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Capítulo 2 – Os encontros com os adolescentes

2.1 A entrevista com E

2.1.2 Apresentação dos Focos de Análise

2.1.2.2 Tema: Família

Foco: Figura Significativa – o Pai

Aí chego em casa e tomo outra bronca! “Você não quer trabalhar!”. Que nem, ontem eu vim pra cá, eu tava com dor de cabeça, a garganta ruim. Aí eu fui no hospital. Aí chegou meu pai: “E. você pensa que você é patrão, né?! Você quer faltar todo dia! Vai pro hospital, vem com uma desculpa”.

(...) Carro também! Antes eu saía direto! Agora eu parei. Depois que eu saí da FEBEM meu pai não deixa mais eu andar não! Tem medo da polícia parar e eu voltar de novo!

Uma coisinha de nada que você faz, pra ele, você já quer aprontar de novo! Qualquer coisa, pra ele, você já ta voltando pra aprontar!

Não queria que eu chegasse tarde. Se eu chegasse 22h10 ele já tava lá me esperando! Teve uma festa aqui na X(nome da rua), aí eu falei: “Eu vou lá!”, aí ele falou “1h eu quero você em casa!”. Aí eu cheguei 4h30. Ele tava lá, sentado lá no sofá me esperando! “Eu já falei pra você que é perigoso, que não sei o que...” Aí eu falei: “Não pai, é aqui a festa. É pertinho! Nem tô indo mais pra lugar nenhum!”, “Não, mas não quero! Espera acabar sua LA. Vamo vê como é que cê tá! Pra pegar confiança em você de novo vai ser difícil!”, ele falou!

Tava conversando com muita gente que meu pai não gostava. Aí ele começou a brigar comigo: “E. tu vai voltar pra essa vida de novo! Cê vai voltar!”. Aí ele começou a falar, falar e chorou. Foi aí que a gente teve uma conversa.

Antes, quando eu chegava às 22hs em casa (quando eu saí da FEBEM) ele já falava “Olha a hora, E., olha a hora!”. Depois que eu saí ele queria dar hora pra tudo! Aí eu falava “Olha, pai, também não é bem assim. Eu sei o que eu tô fazendo! Eu não quero voltar mais pra lá!”. Mas ele era desconfiado. Até que

eu tive essa conversa com ele. Aí ele botou mais uma confiança! (...) Meu pai me controlava mais que a LA!

Tá tranqüilo agora! Depois que a gente teve essa conversa ele ficou mais liberal!

Sobre as visitas no período de Internação:

Ele falava muito lá dentro: “Você vai sair! Você toma um rumo na sua vida!”, “Não fica brigando!”, “Fica mais dentro de casa, caseiro!”.

Ele não faltou nenhuma vez! Minha mãe não ia muito porque era de moto e ela tem problema na coluna, aí é ruim pra ela! Mas meu pai... Debaixo de chuva, de qualquer jeito ele ia! Se tivesse chovendo ele arrumava um carro pra ir! Meu pai não faltou nenhuma vez!

Era o que mais falava ele: “Se um dia você for preso, eu não vou te ver lá dentro!”. Foi o único que não faltou nenhum dia.

De acordo com o discurso de E., seu pai é seu maior laço familiar. Fala da figura paterna como alguém muito presente, preocupado, capaz de dar continência ao filho e apoio em um momento de deslize.

Mesmo afirmando que nunca iria visitá-lo caso algum dia fosse preso, acabou sendo a pessoa mais participativa nesse momento da vida de E.. Não deixava de ir a nenhuma visita, mesmo que as condições fossem adversas.

O adolescente enfatiza diversas vezes a postura rigorosa de seu pai, após sua liberação da Febem. Movido pela pouca confiança que depositava no filho e pelo medo de que ele descumprisse a medida em meio aberto – o que teria como conseqüência uma sanção –, passou a cobrar de E. um comportamento que estivesse de acordo com sua situação com o poder judiciário. Controlava seus horários – pois por determinação do juiz E. só poderia permanecer fora de casa até às 22 horas –, suas atividades e se preocupava com a influência de suas companhias.

Segundo E., a confiança de sue pai foi recuperada. Eles tiveram uma conversa na qual ambos se posicionaram e se entenderam. O adolescente demonstrou com muita certeza que não pretendia “voltar para aquela vida de novo” e se afastou das amizades que seu pai não aprovava. Também se propôs a trabalhar e pensar sobre seu futuro.

