• Nenhum resultado encontrado

3. METODOLOGIA

3.2 Seleção dos casos

Diferente de estratégias de pesquisa que visam ‘testar teoria’ e usam grandes volumes de dados para verificar hipóteses em amostras representativas e aleatórias de determinada população (Ei- senhardt & Graebner, 2007), a escolha dos casos em estudos de caso que têm como objetivo desenvolver teoria se pauta na amostragem teórica (Patton, 2002; Draucker et al., 2007). A amostragem teórica se caracteriza pela escolha baseada na pertinência dos casos em responder o problema de pesquisa (Eisenhardt, 1989) e na relevância de entender a lógica ou relaciona- mento existente entre os construtos teóricos a serem investigados (Eisenhardt & Graebner, 2007). Esta visão é coerente com o apontado por Yin (2003), que explicita a possibilidade de “generalização analítica” feita a partir dos resultados do estudo de casos.

Assim, estabeleceu-se quatro critérios para a escolha dos casos. O primeiro critério de amostra- gem utilizado foi o de as empresas terem um modelo de negócios sustentável, conforme defi- nição proposta por Schaltegger et al. (2015) e explorada na seção 2.1.2.3 do Referencial teórico. Como ressaltam Zott et al. (2011), modelos de negócios têm emergido como unidade de análise ao longo dos últimos anos. Neste sentido, procurou-se empresas cuja declaração de missão, propósito ou equivalentes coadunassem com a referida definição. Em seguida, por meio de fontes secundárias, buscou-se maiores informações acerca do modelo de negócio, de forma a corroborar a percepção inicial.

O segundo critério de amostragem teórica se baseou na escolha de organizações de micro, pe- queno ou médio porte4. O porte menor das empresas tende a facilitar o acesso aos principais tomadores de decisão, notadamente, em número menor, permitindo uma visão mais sistêmica do processo, conforme explorado por Chetty (1996) em estudo de caso sobre tomada de decisão em pequenas e médias empresas.

O terceiro critério de amostragem teórica se baseou na escolha de empresas de dois setores diferentes. A definição dos setores como um dos critérios de escolha dos casos visa reduzir a variação de fatores do ambiente externo da organização quando se compara diferentes casos (Eisenhardt, 1989)5. A escolha dos setores se deu primeiramente a partir do levantamento, em fontes secundárias, de potenciais empresas que antedessem os dois primeiros critérios de amos- tragem teórica quanto ao modelo de negócio sustentável e porte. Identificou-se um total de 157 empresas, distribuídas em nove setores diferentes: Acessórios (n = 13); Alimentação (n = 48); Construção Civil (n = 6); Cosméticos & Cuidados com saúde (n = 4); Energia (n = 4); Extrati- vismo & Fornecimento de matérias-primas (n = 7); Logística Reversa, Reciclagem/Composta- gem (n = 14); Moda & Têxtil (n = 44); Serviços Diversos (Turismo, Educação, Empregabili- dade, etc.) (n = 17). Desses setores, privilegiou-se aqueles em que foram identificados o maior número de empresas e que concomitantemente tanto aspectos sociais quanto ambientais fossem salientes. A escolha pelos setores mais salientes visou privilegiar aqueles em que o fenômeno fosse mais facilmente observável. Consequentemente, escolheu-se os setores de Alimentação e Moda & Têxtil.

Adicionalmente, considerou-se um quarto critério. Dentre as micro, pequenas e médias empre- sas com modelos de negócio sustentáveis dos dois setores, optou-se pela busca de organizações classificadas segundo dois diferentes tipos: empresas convencionais e negócios sociais. Negó- cios sociais, considerados como organizações híbridas, combinam elementos relacionados a organizações com a finalidade lucrativa e não lucrativa, tendo como orientação central atender tanto o mercado quanto à causa ao qual se propõe a contribuir, e ora se estrutura legalmente como organização sem fins lucrativos ora como tendo fins lucrativos (Haigh & Hoffman, 2014). Tal escolha tem o condão de tornar mais rica a análise. Com efeito, Haigh e Hoffman (2014) defendem que a fertilização cruzada propiciada ao estudo das empresas, com a lógica dominante de lucro, e os negócios sociais, com a dominância da missão social, pode oferecer importantes

4 Segundo BNDES (2018), micro-empresa envolve empresas com faturamento anual de até R$ 360 mil, pequenas empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões e média empresa até R$ 100 milhões.

contribuições sobre como são gerenciados os trade-offs (Epstein, Buhovac & Yuthas, 2012). Smith, Gonin e Besharov (2013) também sugerem que sejam estudadas a maneira como as tensões são gerenciadas em empresas e negócios sociais. Esta abordagem de confrontar em- presas com organizações híbridas também coaduna com a sugestão de Eisenhardt e Graebner (2007) de utilizar casos extremos ou polares de modo a facilitar a observação de padrões con- trastantes entre eles.

Ademais, ao se estabelecer duas categorias na pesquisa baseadas em setor (alimentação e têx- til/moda) e tipo de organização (empresas convencionais e organizações híbridas), permite-se a replicação dos resultados dentro das categorias (Eisenhardt, 1989).

