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4.   FORMAS DE TRATAMENTO 49

4.1   AS FORMAS PRONOMINAIS TU, VOCÊ, (O) SENHOR/(A) SENHORA 50

4.1.3   Você, senhor e pronome zero 60

Abreu e Mercer (1988, p. 25) constataram três formas de tratamento entre estranhos em Curitiba, por meio de dados coletados em 1986: senhor, você e pronome-zero (ausência de pronome), sendo este último, o mais utilizado. Para os autores, “essa é uma ausência revestida de significado próprio, o qual deriva da tensão produzida pela necessidade de optar por você ou senhor(a), já que o falante é inseguro quanto a essas formas socialmente marcadas.” A estratégia seria, pois, uma forma de esquiva.

[...] o maior status do destinatário sugere senhor, enquanto as identidades etária, religiosa e política condicionam você. O segundo é a expectativa do falante quanto à harmonia dos fatores sociais que deve ser apresentada pelo falante-alvo quando do momento da abordagem.

[...] uma pessoa no exercício de um papel que traduza reconhecida autoridade com poderes delegados por instituição social conservadora, como um militar em serviço, deve apresentar também outras características de gravidade, como por exemplo, não ser muito jovem. Da ruptura dessa harmonia dos condicionadores sociais (idade x sexo, idade x status) surge o conflito que leva o falante à insegurança quanto à forma com que abordar seu interlocutor. Este ou pode, na condição de autoridade, esperar ser tratado com cerimônia (senhor), ou se sentir bastante jovem para ser abordado com tal forma.

Capaz de escamotear as marcas contidas em você e senhor, o pronome zero se configura como estratégia da qual o falante pode se valer para abordar pessoas com as quais ele não mantenha relações quer de familiaridade quer de cerimônia. (ABREU; MERCER, 1988, p. 25-26)

Abreu e Mercer (1988) observaram ainda que pessoas de baixo padrão tratam as de

status superior por senhor(a) e utilizam pronome zero para os interlocutores socialmente

desprestigiados. Segundo os autores, pode-se depreender que, embora o tratamento zero possa ser indicador de solidariedade, poderá também ser um marcador de distância. Ao que completam: “E se essa for sua função maior, ele [o pronome zero] não é uma terceira forma do sistema e sim uma segunda forma do pólo do poder” (p. 27).

Considerando a hipótese, na condição de concorrente de senhor(a), o pronome zero ora significaria o reconhecimento do poder, ora o exercício, enquanto senhor(a) seria apenas uma forma de deferência. Na mesma pesquisa, observaram que “as mulheres, num ambiente em que elas detêm pouca autoridade, abordam os interlocutores masculinos por senhor.”

Outra evidência foi encontrada na observação de fotografias (o pesquisador mostrava fotografias de pessoas, aparentando diferentes status e questionava o participante a respeito do tratamento que utilizaria para tratá-las): quando havia fortes indícios para o emprego de

você, esta era a forma escolhida, mas, as maiores incidências de abordagem com ausência do

pronome teriam ocorrido com personagens que exigiam claramente a forma senhor (pela postura, papel social e faixa etária).

A opção do falante pela forma zero acontecia também com “a inclusão de um dos fatores sociais do pólo da solidariedade entre os condicionadores do tratamento cerimonioso (idade ou status da classe ocupacional) ou ainda para evitar o uso de senhora como marcador de idade” (p. 29).

Semelhante ao que ocorre no português brasileiro, Kerbrat-Orecchioni (2011, p. 19- 20) observa a ausência do tratamento nominal no francês falado na França.

[...] as formas de tratamento nominais não deixam de ser, também, bastante intrigantes. Se é verdade que ocorrem regularmente em certas situações de interação, elas podem praticamente desaparecer em outras situações, algumas das quais muito comuns e correntes, tais como as conversas familiares. Sua ausência nesses casos é notável, embora disponhamos para essas conversas de formas adequadas, tais como nomes próprios (KERBRAT-ORECCHIONI, 2011, p. 19-20).

Fora do contexto familiar, Kerbrat-Orecchioni (2011), atribui a ausência de tratamento nominal à falta de uma forma satisfatória, no francês:

Em outros casos, a ausência total de qualquer forma de tratamento nominal se deve ao fato de que não dispomos no nosso repertório de nenhuma forma realmente satisfatória: quando, por exemplo, tenho de chamar, no corredor da universidade, alguém que não é nem um estranho, nem uma pessoa próxima, monsieur [senhor]27 é muito formal, o seu nome, resultaria por demais familiar, e o sobrenome um pouco brusco... Tais observações me levaram, inclusive, a falar, já há algum tempo, de uma “crise dos vocativos em francês contemporâneo” (KERBRAT-ORECCHIONI, 2011, p. 20).

