A afirmação de que o Shemá Israel e o Fides ex auditu conduzem o fiel à vivência sólida da fé se justifica por tudo que já foi mencionado anteriormente. Observa-se que a Palavra de
159 Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Geral ao Missal Romano e Introdução ao
Lecionário. Brasília: CNBB, 2008. n. 56, p. 53.
160 Cf. ALDAZÁBAL, José. Vocabulário básico de liturgia. São Paulo: Paulinas, 2013. p. 355. 161 Cf. ibid., p. 356.
88 Deus é um acontecimento diante do qual o povo não pode permanecer passivo. O ouvinte da palavra sente-se convocado a constituir uma assembleia e a tomar uma posição no comprometimento com o projeto da Aliança. Escutar e acolher a Palavra devem ser uma opção decisiva. “Hoje tomo o céu e a terra como testemunhas contra vós: eu te propus a vida e a morte, a bênção ou a maldição. Escolhe, pois, a vida, para que vivas tu e a tua descendência” (Dt 30,19).163
Portanto, a escuta, a acolhida e a resposta à Palavra de Deus constituem um compromisso de vida e de fé, porque a Palavra é revelação, esperança, promessa, amor e norma de vida. “Que estas palavras que hoje te ordeno estejam em teu coração!” (Dt 6,6). Deus espera uma resposta sólida do fiel à sua Palavra, uma resposta que consiste em escutar e adorar “em Espírito e verdade” (Jo 4,23). O Espírito Santo é quem vai tornar eficaz essa resposta para que se manifeste na vida o que se escuta na ação litúrgica, de acordo com as palavras do Apóstolo São Tiago: “Tornai-vos praticantes da Palavra e não meros ouvintes, enganando-vos a vós mesmos” (Tg 1,22).164
Nesta perspectiva, o fiel é conduzido à vivência sólida da fé pela escuta atenta e devota da Palavra. Dessa forma, por meio da Escuta e da meditação da Palavra de Deus, o fiel pode dar uma resposta cheia de fé no Deus uno com todo o coração, a alma e o corpo pela vida toda.165 Disse Jesus: “Se alguém vem a mim, escuta minhas palavras e as põe em prática, mostrar-vos-ei a que é comparável” (Lc 6,47). O fiel é conduzido a viver na prática o que se aderiu pela fé na escuta da Palavra.
Conclusão
A partir desta vasta reflexão sobre a escuta da Palavra de Deus proclamada na liturgia, pode-se dizer que o caminho percorrido pelo princípio litúrgico-operativo da escuta da Palavra de Deus nas ações celebrativas, nas grandes assembleias do povo de Israel e nas assembleias cristãs, iniciadas por Cristo no Novo Testamento, continua hoje motivando os cristãos a continuarem a cumprir o mandamento do Senhor. A Igreja, como casa da escuta da Palavra de Deus, continua pela ritualidade da Palavra proclamada na liturgia a fazer ecoar no coração e na mente de seus filhos o alimento da vida eterna.
163 Cf. CELAM. Manual de Liturgia II. Op. cit., p. 154. 164 Cf. ibid.
165 Cf. CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Instrução Geral ao Missal Romano e Introdução ao
89 A Palavra escutada na liturgia sacramenta o compromisso entre a assembleia dos fiéis com Cristo, Palavra do Pai. Provoca adesão e fidelidade, gera testemunho e experiência de fé naquele que sabe escutar a Palavra, permitindo que seus ouvidos sejam a porta por onde a Escritura perfuma e alimenta a fé. A escuta da Palavra de Deus na liturgia conduz à participação “plena, ativa e frutuosa” dos fiéis nas ações sagradas. A escuta ritual da Palavra prepara os fiéis, pelo silêncio, a acolher, meditar e compreender as Sagradas Escrituras. Enfim, a escuta é o caminho para a compreensão do Shemá Israel e o Fides ex auditu, que conduz o fiel à vivência sólida da fé.
Nesse sentido, o caminho está aberto para o próximo capítulo, que adentrará o pensamento de Bauman sobre “os tempos líquidos”, acentuando as dificuldades que hoje, mais do que nunca, se enfrentam para a cultura da escuta, do ouvir com atenção, como contempla o Capítulo 1, no sentido físico, metafórico e bíblico. Portanto, serão levantados os desafios e as pistas de ação para serem enfrentados e trabalhados na formação litúrgica.
Referências bibliográficas do capítulo
AGOSTINHO, Santo. Comentário aos Salmos 101-150. São Paulo: Paulus, 1997. ALDAZÁBAL, José. A Eucaristia. Petrópolis: Vozes, 2012.
______. Vocabulário básico de liturgia. São Paulo: Paulinas, 2013.
ARAUJO, Gilvan Leite de. História da festa judaica das Tendas. São Paulo: Paulinas, 2011. AUGÉ, Matias. Liturgia: história, celebração, teologia, espiritualidade. São Paulo: Ave-Maria,
1998.
BECKHÄUSER, Alberto. Os fundamentos da sagrada liturgia. Petrópolis: Vozes, 2004. ______. Sacrosanctum Concilium: texto e comentário. São Paulo: Paulinas, 2012.
BENTO XVI, Papa. Exortação Apostólica Pós-sinodal Verbum Domini. São Paulo: Paulinas, 2010.
BENTO, São. A Regra de São Bento. Rio de Janeiro: Lumen Christi, 2003. BERGER, Rupert. Dicionário de Liturgia Pastoral. São Paulo: Loyola, 2010. BÍBLIA DE JERUSALÉM. São Paulo: Paulus, 2015.