Em seguida, das empresas pré-selecionadas com base nos quatro critérios de amostragem teó- rica definidos para a seleção dos casos, buscou-se selecionar aquelas prioritárias para serem convidadas a participar do estudo. Isto ocorreu ao se consultar materiais secundários sobre as empresas de forma a identificar, por exemplo, por meio de depoimentos dos proprietários, re- portagens ou declarações em documentos e websites institucionais da próprias empresas, situa- ções explícitas de trade-offs relacionados à sustentabilidade que as empresas enfrentaram ou estivessem enfrentando. Com isso, esperava-se assegurar que o fenômeno de interesse da pes- quisa pudesse ser observado empiricamente.

A meta da pesquisa consistia em obter cinco organizações do setor de Moda & Têxtil e cinco organizações do setor de Alimentação, número dentro do intervalo ideal de quatro a dez orga- nizações para a condução de estudos casos múltiplos. Esse número é importante porque remete a um equilíbrio entre gerar teoria com complexidade suficiente e com o devido embasamento empírico ao mesmo tempo em que gera dados em quantidade administrável (Eisenhardt,1989). Assim, no total, foram estabelecidas como prioritárias 15 organizações que se mostraram ade- rentes a todos os critérios estabelecidos e que pareceram oferecer um rico contexto para enten- der o fenômeno investigado. Das 15, procedeu-se o contato com 13 delas. O contato inicial foi feito diretamente com as organizações, por e-mail ou, em alguns casos, por intermediação de dois profissionais - sendo um deles do Sistema B e o outro da Yunus Social Business - que tinham contato prévio com alguns dos empreendedores. No caso do contato intermediado, os profissionais mandaram mensagem aos sócios das empresas apresentando brevemente o pes- quisador e a pesquisa. Em seguida, o pesquisador passava adotar os mesmos procedimentos, tanto para as empresas com as quais entrou em contato diretamente quanto para as empresas que tiveram o contato intermediado. Assim, no contato inicial, o pesquisador se apresentava,

relatava o objetivo da pesquisa, justificava o motivo pela escolha específica daquela organiza- ção enquanto objeto de pesquisa e informava a expectativa do grau de envolvimento da empresa e de seus sócios/gestores na pesquisa6.

Três das 13 empresas contatadas não participaram do estudo por diferentes razões. Duas delas retornaram efetivamente os contatos agradecendo o convite, contudo declinando a participação alegando falta de tempo e por se encontrarem em um processo de (re)estruturação interna. A terceira empresa, após sucessivas tentativas de contato por parte do pesquisador, não retornou o contato. Ressalte-se que todas essas três empresas foram contatadas diretamente pelo pesqui- sador, sem qualquer intermediação. Por outro lado, todas as cinco empresas com as quais o pesquisador entrou em contato por meio do intermédio dos profissionais do Sistema B e da Yunus Social Business aceitaram participar, o que indica o sucesso do uso dessa estratégia. As dez empresas remanescentes consentiram em participar do estudo. Suas características gerais encontram-se resumidas no Quadro 8.

6 Maiores detalhes do processo de abordagem às empresas se encontram descritos no Apêndice I, que contém o Protocolo de estudo de caso.

Quadro 8- Síntese das características dos casos estudados Empresas do Setor de Moda & Têxtil

Empresas (anual - 2016) Faturamento

Número de funcionários

(excluindo-se só- cio-administra-

dor)

Fundação Número de sócios Local da sede

Etapas realizadas pela empresa no ciclo produtivo Produção e forneci-

mento de matérias- primas ou serviços

Design do

produto final produto final Produção de

Varejo/ comerci- alização do produto final

PanoSocial Entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão 10 nov/15 ambos sócio-ad-2 sócios, sendo ministradores

São Paulo/SP

Não, principais são fornecidos por associa-

ções e empresas certi- ficadas no Brasil.

Sim, interna-

mente Parcialmente interna

Sim, e-commerce e loja-oficina pró- pria Vert-shoes Brasil: Entre R$ 1 milhão e R$ 3 milhões Mundo: mais de 9 milhões de Eu- ros 56 (no mundo) 2004 2 sócio-majoritá- rios e um grupo internacional de investidores mi- noritário Paris, com produção sendo toda feita no Brasil (Campo Bom/RS)

Não, principais são fornecidos por associa-

ções de produtores e comunidades no Bra- sil. Sim, interna- mente, na França Externa, por terceiros Sim, e-commerce e varejo de tercei- ros

Movin Entre R$ 100 mil e R$ 500 mil 3 mar/11 1 Rio de Ja-neiro/RJ Não, alguns fornecidos por associações Sim, interna-mente Externa, por terceiros e varejo de tercei-Sim, e-commerce ros Insecta shoes Entre R$ 1 mi- lhão e R$ 3 mi- lhões 10 jan/14 2 sócios, sendo ambos sócio-ad- ministradores Porto Ale- gre/RS Parcialmente. Tecidos vintage obtido pela empresa e outros de terceiros, 99999

Sim, interna-

mente Externa, por terceiros

Sim, e-commerce e varejo próprio e

de terceiros

Revoada Entre R$ 100 mil e R$ 500 mil 4 abr/13 ambos sócio-ad-2 sócios, sendo ministradores

