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4 OS SISTEMAS AGRÁRIOS E A ESTRUTURA FUNDIÁRIA DO MÉDIO ALTO URUGUA

4.3 EVOLUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO DOS SISTEMAS AGRÁRIOS DO TERRITÓRIO DO MÉDIO ALTO URUGUA

4.3.4 O sistema agrário colonial moderno

O sistema agrário colonial moderno sofreu a influência direta do processo de modernização da agricultura, que ocorre no Brasil a partir da década de 1950 e intensifica-se nas décadas de 1960/70. Tem a produção de grãos como base econômica, inicialmente com a cultura do trigo. Mas, a intensificação ocorreu com a introdução da cultura da soja, que possibilitou o monocultivo alternando de trigo e soja. Este sistema de produção moderno se estabeleceu no planalto gaúcho, onde as condições edafoclimáticas e ambientais eram mais propícias à mecanização e aplicação dos pacotes tecnológicos completos, com predomínio de relevo plano e solos mais profundos (BRUM, 1987).

No Médio Alto Uruguai, segundo Moreira (2002), não se desenvolveram as mesmas condições ocorridas nas primeiras colônias, principalmente, em relação ao acesso aos mercados para comercialização dos produtos agrícolas, diminuindo a diversificação da produção e oferta dos tradicionais produtos coloniais. Por sua vez, o relevo muito acidentado

dificultou a mecanização e a introdução de todo o pacote tecnológico da modernização, impossibilitando a implantação de uma “agricultura moderna” completa.

Analisando as condições edafoclimáticas e ambientais do agroecossistema, o território do Médio Alto Uruguai pode ser dividido em duas áreas distintas. Nas áreas mais planas com predominância de latossolo (a maior parte na área vegetação original de campo, mas também adentra nas áreas de floresta) possibilitando uma melhor adaptação das tecnologias modernas. Com estas características favoráveis esta área entra diretamente no processo de modernização e mercantilização da agricultura, que é a base do sistema agrário contemporâneo mercantilizado, com predomínio da motomecanização, da fertilização química, da integração aos mercados e da especialização da agricultura (BRUM, 1987).

Nas áreas mais íngremes, sobretudo nos vales do Rio Uruguai e seus afluentes (aproximadamente 2/3 do território), predominam o relevo ondulado e solos com presença de fragmentos de rocha. Apesar disso, foi implantando um sistema agrário colonial moderno, baseado na tração animal e introdução de algumas técnicas modernas, com tendência de especialização da produção para ao mercado. Mesmo com a modernização da agricultura em pleno andamento em outras áreas, neste local predomina um sistema de produção com tração animal e larga utilização do trabalho manual em todos os tratos culturais e na colheita dos produtos. Pode-se dizer que é um processo de modernização incompleta, dificultado pelos obstáculos naturais (PELEGRINI e GAZOLLA, 2008). Assim, a tradição do sistema agrário colonial prevaleceu por mais duas décadas, “resistindo” ao domínio do avanço da modernização da agricultura, mantendo na produção agrícola muitas famílias de agricultores sem terra ou com pouca terra.

Em toda a área com relevo mais íngreme, a partir da deflorestação completa dos lotes de terra (década de 1960), que não permitiu mais o acesso a novas áreas (solos férteis) no próprio território, ocorre a intensificação do cultivo, com a introdução de algumas práticas do pacote tecnológico da modernização. O sistema de produção predominante neste período é o cultivo consorciado do milho e soja (em alguns municípios predomina o feijão) com tração animal. E a produção de suíno tipo carne em ciclo completo, ou seja, todas as etapas de criação são desenvolvidas na mesma UPF, inclusive a produção da alimentação destinada para a criação de suínos. A fertilização de parte das áreas agrícolas é realizada com os dejetos dos suínos, aproveitando também a interação biológica existente na produção de uma leguminosa, a soja, (fixadora de nitrogênio) e uma gramínea, o milho. Mas, gradativamente a adubação química entra no sistema de produção, bem como a mecanização e os controles químicos.

desde o final da década de 1940, o que permitiu a implantação e expansão do sistema de produção predominante de suíno/milho/soja. Com o tempo os frigoríficos passam a fazer parte de um complexo agroindustrial, que é motivado pelos conceitos da modernização da agricultura, baseados na introdução de novas tecnologias e criando novas “regras” de funcionamento do sistema. Estes, num primeiro momento, são responsáveis apenas pelo abate e comercialização dos derivados de suínos. Mas, com o avanço da modernização da agricultura, são os incentivadores na introdução das raças melhoradas de suíno tipo carne, forçando a mudança na alimentação, necessitando de ração balanceada, que passa a ser fornecida pela agroindústria. Assim, na década de 1980, inicia-se o processo de integração vertical, efetivando-se de forma completa no final da década de 1990 (ALTEMANN, 1997).

O predomínio do sistema de integração vertical com as agroindústrias de suínos, aves e tabaco é um dos fatores que determinam o início do sistema agrário contemporâneo.

