• Nenhum resultado encontrado

Capítulo 2 – Os encontros com os adolescentes

2.1 A entrevista com E

2.1.2 Apresentação dos Focos de Análise

2.1.2.3 Tema: Medidas Sócio-Educativas

Foco: A Medida Sócio-Educativa de Internação e o Ato Infracional

Antes eu brincava muito. Tudo era brincadeira pra mim, eu não levava as coisas a sério! Depois que eu fui pra lá... Aí tive que fica mais quieto. Lá ninguém falava comigo! Ficava quieto. Porque quando eu cheguei, né, lá falaram do comportamento: “Quem tiver comportamento bom, você sai nos 45 dias”. Não saí! Aí falou: “Não, mas continua assim que você sai com 3 meses”. Continuei! Não saí! Aí falou assim: “Então você vai sair com 6.” Saí com 7!

Meu aniversário, Natal, Ano Novo... Tudo lá dentro! (...)A maior parte minha lá foi chorando!

Depois que eu saí de lá, não gosto de ficar pensando muito, não! Só eu que sei o que eu passei lá dentro. Não gosto do ficar repensando, não! Só o que eu pretendo é não aprontar de novo. Às vezes alguém chamava assim “Vamos que tem muito dinheiro!”. Aí cê pensava: “Será que vale a pena? O cara passar tudo que passou de novo?”. Aí você pensa, pensa e não vai! Deixar todo mundo aqui de novo, no sofrimento! Acho que não vale a pena não!

(...) Não é assim com quem passou por tudo que eu passei, porque quando eu me soltei, depois de uns 7 dias, os moleque foi preso. Aí saiu. 45 dias saiu da UI e continua, né?! Cada um... Têm uns que gostam, porque saiu em 45 dias. Aí pensa: “Se eu for preso de novo, vou sair em 45 dias de novo!”. Quando pegar uma internação vai saber como lá dentro é “bom”!

Outros quer mandar lá dentro também! Tem uns que quer mandar, mas não é nada lá dentro. E por aí vai! O que deu medo lá, foi quando o choque entrou! Nunca tinha visto, né?! Aí fiquei meio assustado, mas não deu nada, não!!!

O adolescente se refere à medida de Internação como algo que alterou sua maneira de ser e de se relacionar com o mundo. Conta que passou a levar as coisas mais à sério.

Ele fala, também, sobre como essa experiência foi difícil, intensa, triste e, em alguns momentos, assustadora. Diz que não gosta de ficar repensando a experiência e que apenas ele sabe o que passou na Febem, mas o único fato concreto que pontua é a entrada da Tropa de Choque na instituição.

Relaciona, ainda, diversas recusas de participar em novos assaltos às lembranças que tem de lá e diz que não pretende “aprontar” novamente. Acha que não é assim que acontece com todos que passam pela Febem e que aqueles que saem em 45 dias, não acham a experiência significativa.

Diz que mantinha bom comportamento na expectativa (alimentada dentro da fundação) de deixar a instituição em 45 dias, mas que estadia foi estendendo-se conforme os meses passavam.

Foco: A Medida Sócio-Educativa de Liberdade Assistida e o Ato Infracional

Fico com um pouco de medo ainda. De ser preso de novo. Às vezes, alguma coisinha que você vai fazer assim, você pensa, vê se vale a pena. Porque assim que eu saí, oportunidade não me faltou pra mim voltar a roubar! Todo mundo me chamava! Que nem quando eu cheguei lá em casa. No outro dia já tinha muleque lá em casa: “Vamo rouba!”. Não, não quero mais não! Saí de lá, eu ficava assim na janela do meu quarto, lá com a minha namorada, via todo

mundo passando de carro, moto... Eu ficava agoniado, com vontade, eu queria andar. Mas e o medo? Aí cê sobe em cima de uma moto, toma um enquadro, vai preso de novo! Aí cê fica meio com medo, né?!

À noite, assim, na hora de sair eu ficava meio naquelas... 22hs tem que tá em casa! Aí fui começando chegar 23hs, meia noite...

Eu não faço atividade nenhuma! Eu converso só com o educador18! Ele

pergunta mais do meu serviço, como é que tá, se tá sossegado... Lá em casa. Falo disso com ele. Outro dia ele tava falando comigo dos cursos.

Sobre as expectativas e sua compreensão à respeito da LA:

Falaram que era tranqüilo, falaram que só iam conversar comigo, saber um pouco da minha vida, visitar minha casa. Não falaram que ia controlar nada de mim, só falaram que era uma ajuda pra mim... Mais uma conversa.

Pra mim é tranqüilo! Eu só venho aqui, assino, converso com o educador, é tranqüilo! Quando eu tava lá dentro, eu achava que era um pouco difícil! O pessoal falava “Não, não gosto de ir lá”. Ninguém queria assinar, lá dentro. Aí eu pensava “Caramba, será que é tão ruim assim?”. Ficava pensando, né?! Aí eu cheguei aqui, o educador explicou pra mim, achei tranqüilo!

Melhor do que ficar lá dentro, né?! O sofrimento lá, acho que é bem maior! E. fala de uma relação muito menos estreita com a LA (em comparação à internação), no sentido de não estar participando de nenhuma das atividades que o Núcleo propõe por trabalhar durante o dia inteiro. Vai ao núcleo uma vez por semana para uma conversa individual com o educador e assinar a lista de presença que atesta sua participação na atividade que lhe cabe. Os principais temas das conversas, segundo ele, são seu trabalho e suas questões familiares e pessoais. Também pensam juntos em alternativas para o adolescente, como planos de futuro e cursos profissionalizantes.

Conta que durante algum tempo cumpriu a determinação do juiz de estar em casa até às 22 horas, mas que foi relaxando um pouco em relação à isso, com o passar do tempo.

Na compreensão de seu discurso podemos observar que estar em liberdade implica na recusa espontânea de alguns se seus desejos, de suas vontades. Diz que observa pela janela seus colegas andando de moto, de carro

18 Todas as vezes em que E. se referiu ao educador, utilizou seu nome num tom intimista. No

entanto, usaremos a palavra “educador” – que em momento algum foi pronunciada pelo adolescente – quando houver alguma refência ao mesmo, a fim de que a identidade desse profissional seja preservada.

e que isso deixa-o “agoniado”. Revela que também gostaria de estar vivendo aquilo, mas fala de (e demonstra) um grande medo de ser pego pela polícia fazendo algo que não deveria e retornar para a Febem. É esse mesmo medo que o fez recusar as oportunidades de voltar a roubas depois que readquiriu sua liberdade.

Fala, ainda, de sua expectativa em relação à medida em meio aberto, baseado naquilo que ouvia de outros adolescentes que conheceu na Febem. Pelo que falavam E. se perguntava se seria muito ruim estar em LA, no entanto, quando chegou ao núcleo, a explicação dada sobre o que seria a medida deixou-o mais tranqüilo. Compreendeu que seria uma ajuda para si e que não seria controlado.

Por último, pontua que estar na medida de LA é melhor do que estar na Internação, onde o sofrimento seria bem maior.

2.1.3 Sobre o modo de ser de E. na entrevista: impressões, percepções e

Documentos relacionados