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Sentido objetivo e sentido subjetivo

No documento Rodrigo Reis Ribeiro Bastos (páginas 149-151)

Capítulo III – As Teorias

1- Kelsen e a Teoria Pura do Direito

1.3 Sentido objetivo e sentido subjetivo

Uma norma é um dever-ser, é um ato de vontade dirigido a conduta alheia, produzido dentro de um sistema deontológico. Norma jurídica é um dever-ser caracterizado pelo ato de vontade dirigida a conduta de outro cuja sanção pelo descumprimento é imposta de forma coativa, se necessário, com o uso da força, e que é produzido validamente dentro de um sistema. No entanto, isso não é o suficiente. O sistema de onde a norma tira sua validade deve ser dotado de um sentido objetivo específico.

O sentido subjetivo da norma consiste no ato de vontade em si. Quando o líder de uma organização criminosa condena um comparsa à morte ou quando a mãe determina à sua filha adolescente que chegue em casa as tantas horas, estamos frente à atos cujo sentido subjetivo é um dever-ser, um ato de vontade dirigida a conduta de outros. Já o sentido objetivo é a possibilidade de justificação da produção do dever-ser com base em outras normas – normas de criação e transformação278, isto é, na sua validade com referência a um sistema específico. Nas palavras do autor:

278“ It is necessary, then, to distinguish between the subjective and the objective meaning of an act. The subjective

meaning may, but need not, coincide with the objective meaning attributed to the act in the system of all legal acts, that is, the legal system. The act of the famous Captain from Kopenick was to have been— its subjective meaning— an administrative directive. Objectively, however, it was not an administrative directive bur a delict. When members of a secret society, intending to rid their country of undesirables, condemn to death someone they regard as a traitor, they themselves consider their act, subjectively, to be a pronouncement of the death penalty. They call it that, and instruct their agent to kill the condemned party. Objectively— in the system of objective law— the killing is murder by secret tribunal, and not the carrving-out o f a death penalty. And this is so even though the external circumstances of the act cannot be distinguished from those of carrying out a death penalty”. KENSEN, Hans. Introduction to the problems of Legal Theory. Oxford: Claredon Press, 2002. p/p 9/10

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Também o ato de um salteador de estradas que ordena a alguém, sob cominação de qualquer mal, a entrega de dinheiro, tem - como já acentuamos - o sentido subjetivo de um dever-ser. Se representarmos a situação de fato criada por um tal comando dizendo: um indivíduo expressa uma vontade dirigida à conduta de outro indivíduo, o que nós fazemos é descrever a ação do primeiro como um fenômeno ou evento que de fato se produz, como um evento da ordem do ser. A conduta do outro, porém, que é intendida (visada) no ato de vontade do primeiro, não pode ser descrita como um evento da ordem do ser, pois este ainda não age, ainda não efetua uma conduta, e porventura nem sequer se conduzirá da forma intendida. Ele apenas deve – de acordo com a intenção do primeiro - conduzir-se por aquela forma. A sua conduta não pode ser descrita como um sendo (da ordem do ser), mas apenas o pode ser, na medida em que cumpre apreender o sentido subjetivo do ato de comando, como um devido (da ordem do dever-ser). Desta forma tem de ser descrita toda a situação em que um indivíduo manifesta uma vontade dirigida à conduta de outro. Quanto à questão em debate isto significa: na medida em que apenas se tome em linha de conta o sentido subjetivo do ato em questão, não existe qualquer diferença entre a descrição de um comando de um salteador de estradas e a descrição do comando de um órgão jurídico. A diferença apenas ganha expressão quando se descreve, não o sentido subjetivo, mas o sentido objetivo do comando que um indivíduo endereça a outro. Então, atribuímos ao comando do órgão jurídico, e já não ao do salteador de estradas, o sentido objetivo de uma norma vinculadora do destinatário. Quer dizer: interpretamos o comando de um, mas não o comando do Outro, como uma norma objetivamente válida279.

Todo e qualquer sistema normativo (moral, ética, normas técnicas e normas sociais difusas) possui um sentido subjetivo similar. O que os distingue, inclusive o que distingue o sistema jurídico dos demais é a peculiaridade de seu sentido objetivo.

Já vimos que em um sistema normativo as normas são válidas (são teoremas do sistema) quando criadas de acordo com regras postas em outras normas. Vimos, também, que as regras de criação e de formação de outras regras podem funcionar como fundamento ou como conteúdo de validade. Tomando por base um sistema jurídico qualquer é lícito (desculpe, mas não resisti ao trocadilho) afirmar que um contrato tira seu fundamento de validade e, eventualmente seu conteúdo, de uma lei e que a lei tira seu fundamento de validade da constituição. E a constituição, tira seu fundamento de validade de onde? Dito de outra forma: devo cumprir um contrato porque está de acordo com a lei e foi produzido nos termos por ela ditados; devo cumprir a lei porque está de acordo e foi produzida nos termos da constituição. E porque cargas d’água eu devo obedecer a constituição? Segundo Kelsen, porque há fora da ordem jurídica uma norma pressuposta que dá unidade a todo sistema, que dota o sistema de um sentido objetivo e que diz que devemos obedecer a constituição. Essa norma pressuposta que fundamenta a validade e existe em todos os sistemas normativos, sendo diferente de um para outro, chama-se norma fundamental.

Cada sistema normativo possui sua própria norma fundamental. É a pressuposição da norma fundamental, fora do sistema, que dá unidade e validade a todas as demais normas.

150 Na lógica Kelseniana o fundamento último de um sistema normativo tem, necessariamente, que ser uma norma que apenas fornece seu fundamento e não o conteúdo de validade, daí o nome norma fundamental. Chegamos, enfim, ao ponto da teoria de Kelsen que é objeto desse trabalho: a norma fundamental. Vejamos isso com mais detalhe:

No documento Rodrigo Reis Ribeiro Bastos (páginas 149-151)