Porto Ale- gre/RS

Não, Obtidas junto a unidades de recicla- gem (caso dos guarda-

chuvas) e fabricantes (caso das câmaras de

pneu) Sim, interna- mente Externa, por rede de par- ceiros tercei- ros Sim, somente e- commerce

Empresas do Setor de Alimentação

Empresas (anual - 2016) Faturamento

Número de fun- cionários

(excluindo-se só- cio-administra-

dor)

Fundação Número de só-cios Local da sede

Etapas realizadas pela empresa no ciclo produtivo Produção agrí- cola Assessoria para a produ- ção agrícola Beneficiamento de itens agrícolas para comerciali- zação Varejo/ comerci- alização do produto final

Quitandoca lhão e R$ 3 mi-Entre R$ 1 mi-

lhões 8 fev/16 4, sendo apenas 1 sócio-admi- nistrador São Paulo/SP

Não, obtém ali- mentos da rede de agricultores agroecológicos Sim, para os agricultores menos estrutu- rados

Sim, ao fazer café- da-manhã e nos restaurantes dos mesmos sócios

Sim, por meio de delivery de cestas e por loja física Muda Meu

Mundo Até R$ 100 mil 6 jul/16

2 sócios, sendo ambos sócio-ad- ministradores

Fortaleza/CE

Não, obtém ali- mentos da rede de agricultores agroecológicos Sim, para os agricultores da sua rede

Sim, a partir das sobras das feiras

realizadas

Sim, por meio de feiras itinerantes. Fruta Imperfeita Entre R$ 500 mil e R$ 1 mi- lhão 6 nov/15 2, sendo ambos sócios-adminis- tradores São Paulo/SP

Não, obtém ali- mentos de peque-

nos agricultores Não Não

Sim, por meio de delivery de ‘ces-

tas surpresa’

Juçaí Não-divulgado Não-divulgado 2010

7, sendo 4 só- cio-administra- dores envolvi- dos e 3 investi- dores-anjos mi- noritários Rio de Ja- neiro/RJ Parcialmente pro- dução própria, parcialmente de terceiros Sim, do plantio e do manejo da palmeira, além do treinamento aos responsá- veis pela coleta

Sim, produzem o produto final co-

mercializado (creme de juçara) em fábrica própria

Sim, por meio de centenas de pon-

tos de venda de terceiros

Saladorama mil e R$ 1 mi-Entre R$ 500

lhão 18 fev/15 3, sendo todos eles sócio-admi- nistradores Rio de Ja- neiro/RJ Não, obtém de terceiros, seja na comunidade, seja fora Sim, em alguns casos pontuais quando apoiam as hortas na co- munidade Sim, ao preparar as saladas, que é o produto final

Sim, por meio de delivery das sala-

das prontas ou por meio dos res- taurantes que pos-

suem

Em termos de porte, oito empresas são consideradas pequenas empresas, com faturamento entre R$ 500 mil e R$ 1 milhão, 1 microempresa, com faturamento até R$ 100 mil e uma média empresa, com faturamento superior a R$ 5 milhões (considerando o mundo). Em termos de número de funcionários, as empresas variam de três até 56 funcionários, com média de 13 e mediana de 9 funcionários. O quadro societário das empresas varia de 1 a 4 sócios-majoritários. Há uma relativa dispersão geográfica das empresas havendo empresas cuja sede está localizada nos estados de São Paulo (SP), Rio Grande do Sul (RS), Rio de Janeiro (RJ) e Ceará (CE). Em termos de atividades desenvolvidas na cadeia de valor, há empresas que desenvolvem apenas uma atividade principal, ao passo que outras desenvolvem quatro atividades.

Quanto ao tempo de existência, varia de pouco mais de um ano até 12 anos, sendo que metade delas tem até dois anos de existência. Tal fato foi interessante, já que torna possível investigar o processo de estabelecimento do modelo de negócio sustentável sob um prisma retrospectivo, quando observamos as empresas mais antigas, que tendem a ter um modelo de negócio mais estável, mas também podendo acompanhar empresas que estavam em pleno processo de ajuste no modelo de negócio, caracterizando o processo de criação (Cavalcante et al., 2011). De acordo com Leonard-Barton (1990), usar casos retrospectivos e em tempo real pode ser uma estratégia interessante e complementar. Os casos retrospectivos ajudam a ver os padrões histó- ricos indicativos de processos dinâmicos e, em geral, já se tem resultados, ainda que parciais, e os de tempo real ajudam a observar os processos dinâmicos na medida em que ocorrem. Em termos de tipo de empresa, quatro das empresas se classificam como negócios sociais ou negócio de impacto, inclusive participando de programas de instituições direcionadas a empre- sas com esse conceito como o Yunus Social Business e a Artemisia. São elas a Revoada, Pano- Social, Saladorama e Muda Meu Mundo.

Por fim, as dez empresas que concordaram em participar do estudo e cujas informações princi- pais constam do Quadro 8 encontram-se descritas em detalhes no capítulo 4.

Documentos relacionados