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2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

2.1 A ABORDAGEM INSTITUCIONAL: AS INSTITUIÇÕES

2.1.1 Velho institucionalismo

O termo “institucionalista” foi até os anos setenta, aplicado a um programa de pesquisa relativamente circunscrito (PONDÉ, 2005), que se identifica com uma corrente de pensamento econômico desenvolvida por autores como Thorstein Veblen, John Commons e Wesley Mitchell (RUTHERFORD, 1996). Tal corrente é comumente associada como velho institucionalismo (HODGSON, 1998; RUTHERFORD, 1996) ou escola institucionalista radical (CONCEIÇÃO, 2001) ou institucionalismo norte-americano (MONASTERIO, 1998).

A denominação “velho institucionalismo”, no entanto, não se refere a algo extinto ou desativado, mas a uma proposta teórica cujos elementos mais comuns podem ser destacados: (i) ênfase nas relações de poder; (ii) ceticismo na avaliação das instituições do ponto de vista de

suas eficiências relativas; (iii) foco de análise no processo histórico; (iv) perspectiva holística (PONDÉ, 2005).

Na visão de Monasterio (1998, p. 10) “os estudiosos do institucionalismo são unânimes em apontar Veblen como precursor desta escola.” Além disso, assinala que “as obras de Veblen são as citadas com maior freqüência pelos estudiosos que buscam uma recuperação do institucionalismo, tendo ele mais destaque que todos os seus seguidores imediatos.” Segundo Hodgson (2001a) o reconhecimento amplo da importância de instituições e regras na sociedade humana tem seu principal fundamento na economia institucional, especialmente com Veblen e Commons.

A abordagem de Veblen centra-se em três pontos: (i) a inadequação da teoria neoclássica em tratar as inovações, supondo-as "dadas", e, portanto, desconsiderando as condições de sua implantação; (ii) a preocupação em como se dá a mudança e o conseqüente crescimento e não com o "equilíbrio estável" (iii) a ênfase no processo de evolução econômica e transformação tecnológica. (CONCEIÇÃO, 2001). Em Veblen, um conceito fundamental está em entender o desenvolvimento como um processo evolutivo, onde se utiliza fortemente da analogia com os trabalhos de Darwin e com a biologia (RUTHERFORD, 1998)

A partir do pensamento vlebeniano, podem-se apontar algumas categorias fundamentais por meio das quais a teoria institucionalista é construída: os instintos, os hábitos, as instituições propriamente ditas e a mudança institucional (MONASTERIO, 1998). Na visão de Hodgson (2001a), dentre as ideias centrais do institucionalismo destacam-se as instituições, os hábitos, as regras e sua evolução.

Com relação aos instintos, Veblen os distingue como “propensões inatas, características irredutíveis da psicologia humana, que definem os objetivos últimos do comportamento” [...] Assim, “os instintos estão subjacentes à conduta humana, a qual é restringida pelos imperativos impostos por tais propensões inatas” (MONASTERIO, 1998, p.41). Para Hodgson (2010), os instintos são despertados pelas circunstâncias e inputs sensoriais de forma que circunstâncias particulares podem desencadear instintos herdados, tais como o medo, a imitação ou a excitação sexual. Os instintos são o ponto de partida para a evolução cumulativa dos hábitos e instituições (RUTHERFORD, 1998).

Os instintos atuam de forma simultânea no comportamento humano, de maneira que uma classificação torna-se útil apenas para melhor entendê-los. Dentro desta perspectiva podem-se relacionar os

principais instintos da natureza humana: o instinto de trabalho eficaz, que conduz o indivíduo a escolher os meios adequados para alcançar certos objetivos; a inclinação paternal que se refere à disposição inata do homem de preocupar-se com a sobrevivência das gerações seguintes; a curiosidade vã que reflete a busca do conhecimento pelo conhecimento e o instinto predatório que representa a antítese do instinto de trabalho eficaz, pela valorização da proeza em detrimento do trabalho rotineiro (MONASTERIO, 1998).

Apesar dos instintos relacionarem-se à finalidade da ação humana, os meios para alcançá-la se materializam em padrões de comportamento que especificam formas de satisfação dos desejos instintivos. Quando estes padrões de comportamento se repetem em resposta a um estímulo externo, tem-se um hábito de vida. Considerando-se que os hábitos também condicionam a reflexão dos indivíduos, tem-se o hábito de pensamento.(MONASTERIO, 1998). É a repetição da ação ou do pensamento que forma o hábito, que por sua vez reflete uma propensão de comportamento em modos particulares e em distintas situações (HODGSON, 2003).

