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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.2 A ABORDAGEM EVOLUCIONÁRIA: A INOVAÇÃO E OS SISTEMAS DE INOVAÇÃO

2.2.1 Sistema Nacional de Inovação

Freeman (1995); Freeman e Soete (2008); Lundvall et al (2002; 2009) creditam a Friedrich List e a sua obra “The national system of political economy”, de 1941 as ideias seminais que geraram a abordagem dos SNIs argumentando que o autor, apesar de não utilizar tal terminologia, antecipou muitos aspectos dos debates contemporâneos sobre este tema. Neste sentido, destacam que List chamava atenção para a importância do capital intelectual e da vinculação da produção às instituições formais de ciência e de ensino; reconhecia a interdependência da importação de tecnologias estrangeiras com o desenvolvimento técnico local; além de dar ênfase ao papel do Estado na coordenação e execução de políticas para o desenvolvimento da indústria e da economia.

Sobre este último aspecto Lundvall (1992) destaca que List reforçava a responsabilidade governamental com relação à educação e formação de pessoal bem como a criação de uma infraestrutura de apoio ao desenvolvimento industrial. Assim, List foi uma força de inspiração vital para a pesquisa corrente em SNI (ELAN, 1997).

Christopher Freeman (1987) foi o primeiro a utilizar a expressão “Sistema Nacional de Inovação” em sua obra intitulada “Technology Policy and Economic Performance: Lessons from Japan” (EDQUIST, 1997; 2007; LUNDVALL, 1992; 2007). Freeman (1987) discutiu sobre as habilidades das diferentes nações em explorar o processo de inovação e difusão de tecnologia em seu próprio benefício e quais políticas poderiam contribuir a este respeito, usando o termo SNI para congregar os fatores dentro de cada nação que poderiam ser utilizados para explicar estas diferenças (FAGERBERG; SAPPRASERT, 2011).

Igualmente citadas como referência dentro desta abordagem são as obras de Bengt Åke Lundvall (1992) “National Systems of Innovation: Toward a Theory of Innovation and Interactive Learning”, e Nelson (1993) “National Innovation Systems: A Comparative Analysis”, sendo que a primeira faz uma discussão teórica acerca do SNI, ressaltando entre outros aspectos a importância do aprendizado e da interação no processo de inovação e a segunda, de natureza mais empírica, apresenta estudos de casos de SNIs de 15 diferentes países, traçando um comparativo entre as diferentes realidades nacionais (EDQUIST, 1997; 2007).

Desta forma, verifica-se que a literatura sobre SNI começa a emergir a partir da segunda metade da década de 80, com importantes

contribuições no início dos anos 90 que crescem gradativamente nos anos 2000 (LUNDVALL et al, 2009). Utilizando evidências bibliométricas, Fagerberg e Sapprasert, (2011) sustentam que a literatura sobre SNI vem colaborando para a integração das políticas científica, tecnológica, de pesquisa e de inovação, que normalmente caminham separadas, contribuindo para o desempenho de países e regiões.

De acordo com Freeman (1995); Freeman e Soete (2008) a ênfase inicial dada às atividades de P&D das empresas criou uma definição estreita de SNI. Posteriormente os aspectos sistêmicos da inovação, tais como as relações inter-empresas e os vínculos com organizações governamentais, universidades e institutos de pesquisa foram assumindo uma maior importância. Somados a estes elementos, as especificidades do sistema educacional, infraestrutura e desenvolvimento tecnológico, geraram SNIs diferenciados entre si.

Na perspectiva de Lundvall (1992), o SNI pode ser abordado num sentido mais restrito, que inclui organizações e instituições envolvidas em pesquisa e exploração, tal como departamentos de P&D, institutos de tecnologia e universidades ou ainda num sentido mais amplo, que inclui todas as partes e aspectos da estrutura econômica e institucional que afetam a aprendizagem, ressaltando-se a importância do aprendizado interativo como base da inovação.

