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TECENDO OS FIOS DA “MEADA”: A TRAJETÓRIA METODOLÓGICA DA TESE

1.1 Sobre tecelões, teares e fios: a pesquisa na ciência geográfica

A convicção de que um fenômeno não foi ainda tão bem analisado ou que é possível analisá-lo com maior aprofundamento é o que move a trajetória da elaboração de uma Tese de Doutorado. Para alguns, trata-se de um posicionamento sensivelmente modesto, enquanto para outros, de uma postura demasiadamente arrogante, dependendo do ponto de vista como tal afirmação é analisada. De fato, a elaboração do conhecimento científico requer uma gama considerável de adesões e pactos – teóricos, metodológicos e conceituais –, de modo a revelar a natureza de um dado fenômeno (seja ele social ou natural) cujas nuances sejam postas sob o crivo de determinações e regras, com a finalidade de identificar, desconstruir ou validar aspectos que permitam generalizar e/ou particularizar a materialidade daquilo que se configura como um problema de pesquisa.

A busca pela construção de conhecimento acerca de um dado fenômeno significa igualmente a adoção de uma opção política vinculada ao universo vivenciado pelo pesquisador, cujas decisões e parâmetros de pesquisa validam um método próprio de conceber os fenômenos, processos sociais e suas interações com a natureza.

O ato de pesquisar coloca múltiplos desafios porque condiciona a ação do pesquisador à descoberta da realidade. Demo (2011, p. 22) destaca que a

realidade que se quer captar é a mesma para todos, mas para captar é preciso concepção teórica dela, que pode ser diferente em todos, dependendo do que se define por ciência, por método, ou do ponto de

partida e do ponto de vista, ou da ideologia subjacente, ou de circunstâncias sociais condicionantes ou condicionadas por interesses históricos dominantes.

Ao longo de sua história, a Ciência Geográfica tem passado por profundas e sensíveis transformações, caracterizada por rupturas e permanências, ratificando a complexidade do pensar e analisar o espaço produzido e apropriado pelo homem. A divisão entre Geografia Humana e Geografia Física não tornou o fazer-Geografia uma tarefa fácil, levando a fragmentações/compartimentações que acabam por impedir aos geógrafos uma leitura totalizante de como se processa a produção capitalista do espaço.

A coalização de interesses entre o grande capital e o Estado – sujeitos mediadores do modelo hegemônico de desenvolvimento, mascarado de sustentável – escamoteia a barbárie intrínseca aos mecanismos utilizados para viabilizar a apropriação das terras e das águas na América Latina, nas últimas décadas e oblitera a consciência da população no sentido de legitimar os projetos desenvolvimentistas4 em execução. Conforme Silva (2011, p. 3, grifo do autor), a

[...] ‘idéia de desenvolvimento’ instituída como meta a ser alcançada por todas as sociedades nos mantém reféns da dicotomia superior- inferior, criada a partir da noção de raça, que no passado classificou a humanidade em civilizados-primitivos e no presente nos divide em desenvolvidos- subdesenvolvidos.

Novas epistemologias ocidentalizadas sobre desenvolvimento pulverizam ainda mais a totalidade espacial, num entrincheirado e fugidio processo de invisibilidade das populações, para quem o “desenvolvimento” significa opressão e cujo consentimento se faz a partir da interiorização de discursos externos, com o propósito de gerar opacidades e silêncios em relação às desigualdades sociais. Por outro lado, o enclausuramento aparentemente desaparece em virtude das mudanças espaciais provenientes dos investimentos em infraestrutura e tecnologia. Procura-se, por meio de ações dessa natureza, eliminar a imagem envelhecida de um determinado espaço, livrando-o de enraizamentos ressentidos, mas, em contrapartida, promove uma linearidade das formas, dos modos de vida e de sua função ante as demandas do mercado globalizado.

4 Há uma gama de autores (ALVES, 2014; GONÇALVES, 2012; CASTELO, 2012; SAMPAIO JR, 2012;

ALMEIDA, 2012 e PEREIRA, 2012) que vem analisando o atual contexto econômico-político brasileiro a partir das ações implementadas pelo Estado desde a década de 1990, iniciadas no governo de Fernando Henrique Cardoso até os massivos investimentos públicos em grandes obras (Programa de Aceleração do Crescimento, por exemplo) feitos pelos governos Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Roussef. Respeitadas as devidas particularidades, esses autores vêm discutindo os novos rumos do desenvolvimento no Brasil sob a perspectiva do novo (neo)desenvolvimentismo, analisando as estratégias adotadas pelo Estado e pelo capital para superar a crise financeira que assola o mundo e cujos desdobramentos afetam diretamente a economia brasileira.

