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Tramas do Agrohidronegócio e reorganização territorial do Semiárido baiano

TRAMAS DO AGROHIDRONEGÓCIO E A QUESTÃO AGRÁRIA NA BAHIA

3.1 Tramas do Agrohidronegócio e reorganização territorial do Semiárido baiano

O desafio de analisar a conformação do agrohidronegócio exige conceber tal processo numa perspectiva integradora, tanto do ponto de vista de sua espacialização e materialização no território quanto em suas articulações político-ideológicas porqueo mesmo se encontra envolto no manto desenvolvimentista cujo caráter “civilizatório” exige que o espaço seja reorganizado para viabilizar sua expansão destrutiva. O fenômeno expansionista do agrohidronegócio abrange múltiplas questões, desde a posse da terra até os efeitos destrutivos da intensificação da exploração e precarização do trabalho, num ambiente cuja aura reluz modernidade, eficiência e desenvolvimento. Irrefreável, o capital, em sua mobilidade destrutiva, vai costurando o tecido espacial para criar as condições necessárias à sua territorialização, numa meticulosa articulação envolvendo o Estado e as elites regionais, de modo a criar vínculos locais para facilitar seu estabelecimento numa dada região.

e programas sejam alcançados, ao passo que a movimentação do capital pelo espaço reflete uma tendência mundial de seu metabolismo social em marcha para as áreas ainda pouco exploradas e/ou com um potencial promissor para a produção de mercadorias. Sob o escopo de gerar riquezas, emprego e renda, o capital disputa territórios com camponeses e populações tradicionais, agora conclamados a “usufruírem” dos benefícios do mundo moderno e de todas as (des)realizações inerentes à realidade atual em que predominam as relações capitalistas de produção (e de descarte dos trabalhadores), cujos valores éticos e morais passam a ser monetarizados e definidos em função do lucro. De maneira geral, a territorialização do capital nos lugares é marcada inicialmente pelo aumento do número de empregos (fase inicial de implantação dos canteiros de obras e das plantas agroprocessadoras) e, em seguida, pela sua consequente e imediata redução, num fenômeno caracterizado pela dilatação-contração do mercado de trabalho. O discurso respaldado na geração de emprego e renda é uma base importante para convencer as populações locais sobre os benefícios advindos da chegada do “estranho”.

Nesse universo marcado por profundas contradições e pela reificação das relações sociais de produção ante à falsa ideia de “autonomia” atribuída ao capital, faz- se urgente debruçarmos sobre os espaços de expansão do agrohidronegócio na região Nordeste do Brasil e, de modo particular, no Semiárido baiano, por entendermos que tal fenômeno sublima o paradigma desenvolvimentista e fortalece, entre os sujeitos, a concepção de inevitabilidade do progresso sob os moldes atuais, com profunda aversão aos modos de vida (e expressões do trabalho) que fogem radicalmente das formas (des)realizadas do trabalho cujo modelo colonial de apropriação e organização espacial gera disputas territoriais e de classes.

Na atual configuração do agrário brasileiro, a hegemonia do “latifúndio moderno-colonial” (PORTO-GONÇALVES; CUIN, 2013, p. 18) tem sido sustentada por políticas públicas voltadas para garantir a segurança hídrica bem como para criar as condições de acomodação das plantas agroprocessadoras e facilitar o escoamento da produção.Se por um lado o Estado atua no sentido de absolutizar a importância da modernização da produção agrícola, enfrenta, em contrapartida, resistência às ações levadas a cabo para eliminar as formas de produção e de ocupação do espaço pautadas em pressupostos obstaculizantes ao desenvolvimento das forças produtivas no campo. Thomaz Junior (2010, p. 97) ressalta que de

las,possibilita ao capital condições para a prática da irrigação, o que reforça e intensifica a expansão territorial sobre as melhores terras para fins produtivos. Ou seja, o acesso às terras, seja pela titularidade (legal ou grilada), seja por meio de contratos de arrendamento etc., é a garantia que o capital, identificado como agronegócio (grandes grupos econômicos nacionais e transnacionais), requer para reproduzir-se e apropriar-se dos meios de produção e controlar o tecido social, mediante o acionamento dos dispositivos das esferas da produção, da circulação, da distribuição, do consumo, bem como especulativos.

No centro desse fenômeno estão as ações que colocam em trincheiras opostas trabalhadores versus capital, revelando as fissuras no interior das políticas públicas e dos projetos desenvolvimentistas executados pelo Estado. Na rota do desenvolvimento estão populações tradicionais, camponeses, indígenas, entre tantos outros sujeitos, considerados “opositores bárbaros” ao processo expansionista do capital em sua tentativa de controlar as terras planas, férteis e com disponibilidade hídrica, como é o caso das áreas onde estão localizadas as dezenas de perímetros irrigados no Semiárido nordestino, revelando “[...] o conteúdo e os significados do processo expansionista do agronegócio em geral.” (THOMAZ JUNIOR, 2010a, p. 96).

A territorialização do agrohidronegócio dá-se a partir de uma perspectiva desintegradora. O start inicial desse fenômeno representa uma evolução do agronegócio, com dependência direta dos recursos hídricos em decorrência da

commoditização da agricultura, inclusive de regiões até recentemente ocupadas com

lavouras para o autoconsumo. Terra e água são, no contexto da agricultura modernizada, indissociáveis para a racionalidade do capital, cuja expansão vem ocorrendo por áreas historicamente caracterizadas por déficit hídrico, fazendo aflorar, em meio à região semiárida, verdadeiros oásis com uma agricultura irrigadatecnificada. Já na década de 1970, vales e chapadas em toda a extensão semiárida, desde Minas Gerais até o Maranhão, foram alvos de investimentos públicos que promoveram uma valorização das terras e despertaram o interesse do capital (agora financeiro e transnacionalizado). Inicialmente a preocupação era liberar a terra sob o jugo da agricultura camponesa, utilizando para tanto medidas legais, como é o caso da Política Nacional de Irrigação que não contempla a construção de perímetros irrigados para reforma agrária.