Nelson e Rosenberg (1993); Nelson (2006a) afirmam que, no conceito de SNI, cada um dos termos pode ser interpretado de várias maneiras. Neste sentido, pontuam que a “inovação” pode ser entendida de maneira ampla, de forma a encampar todos os processos por meio dos quais as empresas dominam e colocam em prática produtos e processos inovativos novos para elas mesmas, para o país ou para o mundo. Já o termo “sistema” considera o conjunto de atores institucionais que vão garantir um desempenho inovador. E por fim o conceito de “nacional” refere-se ao ambiente de um país que facilita ou dificulta a implementação das inovações.

Fazendo o mesmo exercício, Lundvall (2007) destaca que o termo “nacional” reforça a importância do Estado-Nação e o seu papel na definição de estratégias políticas e padrões econômicos. O termo “sistema” faz referência à importância do “todo maior que as partes” e a “inter-relação e interação entre os seus elementos componentes”. Já o termo “inovação” pode ser visto na perspectiva de Schumpeter das “novas combinações” (novos produtos, novos processos, novas matérias-primas, novas formas de organização e novos mercados)

O quadro 1 apresenta uma compilação das definições atribuídas aos SNIs. Como ponto em comum, pode-se perceber num primeiro

momento a referência às instituições e, num segundo foco, a ênfase em conhecimento e/ou tecnologia (LUNDVALL et al, 2009).

Quadro 1 - Definições de SNI

"... Uma rede de instituiçõesnos setorespúblico e privadocujas atividades einteraçõesiniciam, importam, modificam edifundemnovas tecnologias " (Freeman, 1987)

"...Os elementos e relacionamentos que interagem na produção, difusão e utilização de conhecimentos novos e economicamente úteis... e estão localizados dentro ou enraizados nas fronteiras de um Estado-nação” (Lundvall, 1992)

“... O conjunto de instituições cujas interações determinam o desempenho inovador das empresas nacionais” (Nelson; Rosenberg, 1993)

"... O sistema nacional de inovação é constituído pelas instituições e estruturas econômicas que afetam a taxa e a direção da mudança tecnológica na sociedade " (Edquist; Lundvall, 1993)

“...Um sistema nacional de inovação é o sistema de interação das empresas privadas e públicas (seja grande ou pequeno), universidades e agências governamentais visando à produção de ciência e tecnologia dentro das fronteiras nacionais. A interação entre estas unidades pode ser técnica, comercial, legal, social e financeira, na medida em que o objetivo da interação é o desenvolvimento, a proteção, o financiamento ou a regulamentação da nova ciência e tecnologia " (Niosi et al., 1993)

"...As instituições nacionais, as suas estruturasde incentivo esuas competências,que determinam a taxae a direção daaprendizagem tecnológica(ouo volume e a composiçãodas atividades degeração demudança) em um país " (Patel; Pavitt, 1994)

“...O conjunto de instituições distintas queco njuntamente e individualmente contribuem para o desenvolvimento e a difusão de novas tecnologias e que fornece o arcabouço no qual os governos formulam e implementam políticas para influenciar o processo de inovação.Como tal, é um sistema de instituições interconecta das para criar,armazenar e transferiros conhecimentos, habilidades e artefatos que definem novas tecnologias " (Metcalfe, 1995) Fonte: Niosi, 2002, p. 292 (tradução livre)

Conforme Lundvall (2007), o conceito de SNI foi concebido para ajudar a desenvolver um quadro analítico alternativo à economia convencional e para criticar sua negligência em relação aos processos dinâmicos relacionados à inovação e aprendizagem na análise do desenvolvimento econômico. “O conceito de SNI fornece um instrumental para analisar as especificidades dos países no processo de inovação, no seio de uma economia mundializada, assim como um guia para a formulação de políticas” (OCDE, 1999, p.23-24)

Desta forma, a atividade central do SNI é o aprendizado, entendido como atividade social que envolve a interação entre as pessoas. Os SNIs são sistemas abertos e heterogêneos, sendo que os processos inovativos transcendem as fronteiras nacionais, assumindo, ao mesmo tempo, a característica local e nacional. O conceito de SNI também é importante para inspirar políticas públicas relacionadas à inovação uma vez que permite o conhecimento do contexto em que o governo pode intervir (LUNDVALL, 1992). Edquist (1997) propõe uma definição mais ampla de SNI que inclui o conjunto de instituições econômicas, sociais, políticas, organizacionais e outros fatores que influenciam o desenvolvimento, difusão e uso de inovações.