Ainda há alguma discordância no que diz respeito à contenção dos desejos de E.: o menino quer adquirir uma moto, mas seu pai insiste que isso só deve acontecer depois que ele completar 18 anos de idade e conseguir sua

habilitação. O pai também continua cobrando que ele seja responsável em relação à seu trabalho.

Foco: Figura Significativa – a Namorada (T., 15 anos)

Com a minha namorada eu fico todo dia: do serviço pra casa dela.

E quando chegava carta (na Febem), pra mim, da T.! Vish... Chorava muito! Muitas vezes lá dentro eu tive vontade de terminar com ela! Eu pensava: “Caramba! Ela ta lá, agora, sozinha, porque foi um erro meu!”. Não sei também, né?! Tinha a desconfiança! “Eu tô aqui dentro esse tempo todo....”.

Será que ela vai agüentar esse tempo todo? Um monte de gente aí na rua, solto, balada. E balada, então?! Quando eu ficava sabendo que tinha balada eu ficava doido lá dentro! Na minha rua teve festa do dia das crianças e ela foi. Foi com a minha irmã e eu fiquei bravo!

No começo, quando eu saí, teve. Ela ficava “meio assim”, ficava muito desconfiada! Aonde eu ia, ela queria saber. Ainda é assim, mas não é igual antes! Ela brigava muito! Principalmente, baladinha nenhuma! “Não! Não vai!”. Não quer que eu vô pra lugar nenhum!

Ela cuidava e controlava. Muitas vezes quando os outros me chamava ela dizia “Não. Fique aqui comigo!”. Hoje, quando eu tô com ela, se alguém vem me chamar, eu já falo: “Fala que eu tô com você e que eu não vou sair!”. Aí a gente fica lá juntinho! Quieto!

Todo dia a mãe dela fala “Vocês não se enjoa não? De se vê?”

A gente fala: “Mas se nóis casar um dia? Aí vai se vê todo dia também!” Eu e ela é muito apegado mesmo!

E. relata diversas fases de seu relacionamento com T.. Passaram seis meses juntos antes que ele recebesse a medida de Internação.

Ele conta que uma das coisas que lhe deu forças durante o período de reclusão foi o amor que sentiam um pelo outro. Por outro lado, fala da insegurança por estarem separados “por um erro dele”; por ela estar “solta”, freqüentando festas e outros espaços de socialização.

Relata uma postura de cuidado e controle por parte da namorada, que queria saber de todos os seus passos e impedi-lo de retornar à carreira infracional. Fala que, atualmente, aceita espontaneamente o apoio de T. para permanecer em casa, quando o chamam para a rua.

T. é outra figura que, além de significativa, é muito presente na vida cotidiana de E.. O casal está junto com freqüência e, no auge de suas

adolescências, pensam à respeito de um futuro compartilhado. As famílias se relacionam bem e aprovam o namoro.

A figura de T. é apresentada por ele como um ponto de apoio e afeto importantíssimo nesta sua nova etapa de vida.

Foco: Figura Significativa – a Irmã

Ela tem 24 anos. Eu não tenho uma relação mais boa com ela, não! Porque nóis era muito apegado. Onde eu ia ela queria ir! Qualquer festinha ela queria ir. Aí eu fui preso. Toda vez eu falava “Vem me ver, vem me ver, vem me ver!” e ela não ia! Mas ela tinha que trabalhar também! Aí ela saiu do emprego e eu falei “Vem me ver”! Aí ela não ia também! Foi me ver só uma vez só: no Natal! Aí outro dia eu tava lá em casa (...), ela veio falar num sei o que pra mim e eu: “Você não tem o direito de falar nada! Eu fui preso e você só foi me ver uma vez só!”. Aí, a partir desse dia eu fechei a cara pra ela! (...) Ela foi uma vez só! Eu pedia direto pra ela ir me ver.... ela nunca ia!

E. fala sobre a irmã que o visitou apenas uma vez durante os sete meses que permaneceu em Internação.

Relata que antes desse período eram muito apegados, mas que seus constantes pedidos por uma visita na Febem eram sempre ignorados. No início, o trabalho da irmã era utilizado como justificativa para tais faltas, mas, posteriormente, o trabalho deixou de ser um empecilho e ela continuava não comparecendo.

Atualmente, E. não tem uma boa relação com a irmã, para quem “virou a cara” após um desentendimento no qual pôde expor sua insatisfação e mágoa ocasionada por suas ausências nas visitas.

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