Tratando sobre as diferenças entre o instinto e o hábito, Hodgson (2010) afirma que os instintos são direcionados a um objetivo fim concreto, já os hábitos são os meios pelos quais se pode adaptar a busca a esses objetivos em determinadas circunstâncias. Comparativamente ao instinto, o hábito é um meio relativamente flexível de adaptação à complexidade e à mudança. Os instintos não refletem circunstâncias transitórias, já os hábitos permitem um aprendizado mais rápido, muitas vezes relacionado com circunstâncias novas.

Na inspiração de Veblen, Hodgson (2011) afirma que o hábito revela uma tendência adquirida ou capacidade, que pode ser ou não, expressa no comportamento atual. O hábito pode ser definido como “uma propensão deliberativa e auto-atuante, que se encaixa em um padrão de comportamento anteriormente adotado” (HODGSON, 2001a, p. 19). Sendo assim, caracteriza-se como uma forma de comportamento não reflexiva e autossustentada, que surge de situações reiteradas. Os hábitos representam repertórios submersos do potencial de pensamento ou comportamento que são desencadeados por um estímulo ou contexto apropriado, são adquiridos em um contexto social e não geneticamente transmitidos (HODGSON, 2007; 2011).

A repetição do comportamento é importante para estabelecer um hábito, mas a aquisição do hábito não implica em utilizá-lo todo tempo, mas ter uma propensão a se comportar de um determinado modo,

em situações ou circunstâncias particulares. “O hábito é um mecanismo causal, não um conjunto de eventos correlacionados” (HODGSON, 2010, p.4).

Já “as regras são pautas condicionais e incondicionais de pensamento ou conduta que os agentes podem adotar consciente e inconscientemente. As regras têm geralmente a forma: em circunstâncias X, faz-se Y” (HODGSON, 2001a, p. 30). “As regras incluem normas de comportamento e convenções sociais, assim como as regras legais” (HODGSON, 2011, p. 24). Por aplicação reiterada uma regra pode converter-se em hábito, contudo é sempre mais fácil modificar uma regra que um hábito, dada a característica auto-atuante deste último.

De acordo com Kingston e Caballero (2009), os hábitos permitem que o indivíduo possa poupar sua capacidade cognitiva e interpretar a informação em um mundo complexo. São os hábitos que auxiliam a elaboração das preferências e disposições nos indivíduos. Desta forma, quando novos hábitos são adquiridos ou quando mudam aqueles já existentes as preferências se alteram (HODGSON, 2001b). “As capacidades de estruturação, mudança e restrição das instituições sociais fazem emergir novas percepções e disposições nos indivíduos” (HODGSON, 2001b, p.108).

Os hábitos na sua forma coletiva dão origem às instituições (MONASTERIO, 1998). São os hábitos que oferecem às instituições poder e autoridade normativa com uma maior durabilidade; ao reproduzirem os hábitos de pensamento as instituições criam mecanismos de aceitação normativa (HODGSON, 2011).

as instituições são hábitos estabelecidos de pensamento comum à generalidade dos homens.São vistas tanto como a superação quanto como o fortalecimento de processos de pensamento rotinizados que são compartilhados por um número de pessoas em uma dada sociedade (VEBLEN apud CONCEIÇÃO, 2001, p.89).

Hodgson (2001b, p.101) define as instituições como “sistemas duradouros de regras sociais estabelecidas e embutidas que estruturam as interações sociais. Linguagem, moeda, lei, sistemas de pesos e medidas, convenções de trânsito, maneiras à mesa, empresas (e outras organizações) são todas instituições” [...] “Este vasto conjunto de

instituições se desdobra em um número de subcategorias, incluindo a divisão entre as que emergem espontaneamente e as que resultam de processos envolvendo desígnio”.

Dentro da ideia de coletividade, Commons (2003, p.191) sustenta que a instituição pode ser definida como “uma ação coletiva que controla, libera e amplia a ação individual”. Para o autor, são as regras de funcionamento apropriadas para indicar o princípio universal de causa, efeito ou propósito comum a toda ação coletiva. Tais regras de funcionamento mudam continuamente na história das instituições bem como diferem de uma para a outra, mas se assemelham ao indicar o que os indivíduos podem, devem e estão autorizados a fazer ou não, de acordo com sanções coletivas.