Para Niosi et al (1992, p.221), “o conceito de SNI implica que os elementos sistêmicos internos às economias nacionais sejam mais importantes que os elementos de interação entre as economias de diferentes países.” Dentre tais elementos internos destacam os determinantes que dependem dos mercados e dos recursos nacionais; as colaborações informais que se passam dentro das economias nacionais (como as relações existentes entre consumidores e produtores); as interdependências fundadas na técnica (dependentes de padrões adotados e de escolhas tecnológicas) e ainda os determinantes políticos (como a política nacional de ciência e tecnologia).

Os atores que compõem o SNI bem como as relações que se formam em seu interior dependem das características de cada país, tais como o tamanho e grau de desenvolvimento, além do papel específico dos principais protagonistas no processo de inovação (empresas, organismos de pesquisa públicos e privados e outras instituições públicas) e as formas, qualidade e intensidade de suas interações, conforme demonstra a figura 2. Desta forma, tais atores sofrem a influência de vários fatores que são próprios do país, tais como: sistema financeiro e governamental das empresas, marcos jurídicos e regulatórios, nível de instrução e qualificação, grau de mobilidade da mão-de-obra, relações do trabalho, práticas de gestão em vigor e outros. O papel do poder público se reflete de certo modo na estrutura de financiamento público em P&D (OCDE, 1999).

Figura 2 - Atores e suas relações no SNI

Situação dos mercados de fatores Capacidade nacional de inovação

Capacidades próprias das firmas

e redes Instituições de apoio Outros organismos de pesquisa Sistema Científico Quadro macroeconômico e regulatório Sistema de ensino e de formação Situação dos mercados de produtos Infraestrutura de comunicação

Sistema Nacional de Inovação Geração, difusão e uso do conhecimento

Rede mundial de inovação

Sistemas regionais de inovação

Performance Nacional

Crescimento, criação de emprego, competitividade

Clusters de

Indústrias

Fonte: OCDE, 1999, p.23

Lundvall (1992) assume que as economias nacionais diferem quanto à estrutura do sistema de produção e quanto ao quadro institucional, que aliadas a questões como experiência, língua e cultura, geram especificidades nacionais na organização interna das empresas, nos relacionamentos inter-empresas, no papel do setor público, na atuação do sistema financeiro na promoção das inovações e na intensidade e organização das atividades de P&D.

Segundo Edquist (2007), a abordagem dos sistemas de inovação vem se difundindo, rapidamente, tanto no meio acadêmico como entre os responsáveis pela elaboração de políticas públicas. Neste sentido, destaca entre as suas principais forças as seguintes questões: (i) trazer como foco da discussão os processos de aprendizado e inovação; (ii) adotar uma perspectiva holística e interdisciplinar; (iii) empregar a perspectiva histórica e evolucionária; (iv) enfatizar a interdependência e a não linearidade; (v) abranger tanto inovação em produtos quanto em processos, bem como as subcategorias destes tipos de inovação e (vi) dar ênfase no papel das instituições.

Na visão de Lundvall (2007, p.97) “a difusão da abordagem do SNI contribuiu para mover a atenção para estratégias políticas nacionais

que constituem jogos de soma positiva, tanto internacional como nacionalmente”. Além disso, a dimensão do termo “sistema” chama atenção nos círculos de pesquisa acerca do papel da interatividade no processo de inovação em contraposição a uma visão linear.

