• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO II O SUCESSO ESCOLAR DE MINORIAS

2.2 Alguns trabalhos de investigação sobre a escolarização de ciganos

2.2.2 A Socialização e Educação Familiares

Como é salientado por Mendes (2005:114), o conceito de educação no grupo étnico cigano remete para a educação em família, sendo esta ―(…) a unidade base da sua organização social, cultural, económica e afectiva‖. No seio desta educação familiar é dada prioridade às ―qualidades e os valores que contribuem para a manutenção e persistência do grupo familiar e étnico, bem como as que permitem a adaptabilidade e a independência do sujeito face ao ‗ambiente social estranho‘ ao grupo cigano‖.

As regras e valores que são adquiridos no processo de educação familiar, no seio da comunidade cigana, afectam a relação que estes estabelecem com a escola. Como refere Casa- Nova (2006:14)

―O ritmo de vida das crianças é pautado pelo ritmo de vida dos adultos, as suas formas de vivência do quotidiano são pautadas pelas formas e conteúdos de vivência do quotidiano dos adultos: ao nível do ritmo das feiras, das festas, dos horários das refeições, das horas para dormir, das redes de sociabilidade…Estes e outros factores influenciam as formas de percepção espacial e temporal, organização mental e estruturação de pensamento das crianças, processando-se estas de maneira diferente daquela que é exigida pela escola tal como se encontra actualmente configurada, exigindo intensos processos de reconfiguração do habitus para se adaptar à disciplina escolar‖.

Ainda de acordo com a autora, o facto da maioria das crianças ciganas não frequentarem creches e jardins de infância, faz com que não exista ―uma sincronia de processos diferenciados de socialização primária, ou seja, uma socialização primária familiar simultânea com socializações primárias em outras instituições educativas‖ (Casa-Nova, 2004:98).

As crianças são socializadas e educadas num ambiente familiar e profissional próprio, ―incorporando naturalmente um habitus étnico16 através da observação dos comportamentos do grupo de pertença, construindo uma identidade étnica que, passando a fazer parte do seu comportamento quotidiano, condicionam os seus estilos e oportunidades de vida.‖ (Id.:99). Para Casa-Nova (2008b:30), ―As atitudes e comportamentos da etnia cigana em relação à escola derivam da existência de um habitus étnico, construído fundamentalmente durante os processos de socialização primária.‖

Ainda com base no trabalho desenvolvido por Casa-Nova (2006), no que se refere à socialização e educação familiares, a autora refere que ―as crianças desenvolvem-se num

16 ―Este habitus étnico é incorporado desde a infância através da observação das práticas, da linguagem corporal e das produções discursivas dos

adultos e exteriorizado nas práticas culturais quotidianas, sendo responsável pelos estilos e oportunidades de vida dos membros desta comunidade‖ (Casa-Nova, 2006:167).

ambiente familiar e comunitário pouco sensível (embora não hostil) à escola, onde esta aparece com uma importância relativamente marginal face às restantes actividades do quotidiano‖ (Id.:166). A autora (id.: 166-167) acrescenta que

―Não é que as famílias e crianças ciganas não gostem, não considerem importante ou resistam à escola; é que esta ainda não foi considerada como suficientemente significativa (embora possa ter sido percebida enquanto tal) para, de forma durável e não episódica, fazer parte dos seus projectos

e quotidianos de vida. Ou seja, o seu habitus primário é ainda maioritariamente estruturado num

entorno familiar propiciador de determinados comportamentos e atitudes em relação à escola, uma vez que esta aparece frequentemente como estranha dentro do seu universo familiar, traduzindo-se num certo desconforto ao nível da frequência escolar‖.

Smith (1997) também chama a atenção para o facto de a socialização das crianças ciganas, como já referimos, ocorrer no grupo familiar, sendo neste contexto que ―A identidade de uma criança é moldada pelas normas, pelos valores, e pelos comportamentos da cultura em que ela ou ele são criados‖ (Id.:1). A autora sustenta que a socialização da criança cigana e o processo educativo são caracterizados pela educação na comunidade. As crianças ciganas desenvolvem a auto-confiança e os valores num ambiente onde são incentivadas a ser independentes, raramente são punidas e ajudam nas actividades económicas da comunidade.

De acordo com Smith (Id.:244), a população cigana reconhece a importância da literacia dos seus filhos na sociedade actual, ―até as necessidades mais básicas, tais como a obtenção da carta de condução, o preenchimento de um formulário da Segurança Social, ou ainda solicitar uma autorização de residência exigem literacia‖. Embora haja este reconhecimento por parte da população cigana, a autora considera que a educação tal como esta é concebida pela sociedade maioritária não parece responder às necessidades das crianças ciganas, ―O ambiente controlado e confuso da sala de aula não deixa espaço para a independência, criatividade e orgulho na herança cultural cigana‖ (Id.:254). Para Smith é importante alterar o sistema de ensino de modo a que este ―tenha em atenção os problemas estruturais que as crianças ciganas enfrentam na escola como a pobreza e o racismo, e que reconheça a socialização e educação da criança cigana‖ (Id.Ibid.).

O conhecimento das percepções dos pais face à escolarização dos seus filhos é fundamental para compreendermos a relação que estes estabelecem com a escolarização. Casa- Nova (2002) refere que para alguns pais ciganos a escola aparece como uma forma de melhoria do estatuto social, de mobilidade social ascendente dos seus filhos.

Bhopal (2004) considera também que existe o reconhecimento, por parte dos pais, de que ―os seus filhos têm muito a ganhar em capacidades e qualificações que serão úteis no futuro para assegurar um emprego‖ (Id.:52-53). Contudo, a autora indica que ―Alguns pais não estão convencidos de que a escola seja o melhor lugar para as suas crianças serem educadas e acreditam que alguns conteúdos educativos possam ser irrelevantes para as crianças ciganas‖ (Id.:53). Têm inclusive medo que os seus filhos sejam expostos a certas ―imoralidades‖, incluindo o sexo e a droga (Id.).

A autora conclui que, efectivamente, há pais que desejam que os seus filhos prossigam os estudos, contudo também constata haver outros pais para os quais basta que os seus filhos aprendam a ler e a escrever, de modo a exercer a profissão familiar. Bhopal acrescenta ainda que a falta de sucesso dos ciganos na educação ―(…) reflecte a história dos governos que falham na adopção de políticas apropriadas e efectivas‖ (Id.:61), e que é necessário que sejam adoptadas políticas para a inclusão e para o sucesso escolar dos ciganos. A autora refere ainda que as ―escolas devem desenvolver políticas que assegurem aos pais que os seus filhos estão seguros e protegidos no ambiente escolar‖ (Id.: 62).

2.2.3 Educação familiar cigana e educação escolar: duas realidades em (des)encontro?