BÍBLIA PASTORAL. São Paulo: Paulus, 1991.
BÍBLIA SAGRADA. Edição Pastoral. São Paulo: Paulus, 2013.
BOROBIO, Dionisio. A celebração na Igreja: liturgia e sacramentologia fundamental. São Paulo: Loyola, 1993. v. 2.
90 BRAUDOLINI, L. Domingo. Apud Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 2009.
BUYST, Ione. A Palavra de Deus na liturgia. São Paulo: Paulinas, 2012. v. 1.
CANTALAMESSA, Raniero Pe. O mistério da Palavra de Deus. São Paulo: Canção Nova, 2014.
CELAM. Manual de liturgia II: a celebração do Mistério Pascal. São Paulo: Paulus, 2005. _____. Manual de liturgia IV: a celebração do mistério pascal – Outras expressões
celebrativas do mistério pascal e a liturgia na vida da Igreja. São Paulo: Paulus, 2007. CENTRO NACIONAL DE PASTORAL LITÚRGICA (França). A arte de celebrar: guia
pastoral. Brasília: CNBB, 2015.
CIRILO DE JERUSALÉM. Catequeses mistagógicas. Petrópolis: Vozes, 1977. _____. Catequeses pré-batismais. Petrópolis: Vozes, 1978.
CNBB. Doc. 52. Orientações para a celebração da Palavra de Deus. São Paulo: Paulinas, 2011.
CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição Sacrosanctum Concilium: sobre a sagrada liturgia. São Paulo: Paulinas, 2015.
_____. Constituição Dogmática Dei Verbum: sobre a revelação divina. São Paulo: Paulinas, 2015.
CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS.
Instrução Geral do Missal Romano e Introdução ao Lecionário. Brasília: CNBB,
2008.
_____. Liturgia das Horas. São Paulo: Vozes/Paulinas/Paulus/Ave-Maria, 2000. v. II. _____. Liturgia das Horas. São Paulo: Vozes/Paulinas/Paulus/Ave-Maria, 2000. v. IV. _____. Missal Romano. São Paulo: Paulus, 2010.
_____. Presbiteral: Introdução Geral ao Ritual de Bênçãos. Petrópolis: Vozes, 2007.
COSTA, Valeriano Santos. Celebrar a Eucaristia: tempo de restaurar a vida. São Paulo: Paulinas, 2006.
______. Direito litúrgico: uma serviço à lex amoris. Revista Pistis Praxis: Teologia e Pastoral, ano 7, p. 729-747, set./dez. 2015.
DEISS, Lucien. A Palavra de Deus celebrada. Petrópolis: Vozes, 1996. DICIONÁRIO DE LITURGIA. São Paulo: Paulus, 2009.
DOCUMENTO DE APARECIDA. São Paulo: CNBB/Paulinas/Paulus, 2007.
FARIA, Ernesto (org.). Dicionário Escolar Latino-Português. Rio de Janeiro: Artes Gráficas Gomes Souza S.A., 1962.
91 FRANCISCO, Papa. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. São Paulo: Paulinas, 2013. GIBIN, Maucyr. Tradição apostólica de Hipólito de Roma. Petrópolis: Vozes, 2004. INÁCIO DE ANTIOQUIA. Padres apostólicos. São Paulo: Paulus, 1995. v. 1.
JOÃO PAULO II, Papa. Carta Apostólica Dies Domini. São Paulo: Paulinas, 1998. JUSTINO DE ROMA. I e II Apologias: diálogo com Trifão. São Paulo: Paulus, 1995.
LATORRE, Jordi. Modelos bíblicos de oração: herança do Antigo Testamento na liturgia. São Paulo: Paulinas, 2011.
MARSILI, Salvatore. Sinais do mistério de Cristo: teologia litúrgica dos sacramentos, espiritualidade e ano litúrgico. São Paulo: Paulinas, 2009.
MAZZAROLO, Isidoro. Lucas: a antropologia da salvação. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2013.
_____. Nem aqui nem em Jerusalém: Evangelho de São João – Exegese e comentário. Rio de Janeiro: Mazzarolo Editor, 2015.
RATZINGER, Joseph (Bento XVI). Introdução ao espírito da liturgia. São Paulo: Loyola, 2015.
RIBARIC, Sergio Alejandro. O silêncio de Deus. São Paulo: LSR, 2015.
SARTORE, Domenico; TRIACCA, M. Achille (org.). Dicionário de Liturgia. São Paulo: Paulus, 2009.
SECRETARIADO NACIONAL DE LITURGIA. Antologia litúrgica: textos litúrgicos, patrísticos e canônicos do primeiro milênio. Cesário de Arles, Sermões. Fátima, Portugal: ΑΩ, 2015.
SKA, Jean-Louis. O canteiro do Pentateuco: problemas de composição e de interpretação – Aspectos literários e teológicos. São Paulo: Paulinas, 2016.
TRADIÇÃO APOSTÓLICA DE HIPÓLITO DE ROMA. Liturgia e catequese no século III. Petrópolis: Vozes, 2004.
C
APÍTULO3
O
S“
TEMPOS LÍQUIDOS”
COMO DESAFIO PARA A ESCUTA DAPALAVRA DE DEUS NA LITURGIA
Introdução
Este capítulo adentrará o pensamento de Bauman sobre “os tempos líquidos”, acentuando as dificuldades que hoje, mais do que nunca, se enfrentam para a cultura da escuta, do ouvir com atenção, como contempla o Capítulo 1, no sentido físico, metafórico e bíblico. Portanto, serão levantados os desafios e as pistas de ação para serem enfrentados e trabalhados na formação litúrgica.