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Este capítulo tem como objetivo apresentar uma das vertentes teóricas que instrumentalizam a análise empírica desta tese.

A linguística pós-sessenta é caracterizada pela ampliação das abordagens de estudo, motivada com a publicação póstuma de Saussure, o Curso de Linguística Geral, em 1916. As críticas formuladas à visão de língua de Saussure como uma estrutura dicotômica (língua/fala, social/individual, sincronia/diacronia) mobilizou outros pensadores na tarefa de explicar o objeto da linguística. Como afirma Lucchesi (2004),

Em seu projeto de organizar a lingüística em torno da apreensão sistematizada da dimensão estrutural do fenômeno lingüístico – ou seja, para realizar (i) –, Saussure responde a questão (ii) definindo a língua como um fato social. Isso gerou uma contradição insolúvel dentro dos marcos do estruturalismo, já que, para representar analiticamente a dimensão estrutural do fenômeno lingüístico, a língua era formalizada como um sistema homogêneo, unitário e invariante, o que nega totalmente o existir concreto da língua como fato social, que, assim concebida, constitui a expressão da dimensão sócio-histórica do fenômeno lingüístico, terreno, por excelência da variação e da mudança (LUCCHESI, 2004, p. 218).

Nas novas abordagens, surge a Sociolinguística, que busca compreender a relação entre língua e sociedade. O norte-americano William Labov é considerado o fundador da Sociolinguística Variacionista (também denominada Sociolinguística Quantitativa e Sociolinguística Laboviana) por ter desenvolvido uma base teórica e metodológica para explicar a variação e a mudança linguística.

Nos seus estudos, Labov faz referência a outros estudiosos que iniciaram o estudo da mudança linguística, por ele aprimorado. Antoine Meillet, em 1920, pensava a explicação da mudança pela consideração do contexto social e Gauchat, em 1905, cujo trabalho despertou para o estudo a mudança linguística em progresso. Nesta época, o entendimento era de que a mudança somente era passível de análise depois de ser completada (LABOV, [1963] 2008).

O recurso de verificação através do tempo aparente foi a solução encontrada, sendo até hoje utilizada para o estudo da mudança em progresso. Para verificar a sistematicidade da

variação, ou seja, mostrar que a variação linguística não é aleatória como se pensava até

então, foi necessário incluir fatores externos, sociais e estilísticos. Isto é o que Labov descreve minuciosamente nos trabalhos de 1963, sobre a mudança em progresso no inglês da ilha de Martha’s Vineyard, Massachusetts-EUA (LABOV, [1963] 2008), em 1966 sobre a estratificação social do (r) na cidade de Nova York (LABOV, 1966), e em 1968, este último, em coautoria (WEINREICH, LABOV; HERZOG, [1968] 2006), intitulado Fundamentos

empíricos para uma teoria da mudança linguística. Juntos, os três trabalhos formam as bases

empíricas da teoria sociolinguística.

Por meio do tempo aparente, pode-se observar indícios de variação estável (ocorrência de formas alternativas no sistema linguístico) ou de mudança em progresso (indicação de permanência de apenas uma forma), o que torna o fator faixa etária essencial nesse tipo de estudo.

Já no estudo em tempo real, precisa-se de fontes históricas ou de voltar ao local para coletar novos dados e tecer comparações. Uma forma de se recuperar o vernáculo falado há 500 anos atrás, por exemplo, é através do estudo de textos escritos, nem sempre facilmente encontráveis. Uma das dificuldades é a especificidade do texto escrito, devendo-se considerar a possibilidade de correções e a própria diferença da língua falada. Deste período, tem-se, por exemplo, a Carta de Caminha, que retrata o “descobrimento” do Brasil. Este documento, que é um precioso registro da língua portuguesa no período de 1500, permite compreender a evolução da língua, comparando, por exemplo, a grafia de certas palavras na Carta e em outros textos escritos nos séculos seguintes.