Aos poucos o processo de mercantilização16 se intensifica em todos os sistemas de produção que compõem o sistema agrário colonial moderno. Na produção de grãos as sementes melhoradas geneticamente, a fertilização química e a mecanização de parte do itinerário técnico. A integração da produção de fumo de galpão, que é intensificada em algumas regiões, principalmente as mais distantes dos frigoríficos de suínos.

No que diz respeito à estrutura fundiária, o aumento da população a partir dos anos 1960 e a distância das novas fronteiras agrícolas, condicionam a divisão dos lotes (fragmentação), desencadeando um processo de minifundização, levando à intensificação do uso das áreas agricultáveis, acelerando a perda de fertilidade do solo e a insustentabilidade dos sistemas de produção praticados (MOREIRA, 2002; NEUMANN, 2003; PELEGRINI, PELLEGRINI, HILLESHEIM, 2015).

Silva Neto (2005, p. 101) elenca alguns fatores importantes que explicam esta realidade observada no território do Médio Alto Uruguai, que são determinados pelo processo de colonização (nas colônias novas) e pelas características do relevo acidentado e solos mais rasos, quais sejam: a) são regiões com predominância da agricultura familiar; b) o sistema de produção é mais dependente da produção de grãos, diminuindo a intensidade da agricultura familiar, em relação às outras regiões coloniais; c) a estrutura fundiária é muito fragmentada e menos concentrada; d) no decorrer dos anos acontece o empobrecimento da maioria dos agricultores familiares.

16 O processo de mercantilização é intensificado pela modernização da base técnica-produtiva que gera novas

demandas ao agricultor, que se caracteriza por submeter o agricultor familiar a uma dependência estrutural ao mercado. (PELEGRINI e GAZOLLA, 2008).

Durante o período das décadas de 1970 e 1980 todos os fatores, elencados anteriormente, são evidenciados no território. A população predominantemente rural cresce até meados da década de 1980, exercendo forte pressão demográfica ao sistema. A pressão demográfica é um fator importante que determina a evolução do sistema agrário. Tal evolução não foi possível neste momento, pois as condições tecnológicas ainda não estavam arranjadas. Assim, uma das alternativas foi intensificar a migração para outras regiões agrícolas e/ou industriais, diminuindo a população local. O que está demostrado no Gráfico 2.

Gráfico 2 – Evolução da população total, urbana e rural na Microrregião de Frederico Westphalen em 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010

Fonte: IBGE; Censos Demográficos 1970, 1980, 1991, 2000 e 2010. Elaboração do autor.

Constata-se que é nesse período que tem início o processo de urbanização da população regional, no ano de 2010, a população urbana é maior que a rural, com a estabilização e início de um crescimento da população total, a partir desta década.

Alguns autores como Kliemann (1986), Sponchiado (1996) e Sponchiado (2005), afirmam que o processo de colonização do Médio Alto Uruguai foi pensado pelo governo do Estado para ser um “viveiro” de colonos, que serviriam para colonizar outras regiões, também, para serem trabalhadores no processo de industrialização, que estava sendo intensificado nos centros urbanizados. Desta forma, nas décadas de 1960 e 1970, o processo de “enxameanmento”, saída das famílias para colonizar outras regiões, é mais intenso. Já na

década de 1980, o êxodo rural intensifica-se, com a saída das famílias para os centros urbanos, principalmente, para as fábricas de calçados do vale do Rio dos Sinos.

É nesta década que os movimentos sociais ressurgem com força, estimulados pela conjuntura de reabertura política brasileira, retomam a luta pela terra. Os primeiros acampamentos de agricultores, que originam o MST, ocorrem a partir dos conflitos agrários deste território. Destaca-se a área indígena de Nonoai, que com a demarcação das terras indígenas desalojou inúmeras famílias de agricultores que acamparam na beira das estradas, a exemplo do histórico acampamento de Encruzilhada Natalino. Posteriormente, utilizam-se da estratégia de ocupação de latifúndios para forçar a política de reforma agrária e a criação de assentamentos rurais (MÉLIGA e JANSON, 1982).

A organização de luta pelo acesso à terra foi motivada pelos conflitos pela posse da terra, mas também como consequência do esgotamento deste sistema agrário, que não permitia a reprodução social das UPFs. Dufumier (2010) afirma que as transformações necessárias nos sistemas de produção, a fim de atingir o nível de reprodução social nem sempre se realizam sem que ocorram mudanças nas condições de acesso à terra.

A intensificação do processo de modernização da agricultura com o predomínio de um modelo mercantilizado é um dos fatores de transição do sistema agrário colonial moderno para o sistema agrário contemporâneo. Outro fator é a integração completa ao complexo agroindustrial, gerado pela crise do sistema de produção, principalmente, da suinocultura que não viabilizava mais a produção de ciclo completo dentro do consórcio de produção soja/milho. Assim, o sistema agrário contemporâneo neste território é mais tardio, tornando-se hegemônico a partir da década de 1990.