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Significados permeando o processo de envelhecer

6 – Compreendendo processos de significação e geração de sentidos sobre Envelhecimento e Bem-Estar

6.3. Compreendendo os processos de significação e geração de sentidos – enfatizando eixos temáticos específicos

6.3.1. Significados permeando o processo de envelhecer

Foram agrupados neste núcleo temático os segmentos de fala que correspondem à maneira como as entrevistadas percebem o envelhecimento de uma maneira geral, como se posicionam com relação à imagem que a sociedade tem a respeito da pessoa idosa, ao mesmo tempo observando em que aspectos esta mesma sociedade facilita e/ou dificulta a vida dos idosos. Também estabeleceu-se uma comparação entre o lugar social ocupado pelo idoso hoje e em épocas passadas.

A baixa longevidade verificada até meados do século passado e, conseqüentemente, a pouca convivência com pessoas em idade realmente avançada, contribuía para que a experiência da velhice fosse aceita de forma mais natural e com menor rejeição. Este fato é expresso da seguinte forma, na fala de uma das entrevistadas:

“É porque nessa outra época ninguém falava em velhice, em envelhecer, o povo era tudo tranqüilo, parece que era uma coisa que... não tinha ninguém velho” (ARTÊMIS,

78).

Constata-se, também, que o desenvolvimento de conhecimentos e de tecnologias que melhoraram as condições de vida das populações de todas as idades e, em especial, dos idosos, fez com que essa população alcançasse uma visibilidade jamais vista, transformando o aumento

da longevidade na maior conquista social do século XX e no grande desafio do século XXI (Kalache, VEJA, 2005).

Convém reafirmar que esse mesmo desenvolvimento científico e tecnológico tem servido de combustível para alimentar ilusões e falsas expectativas nas pessoas com relação à descoberta de fontes para a obtenção da ‘eterna juventude’. Reforçada exaustivamente pela mídia, a obsessão pela perpetuação da beleza e da juventude a todo custo tem trazido enriquecimento a ávidas empresas dos setores de estética, nutrição e fitness. Paralelamente, também tem trazido muita frustração àqueles que teimam em não aceitar que nem toda a sofisticação tecnológica existente na atualidade - e nem mesmo no futuro - poderão barrar a implacável ação do tempo sobre os organismos vivos.

Por isso, a mesma participante não deixa escapar a dificuldade que observa existir atualmente por parte das pessoas em aceitar a velhice:

“Hoje o povo é diferente, né, é chorando quando se olha no espelho (...) Porque hoje o povo é tudo preocupado com o envelhecimento. Ninguém quer envelhecer... onde eu estou adorando! Eu acho diferente, na outra época tava melhor, né? Porque o povo aceitava o envelhecimento. E agora não quer aceitar... pelo menos eu estou aceitando muito bem...” (ARTÊMIS, 78).

Destaca-se que, embora indagadas sobre os significados que permeiam o envelhecimento de uma maneira geral, as participantes muitas vezes se remetiam às suas vivências pessoais de envelhecer, demonstrando uma certa dificuldade em se distanciarem de sua própria experiência.

No entanto, as participantes acreditam que tem existido, nos últimos anos, uma maior preocupação em relação à pessoa idosa - e ressaltam avanços na participação e oportunidades mais freqüentes de inclusão social do idoso no mundo de hoje, o que antes era restrito apenas ao convívio familiar:

“O idoso de antigamente era mais simples, mais de casa... (...) O idoso hoje está vivendo a vida de outra maneira; porque hoje tem muita coisa em favor do idoso, como, por exemplo, esses grupos de terceira idade, que antigamente não tinha; a possibilidade de fazer informática, como eu fiz, de fazer hidroginástica, de fazer aula de dança, de fazer natação... hoje em dia tem essas coisas, antigamente não havia essa possibilidade para o idoso. O idoso era dentro de casa, só com a família...” (ATENAS,

85).

Esta última fala de Atenas refere-se aos reconhecidos benefícios que os grupos, programas e universidades voltados para a chamada Terceira Idade têm trazido a milhões de adultos maduros e idosos em todo o mundo. A França e os Estados Unidos foram os pioneiros na criação das primeiras Universidades da Terceira Idade, destinadas a oferecer oportunidades educacionais à categoria dos recém-aposentados. Seu modelo pedagógico, voltado para a educação e atualização nas diversas áreas do conhecimento, vem se espalhando pelo mundo inteiro, incluindo o Brasil, garantindo atividade e cidadania a uma população francamente emergente (Cachioni, 1999). Deve-se destacar, no entanto, ser esta prática ainda bastante incipiente no contexto brasileiro, uma vez que é restrita apenas a pessoas que possuem uma condição sócio-econômica mais elevada.