Edquist (2007) aborda também as fraquezas da abordagem, relatando que a mesma carece de clareza conceitual, não delimita adequadamente o que é um sistema e ainda não constitui-se numa teoria formal. Sobre este aspecto, Lundvall (2007) aponta que, muitas vezes, as implicações mais amplas da inovação, sob a perspectiva da aprendizagem interativa não são consideradas, elaborando-se políticas de inovação baseadas em uma teoria econômica estática, restringindo-se assim a abordagem do SNI.

Com base em estudos anteriores Edquist (2007) aponta dez atividades (causas, determinantes) que são importantes e que fazem parte da maioria dos sistemas de inovação: (i) preparação para P&D, criando novos conhecimentos principalmente nas áreas de engenharia, medicina e ciências naturais; (ii) construção de competências (educação e treinamento, criação de capital humano, produção e reprodução de habilidades e aprendizagem individual) para criar uma força de trabalho voltada à inovação e atividades de P&D; (iii) formação de novos mercados de produtos; (iv) articulação dos requisitos de qualidade provenientes da demanda relativa a produtos novos; (v) criação e mudança das organizações necessárias para o desenvolvimento de novos campos de inovação, como novas empresas, novas instituições de pesquisas, novas agências para políticas públicas, reforçando o espírito empreendedor; (vi) Redes de relacionamentos por meio de mercados e outros mecanismos, incluindo aprendizagem interativa entre diferentes organizações envolvidas em processos de inovação, integrando de elementos de conhecimento desenvolvidos em diferentes esferas do sistema de inovação; (vii) Criação e mudança de instituições (leis, impostos, regulamentos e práticas de investimento em P&D) que influenciam organizações inovadoras e processos inovadores, por meio de incentivos ou obstáculos à inovação; (viii) atividades de incubação, provendo suporte a novos esforços inovativos; (xix) financiamento dos processos de inovação e outras atividades que possam facilitar a comercialização do conhecimento e sua absorção; (x) provisão de serviços de consultoria relevantes para os processos inovativos, como transferência de tecnologia, informação comercial e questões legais.

A análise do SNI pode ser realizada nos seguintes níveis: no nível micro, com foco nas capacidades internas das empresas e sobre as ligações entre estas, examinando suas relações em termos de

conhecimento com as outras empresas e com as demais instituições do SNI; no nível meso, pela análise das ligações de conhecimento que circundam as empresas em interação cujas características podem ser comuns em termos de indústria (setor), região ou função relacionada à inovação e, no nível macro, por meio da abordagem de macro- agregação, que vê a economia como uma rede de agregações setoriais ligadas entre elas ou pela análise funcional, que vê a economia como uma rede de instituições ligadas por fluxos de conhecimento que envolvem as interações (OCDE, 1999).

Freeman (1995); Freeman e Soete (2008) discutem que o conceito de diferenças nacionais nas aptidões inovativas que determinam o desempenho dos países tem sido contestado num mundo em que a globalização ganha cada vez mais espaço por meio das empresas transnacionais. Contudo, reforçam que o fortalecimento das bases nacionais mostra-se ainda mais importante frente à concorrência global, gerando diversidade e originalidade locais frente à padronização global. Para Lundvall (2007), é a compreensão do papel histórico dos sistemas nacionais que permite lidar com problemas relacionados à globalização e integração econômica, o que torna o foco no aspecto nacional importante e legítimo.

A análise dos sistemas de inovação em nível nacional, na personificação do SNI tem sido realizada, desde o estudo clássico de Nelson (1993), nos mais variados países, com objetivos de verificar semelhanças e diferenças entre tais sistemas, estabelecendo padrões comparativos que subsidiem a adoção de políticas de C&T e o aumento da capacidade competitiva dos países. Há que se destacar, contudo que outros níveis de análise são possíveis, sob a perspectiva geográfica ou setorial e que como tal situam-se como complementares à abordagem nacional (LUNDVALL et al, 2002; LUNDVALL, 2007).