Física de sistemas macroscópicos
2.3 Entropia e termodinâmica
2.3.1 Seta do tempo e entropia
A primeira indicação significativa sobre a direção natural dos processos físicos vem da expressão (2.28) que seleciona, de um par de estados, aquele com maior chance de constituir um estado final ou inicial. Tomar isto como prescrição para encontrar estados de equilíbrio, no entanto, é bastante inadequado já que a seta temporal não diz se um processo é de fato provável, mas apenas compara a probabilidade de ele aconteça com o processo temporalmente revertido; na maioria das situações, tanto a evolução direta quanto a inversa podem ser altamente improváveis.
O caráter assimétrico da evolução temporal implica que, se o equilíbrio for atingido, estes estados, que denotamos por E, estariam associados a probabilidades de transição muito altas partindo de uma classe específica de condições iniciais {I} — em números, teríamos P (ET|I0) ≃ 1. Ao mesmo tempo exige-se que P (IT|E0) ≃ 0, caso contrário
seria possível voltar à condição inicial a partir da condição de equilíbrio, o que representaria um regime cíclico. Estas duas exigências, junto com (2.28), implicam que os estados de equilíbrio estão associados a uma representatividade P (E) muito maior que os estados iniciais P (I).
14Este intervalos de tempo são longos em comparação ao chamado tempo de relaxamento. De acordo
com o sistema ou o fenômeno estudado, o tempo de relaxamento pode ser curto ou longo comparado aos tempos característicos da paciência humana.
Pelo menos em teoria, a existência de memória de longo prazo pode alterar estas conclusões. Considere que, para um dado estado inicial I e um estado final F , tenhamos P (FT|I0) ≃ 1 e P (IT|F0) ≃ 0, indicando um processo de aproximação do equilíbrio. Se
a memória joga uma papel fundamental, a probabilidade relativa ao conhecimento de uma situação pregressa a I0(P−1) pode alterar significativamente a avaliação de forma
que, P (FT|I0P−1) 6= P (FT|I0). Neste caso, uma simples análise das probabilidades
relativas aos estados final e inicial não é totalmente conclusiva já que informação pregressa sempre pode alterar estas conclusões. De agora em diante nos restringimos, por uma questão pragmática, aos sistemas sem memória em que funcione a aproximação mecânica (seção 2.1.5).
Motivado pelo fato que os estados de equilíbrio estão associados à representatividades muito maiores que as condições iniciais, avaliemos como se dá a evolução da representatividade nos sistemas simples. Identificamos a trajetória estatisticamente predominante com a
trajetória física denotada por F (t). A representatividade dos estados nesta trajetória aumenta monotonicamente no tempo e a demonstração deste resultado é simples. Considere dois estados, o anterior A e o posterior B, tirados arbitrariamente de F (t). Dado que a transição entre quaisquer dois estados em F (t) é extremamente provável temos que P (Bf|A0) ≃ 1 = P (B) P (A)P (Af|B0) ≤ P (B) P (A). (2.29)
Numa escala logarítmica, a expressão resulta em
ln P (B) ≥ ln P (A) ⇒ P (B) ≥ P (A) (2.30) indicando que na trajetória física, a representatividade é monotonicamente não-decrescente. A mesma análise pode ser feita para o crescimento da representatividade sobre uma seqüência de estados arbitrária. Utilizamos a notação F(t) = F (t)para indicar cada um
destes estados tomados em tempos distintos. Desta maneira, temos que
PFf(f ). . . F (1) 1 |F (0) 0 ≃ 1 = PFf(f ) Ff(f −1)−1 . . . PF2(2) F (1) 1 P F1(1) F (0) 0 (2.31) = P F (f ) P (F(f ))P Ff(f −1) Ff(f )−1. . .P F (1) P (F(0))P F1(0) F0(1) (2.32) ≤ P F (f ) P (F(f )) . . . P F(2) P (F(1)) P F(1) P (F(0)) = P F(f ) P (F(0)). (2.33)
O uso do logaritmo como escala para a representatividade é bastante conveniente para analisar como esta probabilidade se relaciona com as probabilidades de transição
de cada sub-caminho; em fórmulas temos ln P F(f )− ln P F(0)= f X i=1 ln P F(i)− ln P F(i−1)≥ 0. (2.34)
Neste ponto é conveniente introduzir uma função especial para representar o logaritmo da representatividade
S(F ) ≡ kBln P (F ). (2.35)
A esta grandeza damos o nome de entropia termodinâmica, e equivale à fórmula gravada no túmulo de Boltzmann em Zentralfriedhof, Viena (em contraste com a entropia de Gibbs que não é necessariamente igual a este valor). O uso do adjetivo termodinâmico serve para contrastar com a entropia informacional definida anteriormente; num quadro geral não existe conexão lógica nem formal entre os dois conceitos15. Enfatizamos que
a termodinâmica se baseia no raciocínio plausível e o uso de uma designação especial para o logaritmo da probabilidade, e todas as relações que virão, não reduz em maneira nenhuma o seu conteúdo estatístico.
Usando a notação de entropia, é possível escrever a fórmula (2.34) simplesmente como Sf − S0 = f X i=1 δSi ≥ 0, (2.36)
onde se define Si ≡ S F(i). Isto indica que nos processos irreversíveis aqui considerados,
a entropia sempre cresce. O uso de uma escala de representatividade logarítmica (a qual chamamos entropia) permite lidar com as multiplicações associadas à composição de probabilidades como simples somas. Afora a facilidade de cálculo, é possível generalizar o conceito para uma evolução contínua da trajetória F (t) já que é possível trocar a soma em (2.36) por uma integral. Veremos posteriormente, que variações de entropia podem ser determinadas a partir de experimentos macroscópicos simples, enquanto que tendemos ver a representatividade mais associada à descrição microscópica disponível. Neste sentido, a lei de aumento da entropia, que historicamente foi atribuída um caráter independente da mecânica, com Boltzmann adquire uma interpretação bastante razoável: isto é, estando de acordo com o modelo mecânico simplificado, a diminuição da representatividade microscópica (entropia) é simplesmente muito improvável.
Antes de se convencer totalmente disto, é necessário responder a algumas questões
15A entropia informacional é formalmente idêntica à entropia de Gibbs. Como mostraremos
posteriormente, a entropia de Gibbs normalmente é semelhante à entropia de Boltzmann como foi aqui definida, especialmente para sistemas de muitas partículas fora dos regimes críticos — em especial, elas coincidem quando se trata de um sistema de partículas livres.
fundamentais. A primeira, que discutimos na seção 3.1, é se existem, de fato, tais sistemas simples — colocando melhor a questão, queremos saber se existe algum conjunto de variáveis macroscópicas que, para alguns sistemas, forneça uma descrição do tipo mecânica. A segunda, a ser discutida imediatamente, é se podemos determinar os estados de equilíbrio (máxima entropia) sem conhecer os detalhes da dinâmica macroscópica.