Na visão de Hodgson (2003, 2007) as instituições estão condicionadas e são dependentes dos indivíduos e de seus hábitos, mas não se reduzem a eles. São os hábitos os elementos constitutivos das instituições, proporcionando-lhes maior durabilidade, poder e autoridade normativa. Podem-se distinguir as instituições dos indivíduos pelos propósitos que estão presentes nestes últimos. Além disso, as instituições possuem uma amplitude de vida diferente dos indivíduos, muitas vezes suplantando-os, por meio de diferentes mecanismos de reprodução e procriação (HODGSON, 2001b, p.104).

As instituições envolvem regras, restrições, práticas e ideias que podem de certo modo moldar os propósitos e as preferências individuais. Esta concepção de maleabilidade de preferências individuais permeia o “velho institucionalismo”. “A situação de hoje molda as instituições de amanhã através de um processo seletivo e coercitivo, através da ação sobre a visão habitual do homem em relação às coisas.” (VEBLEN apud HODGSON, 2001b p.107).

A institucionalização garante que os hábitos de hoje sejam formados sobre uma base institucional já estabelecida, destacando o papel dos hábitos de pensamento passados e das circunstâncias materiais em que estes foram produzidos. Desta forma são as instituições que determinam a resposta que a sociedade e os indivíduos dão em relação às exigências materiais. A partir desta concepção, identifica-se que as instituições podem assumir as seguintes dimensões: (i) instituições como princípios fundamentais sobre os quais os outros hábitos de pensamento são erguidos; (ii) instituições como normas sociais; (iii) instituições concretizadas na forma de leis (MONASTERIO, 1998).

Na visão de Hodgson (2001b), uma instituição alcança o estágio de desenvolvimento no momento em que ela é conscientemente reconhecida e legitimada por outras instituições. “Fazem-se necessárias

instituições poderosas para fazer valer direitos em um mundo de informação incompleta e imperfeita, elevados custos de transação, relações assimétricas poderosas e agentes com discernimento limitado” (HODGSON, 2001b, p.117).

A dinâmica institucional em Veblen assume que a mudança institucional pode ser analisada segundo dois planos: (i) enquanto processo evolucionário análogo ao biológico e; (ii) como um mecanismo. No primeiro caso, a mudança institucional é vista como um processo no qual o princípio de seleção natural é aplicado em relação aos hábitos de pensamento dominantes, ou seja, às instituições. Além disso, deve-se considerar o caráter “dependente da trajetória” (path dependent) das mudanças. Já a mudança institucional como mecanismo reforça a influência que as instituições sofrem dos padrões tecnológicos estabelecidos. Neste caso, a inovação tecnológica constitui o elemento preponderante das mudanças institucionais, estabelecendo uma relação bidirecional entre as instituições e o progresso tecnológico (MONASTERIO, 1998).

A mudança institucional envolve a co-evolução simultânea tanto dos hábitos compartilhados de pensamento prevalentes (instituições) como dos hábitos dos indivíduos. Desta forma, a qualquer momento, os hábitos atuais de pensamento, tanto os compartilhados como os individuais, são recebidos do passado, refletidos pelo presente, e, juntos afetam a trajetória futura da mudança institucional (KINGSTON; CABALLERO, 2009).

As mudanças na população e tecnologia conduzem a mudança institucional, assegurando que as instituições atuais e hábitos de pensamento, herdados do passado, nunca são ideais para as exigências do presente (KINGSTON; CABALLERO, 2009). Com relação à resistência à mudança, os autores ressaltam que as instituições são resistentes à mudança, em parte devido ao apego emocional das pessoas em relação às instituições existentes, e em parte porque a mudança ameaça os padrões existentes de status, riqueza e poder.

Para Hodgson (2001a), tanto as definições dos institucionalistas “velhos” como dos “novos” implicam num conceito amplo de instituições que incluem as organizações (como corporações, bancos, universidades...), e as entidades sociais integradas e sistemáticas (o dinheiro, a língua, o direito...). Dentro desta perspectiva são características comuns das instituições: (i) a interação dos agentes; (ii) características, concepções e rotinas em comum; (iii) qualidades duradouras, autorreforçantes e persistentes; (iv) incorporam valores e processos normativos de evolução.