No que tange à América Latina, entender as disputas pelos/nos territórios requer a capacidade de fazer correlações e mediações para dar conta da totalidade dos fenômenos e/ou processos, de modo a frear o anacronismo histórico e, por outro lado, ressaltar os “antagonismos sistêmicos insuperáveis” (MÉSZÁROS, 2007, p. 21) do sistema sociometabólico do capital. Ao priorizar, como recorte temático, as disputas territoriais devido ao acesso à água,

[...] poderemos abordar facetas ainda mais complexas para o futuro da sociedade, situações específicas do trabalho, novos vínculos e significados para o espaço geográfico, especificidades das disputas territoriais intrínsecas à luta de classes. (THOMAZ JUNIOR, 2011a, p. 20).

A preocupação com o método no âmbito da Ciência Geográfica não é um fenômeno recente. Humboldt (1845)5 procurou valorizar o método empírico e indutivo, baseado em experimentos e observações. Ritter (1818)6, por sua vez, procurou estabelecer um método para a Geografia baseado na simplificação e redução, caracterizado por ser globalizador e não analítico. Passado todo esse tempo, essa questão ainda não foi resolvida, não cabendo aqui uma digressão sobre o método na ciência geográfica7. Todavia, faz-se necessário destacar que, do método descritivo- quantitativo ao materialismo histórico-geográfico (HARVEY, 2012), a geografia sempre conviveu com a necessidade de aproximação com outras áreas do conhecimento.

No contexto atual, essa aproximação visa a atender, em parte, a irrevogável tarefa da Geografia de interpretar os fenômenos à luz das próprias condições históricas e sociais, bem como a dimensão espacial dos fenômenos e até mesmo a materialidade das forças produtivas/destrutivas no seio do capitalismo. Claval (2011, p. 305) nos lembra que o

movimento que conheceram as ciências sociais desde o início dos anos 1970 prossegue e aprofunda. Admite-se doravante que elas se enganam quando tentam se assemelhar à física ou a biologia: a sociedade não é uma máquina cujos movimentos seriam fáceis de descrever e de modelar; não é um organismo semelhante às plantas e aos animais. É feita de seres conscientes, que agem em função das representações que se fazem do real; o investigador tem mais a ganhar, aprofundando-se nas humanidades do que copiando as ciências materiais e da vida.

O caminho percorrido durante a elaboração desta tese levou em consideração os

5 Cosmos, composta por quatro volumes (Cf. CAPEL, 2008, p. 34). 6 Erdkunde (cf. CAPEL, 2008, p. 57).

7 Sposito (2004) faz uma síntese de como ocorreu a evolução do método na ciência geográfica e sua

domínios das novas formas de reparo social e temporal, por reconhecer a natureza provisória e fluída das configurações espaciais, sociais, econômicas e culturais que envolvem o fenômeno em questão, ou seja, a expansão do agrohidronegócio8 e as disputas territoriais no Semiárido baiano. A nova lógica de concepção do espaço, pautada no movimento e na fluidez, torna, por um lado, obsoletos os espaços, os sujeitos e os modos de vida que não estejam em conformidade com os projetos desenvolvimentistas pós-modernos e/ou que não projetem as luzes de tais projetos (HARVEY, 2010). Por outro, o entrecruzamento contraditório e conflituoso entre o moderno e o “arcaico”, entre o território camponês e o território do agrohidronegócio coloca em evidência a sobreposição de sujeitos e de perspectivas político-econômicas distintas, compondo um quadro extremamente complexo no cerne da geografia, centrada na preocupação com o espaço social. O espaço como materialidade do movimento e do conflito9, e o ser social como sujeito das transformações em sua constante relação com a natureza, constituem a expressão da totalidade-síntese dos contrários, condição essa extremamente desafiadora para os geógrafos que se propõem a pensar a produção/apropriação do espaço a partir do desenvolvimento em espiral (SPOSITO, 2004, p. 63).

