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Capítulo 2 – Os encontros com os adolescentes

2.1 A entrevista com E

2.1.3 Sobre o Modo de Ser de E na Entrevista

Após a apresentação da pesquisa e da pesquisadora, e da abertura para o esclarecimento de possíveis dúvidas que o adolescente pudesse ter a respeito de sua participação na mesma, propusemos como aquecimento/apresentação que E. se descrevesse e contasse um pouco de sua história. Em seguida, lançamos a pergunta desencadeadora: “Como você percebe a sua vida antes de depois de receber e estar cumprindo a Medida Sócio-Educativa de Liberdade Assistida?”. Porém, antes de mergulharmos no que mostrou-se durante a entrevista, julgamos importante que outros pontos sejam explicitados para contextualizar a situação de entrevista.

O adolescente chegou ao Núcleo de Proteção Especial, onde realizou-se a entrevista, exatamente no horário marcado. Desde o início mostrou-se bastante tímido – essa foi a primeira palavra que utilizou para se descrever – e retraído. Trazia o termo de consentimento livre e esclarecido assinado por seu pai, mas não por ele. Também não o havia lido (ao final da entrevista, antes de assiná-lo, leu o termo junto com a pesquisadora).

Afim de melhor compreender a experiência de E., julgamos importante que sejam considerados alguns aspectos informados pelo educador.

Após a entrevista, em uma conversa com o profissional que acompanha E. em seu trajeto pela medida de Liberdade Assistida, tomamos conhecimento de que o adolescente teve sérios problemas relacionados à violação de seus direitos que devem também ser assegurados pelo Estado – no que diz respeito à saúde, à educação e a colocá-lo a salvo da violência e da crueldade, como assegura a Constituição Federal (Brasil, CF art.227) – principalmente no interior do Distrito Policial pelo qual passou antes de ser encaminhado para a Unidade de Internação. Essa vivência somente foi relatada ao educador após algum tempo de atendimentos individuais semanais, aparentemente no momento em que se estabelecia um vínculo de confiança entre as partes.

Mesmo não tendo sido relatadas pelo adolescente no momento da entrevista, julgamos que as informações reveladas pelo educador são de profunda importância para a compreensão do sentido que a experiência de passar pelas medidas sócio-educativas tem para esse adolescente e também para compreender com mais clareza seu modo de ser durante a entrevista. Por isso optamos por utilizá-las na análise.

De acordo com o relato do educador, E. passou três dias preso em uma delegacia dividindo cela com outros cinco adolescentes. Entre eles estava A., o colega que o convidou à participar do ato infracional e que portava a arma durante o mesmo.

E. relatou que durante dois dias sofreu agressões físicas e tentativas de abuso por parte dos outros adolescentes; inclusive por parte de A.. Apenas no último dia de sua permanência naquele local o responsável percebeu o que acontecia e, diante da situação, transferiu E. para uma cela onde ficou sozinho.

O motivo dessa transferência não foi informado aos outros adolescentes e E. foi instruído pelo responsável a não formalizar a ocorrência (via boletim de ocorrência), pois poderia sofrer represália na medida de Internação. O adolescente seguiu as instruções e quando foi transferido para a Unidade de Internação, seu colega, A., seguiu para a mesma instituição que ele.

E. evitava qualquer tipo de contato com A. que durante algum tempo dificultou sua vida dentro da instituição e, algumas vezes, tentou colocar outros adolescentes internos contra E.

Outra pontuação feita quanto à violação de direitos que sofreu, diz respeito à sua educação. O profissional explica que quando E. chegou para cumprir a LA uma das primeiras providências foi tentar matriculá-lo e reaproximá-lo da escola. No entanto, como havia passado os últimos meses relativos à 8ª série do Ensino Fundamental II sem estudar, não conseguiria a matrícula para o Ensino Médio. Para o adolescente a situação se configurou como uma grande frustração e uma grande decepção, pois havia perdido o ano letivo por displicência do Estado.