Com a consolidação da irrigação no Nordeste semiárido e em virtude da própria mobilidade do capital em busca de novas áreas a serem incorporadas ao processo produtivo, houve alterações profundas na dinâmica territorial das regiões onde estão localizados os perímetros irrigados. Os impactos são os mais diversos, encimados na

supervalorização da geração de emprego e renda, enquanto outros efeitos foram, em contrapartida, invisibilizados e somente agora passaram a ser mensurados, como o uso intensivo de agrotóxicos e todos os perigos decorrentes dessa prática (surgimento de doenças, contaminação da água), danos ambientais, segregação socioespacial, flexibilização e precarização das relações de trabalho, especulação imobiliária, entre tantos outros. Sobre os desdobramentos negativos do atual modelo de agricultura em franca ascensão no Semiárido nordestino, Rigotto et al. (2013, p. 67) relatam que o

uso intensivo de agrotóxicos é consequência da forma de produção do agronegócio que parte do desmatamento e da destruição da biodiversidade dos biomas para implantar o monocultivo de commodities em grandes extensões, através da imposição de intenso ritmo de produção à terra. Faz parte das transformações em curso nos processos de produção e nas relações de trabalho no campo, a partir da mecanização agrícola, da superexploração da força de trabalho e da introdução da biotecnologia com organismos geneticamente modificados, como é o caso dos transgênicos. Fortemente apoiado pelas políticas de desenvolvimento agrícola dos governos (financiamento, infraestrutura, flexibilização da legislação, impunidade, entre outros), este complexo de sistemas agrícolas, industriais, de mercado e financeiro controlado por corporações transnacionais, gera impactos que repercutem sobre toda a população brasileira.

Os resultados das pesquisas realizadas por Rigotto et al. (2011, 2012) no estado do Ceará, mais especificamente no município de Limoeiro do Norte, Chapada do Apodi, são bastante emblemáticos sobre os efeitos nefastos do agronegócio para o ambiente e para a saúde dos trabalhadores e da população que vive no entorno dos perímetros irrigados. O atual modelo de agricultura privilegiado pelas políticas públicas e projetos desenvolvimentistas postos em execução no Semiárido corrobora o papel assumido pelo Brasil no cenário mundial, como um dos maiores produtores de commodities para exportação, num contexto de dominação do capital transnacional, altamente vinculado aos “conglomerados agro-químico-alimentares-financeiros.” (THOMAZ JUNIOR, 2010d, p. 98). De modo marcante, o agrohidronegócio tem provocado movimentos de territorialização, desterritorialização e reterritorialização do trabalho, no campo e na cidade, colocando inúmeras travagens para os trabalhadores e camponeses que passam a sofrer os efeitos da superexploração da mão de obra, bem como a dissolução de modos de vida tradicionais frente à imposição de novas relações fundamentadas na produção de mercadorias e na extração da mais-valia.

Muitos camponeses desterreados pela implantação dos perímetros irrigados acabam retornando a esses mesmos espaços, agora como mão de obra assalariada, fato

verificado nas comunidades do Baixo Salitre, em Juazeiro. Isso, por sua vez, não ocorre mediante a posse da terra, dando-se exclusivamente através da venda diária da força de trabalho. Um segundo grupo consegue inserir-se nos perímetros irrigados através dos processos seletivos, tornando-se irrigantes. Algum tempo depois, porém, muitos, não conseguindo adaptar-se à agricultura irrigada sob os moldes empresariais, acabam desistindo dos lotes. Sobre essa questão, Pontes et al. (2013, p. 3217) reforçam que os camponeses,

expropriados de suas terras por conta da pressão exercida pelos latifundiários, veem-se diante da alternativa infernal de aceitar o emprego oferecido na grande empresa, passando de trabalhadores autônomos para assalariados do agronegócio. Evidencia-se ainda a sazonalidade nos vínculos trabalhistas, com contratos que duram somente seis meses, correspondentes ao período da plantação até a colheita dos frutos, momento em que a empresa necessita de mais mão de obra. Ao final desse período, grande parte dos trabalhadores é demitida, configurando-se assim uma - força de trabalho descartável.

Há também aqueles que retornam aos territórios do agrohidronegócio (leia-se perímetros irrigados) na condição de acampados, fato que revela a pluralidade de fenômenos no âmbito da questão agrária no Semiárido nordestino, conforme detectamos no Projeto Salitre, através do acampamento Abril Vermelho. As ocupações feitas pelos camponeses nos perímetros irrigados revelam as tensões, fissuras e conflitualidade no cerne dos projetos desenvolvimentistas executados pelo Estado, revelando também o caráter destrutivo do sistema de acumulação capitalista.

Devido à revalorização da agricultura irrigada pelo Estado nos anos de 1990, ocorreu o resgate dos projetos hídricos no Semiárido brasileiro com a construção de diversos perímetros irrigados e a modernização de muitos já existentes, por meio de vários programas governamentais como o PAC. Nesse contexto, terra e água assumem conotações antagônicas para camponeses e para empresas do setor frutícola, representando para os primeiros, terra e água de trabalho, ao passo que, para o segmento empresarial, trata-se de uma forma de obtenção de lucros e extração de mais-valia, mediante a subtração das riquezas oriundas da exploração da força de trabalho, da terra e da água.

Eivada de contradições, a territorialização do agrohidronegócio ocorre por meio da integração entre espaço, território, lugar e paisagem, num processo de coalização de forças políticas e econômicas, com diversos desbobramentos (Organograma 2).