A sociolinguística colocou a variação no centro dos seus estudos, procurando explicar suas causas e motivações através da observação de variáveis linguísticas e sociais, ao invés de uma análise guiada somente por fatores internos. Desse modo, a língua passou a ser vista como um sistema em constante transformação, variável e sujeita a mudanças, tanto na fala de grupos sociais como na fala individual.

Tomando a definição de Mollica (2003),

A Sociolingüística é uma das subáreas da Lingüística e estuda a língua em uso no seio das comunidades de fala, voltando a atenção para um tipo de investigação que correlaciona aspectos lingüísticos e sociais. Esta ciência se faz presente num espaço interdisciplinar, na fronteira entre língua e sociedade, focalizando precipuamente os empregos lingüísticos concretos, em especial os de caráter heterogêneo (MOLLICA, 2003, p. 9).

De acordo com Silva-Corvalán (2001), a sociolinguística pode ser definida como o estudo de fenômenos linguísticos que têm relação com fatores do tipo social.

Estes fatores sociais incluem: (a) os diferentes sistemas de organização política, econômica, social e geográfica de uma comunidade; (b) fatores individuais que têm repercussões em geral na organização social, como a idade, a raça, o sexo e o nível de instrução; (c) aspectos históricos e étnico-culturais; (d) a situação imediata que cerca a interação; em uma palavra, o que se tem chamado de contexto externo em que ocorrem os fatos linguísticos. 22 (SILVA-CORVALÁN, 2001, p. 1).

22 Estos factores sociales incluyen: (a) los diferentes sistemas de organización política, económica, social y

geográfica de una sociedad; (b) factores individuales que tienen repercusiones sobre la organización social en general, como la edad, la raza, el sexo y el nivel de instrucción; (c) aspectos históricos y étnico-culturales; (d)

Embora estas definições abarquem preocupações que são também de outras áreas do conhecimento como a sociologia da linguagem e a dialetologia (não cabendo neste momento detalhar tais diferenças e o campo de atuação de cada uma), descreve bem os interesses e as preocupações da sociolinguística com relação aos estudos da linguagem e o entendimento das múltiplas interferências sociais.

É preceito da sociolinguística que, por trás da heterogeneidade, a língua é formada por um sistema organizado de regras, o que faz com que cada usuário domine e faça uso desse sistema, fazendo as combinações fonológicas, morfológicas, sintáticas e semânticas necessárias para se expressar.

Outra assertiva da Sociolinguística Variacionista diz que toda língua varia e que a mudança pressupõe variação, embora nem toda variação indique mudança. Para entender a variação e a mudança, a sociolinguística procura respostas na comunidade de fala.

Segundo Guy (2000, p. 18), uma comunidade linguística apresenta:

- Características lingüísticas compartilhadas; isto é, palavras, sons ou construções gramaticais que são usadas na comunidade, mas não o são fora dela.

- Densidade de comunicação interna relativamente alta; isto é, as pessoas normalmente falam com mais freqüência com outras que estão dentro do grupo do que com aquelas que estão fora dele.

- Normas compartilhadas; isto é, atitudes em comum sobre o uso da língua, normas em comum sobre a direção da variação estilística, avaliações sociais em comum sobre variáveis lingüísticas.

A comunidade de fala ou comunidade linguística é um parâmetro para entender a língua de determinado grupo. Como afirma Guy, a primeira dessas características – o compartilhamento de características linguísticas – organiza as semelhanças e diferenças linguísticas no uso da língua. Por esse motivo, usar traços característicos de certa comunidade como determinada pronúncia mostra ser membro, enquanto um comportamento linguístico diverso identifica o falante como um estranho à comunidade.

Também são considerados diferentes domínios de conduta sociolinguística os vários níveis de formalidade nas situações linguísticas: formal, semiformal, informal e íntima, que podem ser identificados dentro de cada domínio social ou institucional.