O Semiárido baiano com suas transmutações em virtude da territorialização do capital torna-se uma condição histórico-geográfica no processo de desvelamento do cenário construído/apropriado pelos sujeitos que nele vivem e se reproduzem, exigindo do pesquisador um esforço epistemológico para capturar o movimento da totalidade socioespacial (a estrutura, a organização, as estratégias e as disputas). Pretende-se, assim, colocar em debate as tramas e urdiduras do capital no território do Semiárido baiano, reconhecendo que “não há esforço crítico sem risco” (SANTOS, 2008a, p. 25), tendo como ponto de partida a organização dos espaços de vida e de reprodução dos “camponeses caatingueiros.” (DOURADO, 2010).

Atualmente, no âmbito da geografia, as pesquisas qualitativas têm ganhado

8 Nossa inspiração para a discussão sobre o conceito de agrohidronegócio tem sua gênese nas obras de

Torres (2007), Mendonça e Mesquita (2007) e Thomaz Junior (2009). O avanço sobre a compreensão e consolidação conceitual daquilo que entendemos como agrohidronegócio tem nos desafiado a considerar as rupturas e disputas no cerne da expansão do grande capital no campo e seus rebatimentos sobre a cidade, mais especificamente sobre os trabalhadores no contexto da reforma agrária e da soberania alimentar, sem desconsiderar, todavia, o papel do Estado por meio das políticas públicas, haja vista que estas são instrumentos mediadores importantes para o agrohidronegócio.

9 De acordo com Fernandes (2008b, p. 198, grifo do autor), o conflito “é o estado de confronto entre

forças opostas, relações sociais distintas, em condições políticas adversas, que buscam por meio da negociação, da manifestação, da luta popular, do diálogo, a superação, que acontece com a vitória, a derrota ou o empate”.

destaque, abarcando diversos tipos de enfoques teórico-metodológicos, aspecto revelador de sua riqueza e complexidade, o que requer, por sua vez, aproximações com outras áreas do conhecimento, como a antropologia e a sociologia, pelo pioneirismo destas na utilização da pesquisa qualitativa. Tendo como pressuposto a apreensão do espaço social, construído e transformado a partir das relações sociais, entendido aqui como produto e processo do movimento do real, a presente pesquisa assume um caráter eminentemente qualitativo por

[...] incorporar a questão do significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às relações, e às estruturas sociais, sendo essas últimas tomadas tanto no seu advento quanto na sua transformação, como construções significativas. (MINAYO, 2006, p. 18).

Nesse campo, a geografia do trabalho tem se ocupado em desenvolver pesquisas focadas no desvelamento das contradições do processo sociometabólico do capital (no campo e na cidade), numa clara proposta de atualização dos referenciais marxistas. Segundo Thomaz Junior (2010a, p. 226),

[...] há uma blindagem às ponderações que põem em questão a atualidade e complexidade dos antagonismos não serem os mesmos da época de Marx, entre burguesia e proletariado e, portanto, com pouca capacidade explicativa da realidade do trabalho do século XXI. Ou ainda, as contradições de hoje, do século XXI, nos remetem à ebulição que povoa o universo do trabalho, ou as diferentes formas de expressão do trabalho, que expressam os novos conteúdos das contradições do capital, e com ele se antagonizam.

Corroboramos essa perspectiva acerca da ciência geográfica por entender que, na atualidade, o arrefecimento decorrente dos referenciais (teórico-metodológico- conceituais e políticos) marxistas acaba por engessar a abordagem dos fenômenos e/ou processos, havendo, pois, a necessidade de se fazer a crítica da crítica, para avançar na compreensão da totalidade espacial, superando a rigidez interpretativa acerca das clivagens e contradições materializadas no território. Nessa empreitada, a construção de uma geografia do trabalho encampada por Thomaz Junior (2003, 2008a, 2008b, 2008c, 2009, 2010c, 2010d, 2011ª, 2011b) tem exigido a aproximação com sociólogos (ANTUNES, 2004, 2005, 2009; ALVES, 2001), filósofos (MÉSZÁROS, 2007), cientistas políticos (MARX, 1982), bem como outros geógrafos tais como Moreira (2007a) e Mendonça (2004). Ainda nesse universo de abordagem, Thomaz Junior (2008b, p. 343, grifo do autor) adverte que

[...] mais do que romper com as blindagens teóricas, refazer os caminhos da dinâmica geográfica do trabalho, repensar as novas territorialidades, enfatizamos o papel central dos movimentos sociais,

nas nossas pesquisas, sendo, pois, essa a possibilidade para darmos continuidade à nossa disposição de consolidar o trabalho como um tema da Geografia, e a Geografia do trabalho uma aposta na compreensão crítica (autocrítica) da sociedade atual, para além do capital.

