 246 267 8,7 9,2 Brasil e Unidades da Federação

Números absolutos Números absolutos Em percentual (%) Mortes violentas

Intencionais (MVI)

Morte decorrente de intervenções policiais(MDPI) em serviço e fora de serviço

Proporção de MDPI em relação as MVI

Os indicadores por UFs nos levam a questionar os números do estado de São Paulo, em especial da grande São Paulo, por estarem na contramão da realidade de outras UFs, as quais mantêm crescimento das taxas de homicídio. Essa questão é emblemática e discutida por estudiosos da área.