O adolescente foi apreendido em meados de agosto, mas sua medida de Internação teve início, oficialmente, apenas em outubro por período indeterminado. Todos os pareceres produzidos pela equipe técnica da Unidade de Internação Provisória onde ficou durante esse período, atestavam que E. era um adolescente sem envolvimento infracional e que seu delito havia sido circunstancial; no entanto, mesmo que lhe recomendassem uma medida em meio aberto, passou sete meses afastado da sociedade.

E. lamentou-se muitas vezes diante do educador, dizendo que talvez, se conhecesse seus direitos, a história poderia ter se configurado de uma outra maneira frente aos aspectos mencionados. Isso significa que o adolescente só tomou conhecimento do que deveria ter sido feito a respeito de cada uma das situações com o passar do tempo na instituição de Internação.

Feitas tais pontuações temos mais elementos para pensar sua relação com as medidas sócio-educativas.

E. não se mostrava muito à vontade para falar. Suas frases eram curtas (principalmente no início da entrevista), cheias de pausas e o discurso que fazia não se desenvolvia sem as perguntas feitas a ele pela pesquisadora. Apesar de contido, algumas emoções apareciam em sua fala por uma leve alteração em seu tom de voz, enquanto sua feição mantinha-se quase inalterada – com exceção de algumas “caretas” e outros raros sorrisos. Havia um desconforto que logo foi notado e respeitado.

Quando o assunto era a Medidas de Internação, o desconforto ficava bastante aparente. Foi no discurso a respeito dessa medida que ele disse categoricamente que não gostava de ficar pensando muito, que somente ele sabia o que havia passado no interior da Febem e que pretendia apenas não

“aprontar” novamente. Seguiu sua fala com a temática do ato infracional, desviando, assim, do primeiro assunto.

Ainda na temática da Internação, além de verbalizar, demonstrava que o medo é o sentimento mais presente quando pensa na possibilidade de passar novamente por um período de reclusão. Dos relatos sobre quando cumpria a medida outro sentimento mobilizado fortemente é o de solidão.

A medida de LA é abordada por ele com um peso muito menor. Quando fala de seu início, fala do desconhecido, da dúvida e da insegurança. Com o passar do tempo relata uma maior apropriação da mesma, ficando mais tranqüilo e livre. No entanto, um dos aspectos que rege seu comportamento nesta medida e que aparece, inúmeras vezes, ligada ao seu cumprimento é o medo de retornar à Febem ou a qualquer outro lugar onde tenha interrompida sua possibilidade de ir e vir.

A medida de internação e/ou o medo que ela mobiliza em E. aparecem também quando fala sobre o que denominamos, enquanto focos de análise, de figuras significativas.

Ao falar da figura da irmã, demonstra uma profunda mágoa e sentimento de abandono. Mostra-se realmente ressentido por sua ausência nas visitas durante o período de sua interação.

Por outro lado, as outras duas figuras significativas – o pai e a namorada – são focos de cargas emocionais diferenciadas. Os sentimentos mobilizados por ambos podem ser considerados positivos.

O pai, mesmo cobrando e brigando com o adolescente, aparece sempre como uma figura de apoio, capaz de suportar as dificuldades ao seu lado e de escutá-lo em suas pontuações. Pela maneira que E. utiliza para referir-se à figura paterna, além de um amor originário da relação pai-filho, há muito carinho entre eles.

A namorada também aparece como uma figura de apoio para E., mas um apoio mais livre no sentido de ser uma escolha dele se render aos seus cuidados. Era quando falava de T. que aparentava estar mais solto e relaxado durante a entrevista, ainda que se utilizasse da figura dela para falar da internação e de sua postura já em LA. Foi falando dela que sorriu as poucas vezes durante a entrevista.

Sua relação com os antigos amigos configura-se em uma questão controversa, pois da mesma maneira que fica aliviado pela tranqüilidade de estar afastado deles, fica na janela assistindo ao que já foi sua relação. Transparece intenso desejo de estar ali interagindo e não somente afastado olhando. Ainda nesse viés social, aparece a saudade da escola, do lugar de encontros.

A escola também vem associada à expectativa de oportunidades para o futuro, juntamente com o aprendizado técnico. Nessa expectativa abre-se a possibilidade de dar continuidade aos projetos de futuro que vem traçando, para os quais vem buscando melhorar sua qualificação profissional.

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