Contudo, os relatados benefícios de se permanecer em atividade na velhice estão bastante presentes entre as entrevistadas – uma ex-aluna e duas alunas do Projeto Saúde e Cidadania na Terceira Idade, coordenado pelo CEFET-RN -, ficando clara a importância que o Projeto tem para elas e as mudanças positivas que este imprimiu em suas vidas em termos de integração, conhecimento e atividade:

“Eu não queria ir pro CEFET – isso foi há quatro anos atrás, não queria ir de jeito nenhum. Mas acontece que, graças a Deus, conheci e achei o céu. Aquilo ali, com aquele convívio a gente aprende muito. Eu sou fã mesmo é da piscina. Ali eu não posso deixar aquilo, não (...) A minha vida agora é o CEFET, viu?” (AFRODITE, 86).

“Esse Projeto mudou muita coisa pra mim, porque eu era uma pessoa tão assim... em casa, como se diz: ‘ beradeira’ demais... (risos). E eu não sei nem dizer como é que eu me atualizei tanto aqui no CEFET! Então eu acho uma coisa maravilhosa eu vir aqui pro CEFET trabalhar (...) Eu me sinto aluna do CEFET! Aos 77 anos, participando todo o dia das atividades, na piscina, na hidroginástica, na dança, nas aulas de artes, nos passeios... sei que agora o meu mundo é aqui no CEFET. Inclusive hoje está fazendo cinco anos que eu estou aqui no CEFET, e não perco nem um dia. Estou aqui firme mesmo”

(ARTÊMIS, 78).

Ao apontarem, entretanto, os aspectos em que a sociedade facilita ou dificulta a vivência da velhice, o preconceito e a desvalorização das experiências de vida da pessoa idosa aparecem nas falas das participantes. Elas ressaltam, ainda, a tendência existente de se manter grande distância entre o que está legislado no papel e o que acontece no dia-a-dia:

“Olhe, mesmo agora, com o velho sendo chamado de“idoso”, a sociedade ajuda, mas a maioria das ajudas fica só no papel. Eu acho que agora a sociedade tem de ver isso, e reagir e cobrar o que o governo diz que vai fazer. A gente mesmo deve fazer força – nós, velhos. Eu chamo “velho” porque eu gosto de chamar “velho”, e não “idoso”

(AFRODITE, 86).

Neri & Freire (2000) propõem uma oportuna reflexão sobre a existência de tantos termos para designar o idoso e a velhice: adulto maduro, idade madura, adulto maior, maior

idade, melhor idade, terceira idade, anos dourados – para ficar só em alguns exemplos. Há de se

concordar com as autoras que estes termos não passam de eufemismos, ou seja, trata-se de uma forma de mascarar ou de amenizar o preconceito.

Convém lembrar que o termo “velho”- originário da França do século XIX - era usado para designar aqueles indivíduos que não detinham estatuto social, enquanto que chamavam-se “idosos” aqueles que possuíam uma condição social e financeira favorável (Peixoto, 2003). Até hoje, no entanto, permanece no senso comum o termo “velho” associado à pobreza, decadência, feiúra, dependência e incapacidade para produzir. Talvez advenha daí o “verdadeiro pavor” que muitas pessoas têm de serem chamadas ou de se sentirem “velhas”.

“Às vezes acham que o idoso não tem aquela capacidade, acham que o idoso é inútil, ficam dizendo: “fique sentadinho aí, não faça isso não...”(...) Às vezes eu acho que existe um certo preconceito... (...) Tem pessoas que não valorizam muito o idoso, as experiências que a gente tem, de vida, a aceitar um conselho... às vezes acho que não dão valor. Acham que é uma coisa ultrapassada, que tem coisa mais nova do que a opinião daquela pessoa, que não tem muito valor”. (ATENAS, 85).

Essas práticas preconceituosas e discriminatórias relatadas pelas participantes se configuram como idadismo ou ageism - um comportamento que – como já foi destacado anteriormente - caracteriza-se por atitudes hostis ou negativas em relação a pessoas idosas (Arber & Ginn, 1991; Moragas, 2003). O idadismo tem sido enormemente prejudicial aos idosos, uma vez que ele negligencia as diferentes experiências de envelhecer, e imprime aos cidadãos idosos os estigmas da improdutividade, da debilidade e da dependência. Ao instituir um baixo

status ao envelhecimento e disseminar estereótipos negativos, o idadismo dificulta a reinserção

desses cidadãos no mercado de trabalho, além de discriminar sua participação na vida social. No cerne desta avaliação negativa em relação aos idosos está a essência do sistema capitalista - que reconhecidamente só valoriza aquilo ou aquele que produz, que consome, que procria, enfim, que pode ser fonte de lucro.

No caso das mulheres idosas, o preconceito é duplo, pois ao idadismo soma-se o

sexismo, ou seja, o preconceito em relação ao sexo feminino, considerado inferior. Disto decorre

a segregação no trabalho, que restringe a participação das mulheres apenas aos tradicionais trabalhos “femininos” – nos quais a mulher ganha menos, além de serem exigidos freqüentemente atrativos juvenis que estão fora do alcance das mulheres mais velhas. A prática do idadismo tem tido conseqüências particularmente nefastas no nível de renda e na qualidade de vida significativamente inferior da maioria das mulheres idosas, pois apenas reforça o já anteriormente descrito quadro de pobreza decorrente do baixo nível de escolaridade e qualificação profissional dessa camada da população.