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ENTREATO II: UM CORPO EM FORMAÇÃO E SEU MUNDO

4.5. SMARTPHONES: A EXPANSÃO DOS SENTIDOS ARTIFICIAIS

Por trás dos aplicativos dos celulares está um fértil campo de pesquisa de reconhecimento da atividade humana (RAH) por meio de sensores instalados nesses aparelhos. Os aparelhos celulares são ditos inteligentes porque possuem sensores capazes de captar dados, processá-los e produzir informações a partir dos dados capturados. Esses aparelhos começaram a ser produzidos comercialmente em 1992 e foram ganhando escala global até atingir um nível de saturação da produção que alcançou um ponto de estagnação de crescimento em 2017 (MEEKER, 2018). Abordaremos adiante os desdobramentos desse processo.

Os dispositivos móveis de comunicação adotados progressivamente por grandes parcelas da população de todo o mundo nos últimos trinta anos elevaram exponencialmente a escala de dados captados. Ao mesmo tempo, durante esse período, a estratégia da indústria de tecnologias da informação de abrir espaço e estimular pesquisas de desenvolvimento de programas de computação a partir dos dados captados para diversas finalidades acelerou ainda mais esse campo. Os aparelhos celulares inteligentes são considerados a mais completa plataforma

móvel de pesquisa do reconhecimento de atividades humanas em larga escala e em múltiplas condições (LIMA, 2019, p. 27).

Os sensores são a fonte da captação de dados brutos para as pesquisas de reconhecimento da atividade humana. Os pesquisadores desse campo entendem “atividade” como uma sequência de ações que um ser humano executa em um determinado período de tempo. Todas as pessoas executam milhares de ações em todos os instantes da vida. Classificar essas ações como atividades significa, portanto, produzir arbitrariamente modelos que identifiquem uma sequência de ações como determinante de uma dada atividade. Assim, os dados brutos captados pelos sensores serão organizados de modo a distinguir as atividades. Uma sequência de ações pode indicar que alguém ou algo associado a alguém está em movimento ou parado; que está caminhando ou correndo; ou pode indicar se, ao se deslocar, o faz a pé ou em um veículo; se está escrevendo ou está comendo; e qualquer atividade que se deseje analisar.

As atividades captadas pelos sensores serão compreendidas, portanto, a partir da associação de determinadas sequências de eventos que os modelos construídos para identificar os sinais dos sensores permitam analisar. As características de comportamento dos dados recebidos são relacionadas sempre a um determinado período de tempo. Do ponto de vista da engenharia, imaginando que o sistema é composto de uma entrada de dados, uma etapa de processamento e uma saída, os dados crus captados pelos sensores representam a entrada do sistema. Os algoritmos desenham os caminhos do processamento de dados em uma arquitetura de modelos de classificação. Os dados brutos captados na entrada são convertidos, na saída do sistema, em previsões sobre qual é a atividade que está sendo executada.

Para o tratamento dos dados, as atividades humanas são classificadas inicialmente pelos pesquisadores em duas grandes categorias, cuja terminologia pode variar, mas de um modo geral são agrupadas como simples ou complexas ou, correspondentemente, de baixo nível ou de alto nível (LIMA, 2019, p. 26). Essa divisão se baseia nas condições de captação dos dados necessárias para a identificação de determinada atividade. Atividades simples ou de baixo nível de complexidade são aquelas identificáveis a partir de dados de apenas um ou poucos sensores e em um curto espaço de tempo. Um exemplo de atividade humana

simples ou de baixo nível é a ação de andar ou correr. Já as atividades consideradas complexas ou de alto nível dependem do cruzamento de dados captados por vários sensores responsáveis por medir diferentes atividades simples em um período de tempo longo. São consideradas complexas atividades como trabalhar ou fazer compras, por exemplo. Em qualquer dos casos, os sensores irão captar sequências de diferentes ações simples, mas que, em conjunto, de acordo com um modelo desenvolvido para uma determinada identificação, representam aquela atividade complexa específica.

Como os seres humanos são diversos e vivem em ambientes diversos, a tarefa de reconhecer suas atividades, com o objetivo de oferecer previsões com alto nível de probabilidade de acerto, requer uma seleção não só das atividades a serem estudadas como da melhor forma de estudá-las. Ou seja, é preciso fazer escolhas de objeto e de método. Essas escolhas irão consequentemente restringir os cenários ao menor número possível de categorias capazes de produzir o maior número possível de previsões. Nesse sentido, observa-se que as pesquisas com sensores em aparelhos celulares partem majoritariamente da associação de dados que forneçam duas informações gerais básicas: o movimento do indivíduo – que na prática é o movimento de um sistema que associa o sensor ao indivíduo, seja ele um ser humano ou um objeto físico – e a sua localização (LIMA, 2019, p. 26).

Os estudos que se concentram no movimento dos indivíduos se baseiam em dados diretamente associados à sua atividade física. É do movimento dos corpos individuais que se extraem os dados sobre qual tipo de atividade se relaciona com um dado tipo de movimento ou, dito de outro modo, qual sequência de ações classificada previamente como determinada atividade foi executada. Já os estudos de localização envolvem uma combinação dos dados da posição do indivíduo com os dados do meio espacial onde ele está inserido.

Desde o começo da comercialização e da propagação do uso de aparelhos celulares, em 1992, o campo de pesquisas em reconhecimento da atividade humana vem se expandindo, por meio de novos e variados tipos de sensores que foram sendo desenvolvidos com diferentes finalidades. Assim, as possibilidades de combinações se desdobraram em uma infinidade de aplicações. Essas aplicações têm uma espécie de dupla finalidade. De um lado, elas atendem a alguma necessidade ou potencial interesse dos consumidores; de outro, elas estão

associadas ao aprimoramento da capacidade preditiva dos algoritmos. Quando as pessoas comuns interagem com seus aparelhos, mesmo sem acioná-los para algum fim determinado, mas só pelo fato de os manterem junto a seus corpos ou próximo a eles, em bolsas ou mesmo no console do carro com o qual se deslocam, elas estão alimentando os sensores com dados de suas atividades.