Outros fatores podem desempenhar um papel na eleição e no uso de um código linguístico, como as relações interpessoais entre os falantes e os domínios de uso do lugar, o que faz com que os membros de uma comunidade de fala compartilhem de regras que regulam a conduta linguística em diferentes situações.

la situación inmediata que rodea la interacción; en una palabra, lo que se ha llamado el contexto externo en que ocurren los hechos linguísticos.

As variedades acontecem ainda em função de regiões geográficas, de classes sociais, de diferentes níveis de escolaridade e da função que cada falante exerce no meio social. Deste modo, as línguas refletem os hábitos, os costumes, as tradições e as características dos falantes. Num nível mais amplo, pode-se citar o exemplo da língua portuguesa. O português é língua oficial em oito países (Portugal, Angola, São Tomé e Príncipe, Cabo Verde, Guiné- Bissau, Moçambique, Timor Leste e no Brasil) sendo também falada em Goa, Malaca e Macau e outros. Embora se trate da mesma língua, existem certos traços referentes a cada país e diversos modos de falar em diferentes sub-regiões.

Em um nível mais restrito, pode-se observar que, dentro de uma mesma comunidade de fala, pessoas de origem geográfica, de idade e de sexo diferentes falam distintamente. Essas particularidades, por sua vez, não acontecem por acaso. Pelo contrário, os falantes adquirem certas variedades linguísticas próprias da região em que estão inseridos (variação geográfica) e do contexto social (variação social). Na variação geográfica, percebem-se ainda diferenças no modo de falar da zona rural e da zona urbana.

Neste modelo teórico-metodológico, as formas variantes são modos de dizer a mesma

coisa com o mesmo valor de verdade, embora alguns autores questionem essa possibilidade

com relação a fatos morfossintáticos.

Tagliamonte (2006) contesta o conceito, pois considera que apenas nos casos de variação fonológica, há uma equivalência semântica que se ajusta à definição, desde que sejam variantes alternativas dentro da mesma palavra, mas alerta que é preciso ter algum modo de lidar com a relação problemática entre forma linguística e função linguística.

A análise quantitativa dos dados linguísticos geralmente tem sido feita com o auxílio do programa Varbrul (Gold Varb X), de base em estatística (SANKOFF, 1988). Os resultados são demonstrados através da seleção de grupos de fatores selecionados, que vão ajudar o pesquisador a explicar a variação ou o indicativo de mudança, por meio de percentuais e pesos relativos para cada subfator. Mas para uma série de trabalhos não é possível contar com esta ferramenta, principalmente quando não se dispõe de grande quantidade de dados do mesmo fenômeno nos aspectos que se deseja pesquisar.

A sociolinguística adota uma análise pancrônica (do grego pan “todo” e khronos “tempo”), ao incluir o tempo (histórico, real ou aparente) como uma dimensão analítica essencial. Para verificar o tempo aparente, o método consiste em fazer “um recorte transversal da amostra sincrônica em função da faixa etária dos informantes” (TARALLO, 1985, p. 65). O mais comum é incluir três grupos etários como fator externo: jovens, meia- idade e velhos. Deve-se correlacionar as variantes ao fator idade e verificar aumento,

diminuição ou estabilidade das variantes. Se o uso da variante inovadora for mais frequente entre os jovens, decrescendo com relação à idade dos dois outros grupos mais velhos, esta será uma situação de mudança em progresso.

Quanto ao desenvolvimento e as suas contribuições, a sociolinguística tem sido uma área de ampla investigação nos últimos anos. No Brasil, os resultados de trabalhos empíricos descrevem os diversos falares, permitindo o conhecimento da diversidade linguística brasileira. A grande meta da área, que já se encontra bastante avançada, é a definição do português brasileiro, o que vem sendo feito por grupos de pesquisadores distribuídos em universidades brasileiras, como o Projeto NURC (Projeto de Estudo da Norma Linguística Urbana Culta no Brasil).