Da mesma forma, há o cuidado em apreender as continuidades e descontinuidades do espaço, por concebê-lo (aqui entendido como elemento anterior ao território) como resultado de processos históricos e cujas rugosidades (SANTOS, 2008b, p. 259) trazem em si a materialidade e a modernização dos fenômenos sociais, influenciados diretamente pelo metabolismo social do capital. A reestruturação produtiva do capital tem ocasionado a plasmagem de sujeitos e processos, a fragmentação social e, consequentemente, a pulverização das ações e reivindicações, dificultando assim a compreensão das lutas bem como a espacialização das disputas territoriais, como é possível verificar na área de pesquisa quando a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), as comunidades do Baixio de Irecê e os Salitreiros10 atuam de forma fragmentada, mesmo quando o objetivo é o mesmo, ou seja, o direito à terra, ao território e à água. Nesse mundo de convergência/divergência é possível verificar que as lutas travadas pelos camponeses contra os empreendimentos executados pelo Estado para garantir a segurança hídrica ao grande capital carecem de um fortalecimento da ação política, evitando assim a confusão sobre quem são os alvos e para onde deve ser direcionada a ação emancipatória.

O que comumente tem ocorrido é uma desconexão entre a forma de pensar e agir dos camponeses e seus interlocutores (leia-se MST e CPT) que passam a lutar entre si, fortalecendo ainda mais o poder do Estado e do grande capital. Por conta dessa fragmentação das ações anticapital, a capacidade de contestação acaba dissipando-se em virtude da incompreensão de que o embate deva ser feito por meio da luta de classes. Todavia, essas mesmas ações fragmentadas revelam o interesse coletivo em lutar pela terra e pelo território, expressando haver consciência de classe no âmbito da organização social das comunidades11 atingidas pelos projetos de irrigação Baixio de

10 Os moradores das comunidades localizadas às margens do rio Salitre, nos municípios de Campo

Formoso e Juazeiro, autodenominam-se salitreiros, como forma de reafirmação da identidade com o rio, constituindo também um elemento de resistência e enfrentamento à expansão do capital bem como à ação do Estado na região. A bacia do rio Salitre, afluente do rio São Francisco, é marcada por conflitos pelo acesso à água devido à chegada de irrigantes do Centro-Sul do país e da região de Cabrobó (PE) que migraram para a região na década de 1970/80, em função da valorização das terras naquela região.

11 O conceito de comunidade possui uma amplitude epistêmica, envolvendo inclusive territorialidades

Irecê e Salitre. Em se tratando da construção da consciência de classes, Mészáros (2008, p. 72, grifo do autor) expõe que o

desenvolvimento da consciência de classe é um processo dialético: é uma “inevitabilidade histórica” precisamente na medida em que a tarefa é realizada através da mediação necessária de uma atuação humana autoconsciente. Isso requer, inevitavelmente, algum tipo de organização – seja a constituição de partidos, ou de outras formas de mediação coletiva – estruturada segundo as condições sócio-históricas específicas que predominam em uma época particular, com o objetivo estratégico global de intervenções dinâmicas no curso de desenvolvimento social.

Por outro lado, essa complexidade do movimento do real coloca como desafio para a ciência geográfica de base marxista a necessidade de avançar no entendimento da concepção do que seria a classe trabalhadora hoje, partindo da premissa de que os camponeses se juntem ao proletariado das fábricas/indústrias, integrando esse universo como sujeitos com potencial revolucionário/emancipador. Para os marxistas clássicos, a revolução seria feita apenas pelos trabalhadores das fábricas, por entenderem que a capacidade de resistência dos camponeses à superexploração impediria que estes buscassem a organização para lutar contra a estrutura de dominação social. De fato, seria incoerente conceber a classe trabalhadora (e consequentemente a sua conceituação) a partir de uma perspectiva rígida e estática, visto que esta se refaz cotidianamente e sua historicidade revela as redefinições dos significados do ser que trabalha. A plasticidade das diferentes expressões do trabalho humano ganha novo significado nesse limiar de século XXI, muito embora seja importante destacar a inexistência de concordância entre os marxistas sobre esse assunto, pois alguns teóricos apresentam-se resistentes à atualização da formulação do conceito de classe trabalhadora, com destaque para Lessa (2007). Para esse autor, não há

qualquer necessidade de novas categorias acerca do trabalho, do trabalho abstrato, do trabalho abstrato produtivo e improdutivo, do fundamento das classes sociais a partir do local que ocupam na estrutura produtiva, etc. para a crítica revolucionária do mundo em que vivemos. Tais categorias, tal como formuladas originalmente por Marx, são rigorosamente atuais, imprescindíveis e suficientes. (LESSA, 2007, p. 313.).

sociais pautados em relações de parentesco, vizinhança, religiosidade e localidade. Especificamente no caso desta pesquisa, as comunidades tratadas tornaram-se, em função da grilagem de terras (1970/1980) e da ação do Estado (1970 até a atualidade), espaços de luta em busca de permanência no campo e de reprodução da família. Nesse contexto o território (de vida, de trabalho e de identidade) é construído a partir do modus vivendi sertanejo e camponês, sofrendo interferências externas por parte do Estado e dos agentes do capital a partir da criação de condições necessárias à territorialização e expansão do agrohidronegócio nas regiões do Médio e Submédio São Francisco.

Numa perspectiva diferente e que corroboramos, Thomaz Junior (2013a) defende a necessidade do alargamento conceitual tanto do termo trabalho quanto de classe trabalhadora. Segundo esse autor, é cada vez mais difícil

afirmar e sustentar empírica e teoricamente que o proletariado é a única classe da sociedade burguesa que continua produzindo o conteúdo material da riqueza, através da transformação da natureza, com fins à reprodução social e, portanto, portadora exclusiva do significado da revolução. (THOMAZ JUNIOR, 2013a, p. 31).

A esse respeito, Antunes (2005, p. 52) defende a necessidade de ampliação do conceito de classe trabalhadora como forma de abarcar sua nova morfologia, inserindo nesse universo o “proletariado rural, os chamados bóias-frias das regiões agroindustriais”, sujeitos com presença marcante nas áreas dominadas pelo agrohidronegócio. Todavia, Thomaz Junior (2012, p. 226-7) alerta para o fato de

[...] não haver a menor possibilidade, por exemplo, de se utilizar as teses defendidas por Antunes, Mészáros, Alves, Francisco de Oliveira, para se entender o movimento da sociedade como um todo, porque esses autores não dão conta das relações não capitalistas, ou seja, não focam, por exemplo, o campesinato.

Vê-se que o debate travado pelos autores supracitados é profícuo e caracterizado por divergências, aspecto que o torna bastante complexo e enriquecedor, permitindo a reflexão sobre as questões contemporâneas acerca do trabalho, como condição ontológica do ser social. Como forma de entender a estrutura dominante da sociedade capitalista, defendemos que a unificação desses sujeitos é crucial para o avanço das ações emancipatórias, pois revela as modificações históricas dos fenômenos sociais. No plano político e ideológico, representa o fortalecimento organizativo necessário para a apreensão dos mecanismos de dominação, além de avançar na desconstrução das fronteiras de classe, na medida em que uma ação reivindicatória não suprime necessariamente a luta de outro segmento social que se encontra unificado justamente pelas relações de classes.

Nesse sentido, há um longo caminho a ser percorrido na busca pela superação das lacunas teóricas existentes acerca da nova morfologia da classe trabalhadora, em função do hibridismo inerente aos sujeitos que compõem o mundo do trabalho na atualidade, cuja realidade revela a plasticidade e a mobilidade do trabalho (THOMAZ JUNIOIR, 2011b). A “pureza” do camponês deu espaço a um sujeito híbrido que ora é camponês, ora é operário, proletário (mototaxista, diarista nas agroindústrias e fazendas, biscateiro, ambulante, trabalhadores sem terra ou com pouca terra), como destaca

Thomaz Junior (2006) e esse processo é fomentado pela crise e pela consequente reestruturação do capital.

Esse hibridismo do ser camponês foi verificado na área da pesquisa, por meio das entrevistas realizadas com as populações atingidas pela implantação dos perímetros irrigados Baixio de Irecê e Salitre. É comum encontrar nas comunidades ribeirinhas do Baixo Salitre pessoas que trabalham temporariamente nas lavouras do Projeto Salitre como diaristas, caseiros, motoristas, entre outras funções. De acordo com Thomaz Junior (2011a, p. 15) “[...] seja nos campos, seja nas cidades e seus respectivos processos rurais e urbanos, é necessário reconstituir os mecanismos que marcam o fluxo constante de sentidos, significados, conteúdos materiais e subjetivos de classe”. Nesse sentido, a ação expansionista do agrohidronegócio tem colocado cada vez mais os camponeses nas trincheiras do combate (político, ideológico), contra as investidas do