No português, o falante tem a tarefa, nem sempre fácil de escolher entre

senhor/senhora e você, no alemão, no francês e no espanhol, a dificuldade está nos termos

equivalentes a senhora e senhorita, um caso particular de gênero.

No português brasileiro, há muito tempo o termo senhorita encontra-se em desuso ou é muito pouco utilizado, não causando incômodo, como ocorre em outras línguas. Como afirma Lima-Hernandes (2005, p. 149), “a maioria dos pronomes de tratamento formais foi praticamente abandonada”, como senhorita em oposição à senhora. O termo ganhou outro sentido, tendo sido usado em situações nas quais se quer chamar a atenção ou dar uma ordem, como fazem pais de adolescentes: “Aonde a senhorita pensa que vai?”

Mulheres alemãs não querem ser tratadas por fräulein [senhorita], por considerarem um termo obsoleto e sexista. Elas alegam que não se deve explicitar o estado civil de uma pessoa e que não existe uma denominação masculina parecida. Segundo Stoll (2006, p. 86- 87), também “influi o fato de que, na sociedade burguesa, a palavra Fräulein estava fortemente associada com virgindade, honestidade e castidade, valores que hoje em dia já não se consideram como tais, mas como reflexo de um sistema de controle patriarcal sobre a sexualidade feminina”.

Recentemente, alegando motivo semelhante – o machismo, visto que não se pede aos homens que indiquem seu estado civil – mulheres francesas de associações feministas lançaram uma campanha para retirar dos formulários da França a distinção entre

mademoiselle e madame. Os argumentos/lema da campanha são “Ce n’est pas flatteur; Ce

n’est pas tendance; Ce n’est pas marrant; Ce n’est pas obligatoire; Ce n’est pas une fatalité; Nom de jeune fille, nom de naissance”28 (MADAME OU MADAME.FR, 2011)

No espanhol, de acordo com Stoll (2006, p. 81-82, grifo nosso), señorita, señora e

señor são formas utilizadas em situações de distância formal, em que é normal o emprego

de usted; são típicos tratamentos de cortesia cerimoniosa, usados em restaurantes ou negócios entre garçons e clientes, e entre vendedores e clientes etc.; por criados ou subalternos, para a pessoa a que se serve.

O termo espanhol señora (em oposição a señorita) é usado: a) para distinguir a mulher casada da que não é, e 2) para mulheres não muito jovens, independente do estado civil. Segundo a autora, o critério idade tem ganhado espaço:

O traço semântico jovem, que antes estava vinculado à palavra – uma vez que segundo o estereótipo social uma mulher solteira corresponde a uma mulher jovem e uma mulher madura a uma casada – vem ganhando importância e em muitos contextos já constitui o traço semântico decisivo. Todavia, coexistem os dois sistemas de tratamento, mas o tradicional, em que o estado civil é o critério predominante, está perdendo terreno em favor do novo sistema e seu critério de idade (STOLL, 2006, p. 84).

28 Não é lisonjeiro; Não é uma tendência; Não é engraçado; Não é obrigatório; Não é uma fatalidade; Nome de

Embora señorita (tratamento dado a mulheres solteiras ou a mulheres jovens, independente do estado civil) continue bem aceito no espanhol, segundo Stoll (2006), há indícios de diminuição do seu uso em dicionários. Já señorito, há muito caiu em desuso, sendo utilizado atualmente com sentido irônico e despectivo para denominar um jovem de família abastada que leva vida ociosa ou a alguém que leva uma vida ociosa sem ser de família de posses.

A conservação de señorita também não seria por falta de planejamento linguístico. A Comisión Asesora sobre Lenguaje del Instituto de la Mujer, de 1995, define que se deve utilizar señor e seõra para homens e mulheres, independente do seu estado civil.

Segundo Stoll (2006), a manutenção do uso de señorita deve-se à sua mudança semântica, visto que o termo passou a significar principalmente mulher jovem, adaptando-se à sociedade atual, liberalizada e sexualizada. Idade e sexo são considerados os fatores biológicos mais importantes refletidos nas formas de tratamento:

Sem dúvida, a idade e o atrativo do corpo feminino têm mais importância do que nunca. Por esta mesma razão, mulheres jovens na Espanha querem ser tratadas de

señoritas precisamente porque não querem ser classificadas como mulheres de certa

idade, que já não correspondem à idade da juventude. Outra prova da mudança semântica pode ser vista no fato de que señorita se pode utilizar como cumprindo o que se testemunha na aparência física, a juventude de uma pessoa casada ou já não tão jovem (STOLL, 2006, p. 87).

Para a autora, embora o feminismo na Alemanha tenha evoluido mais cedo e de modo distinto que na Espanha, a maior aceitação de señorita não se deve à falta de emancipação tampouco a maior confiança da mulher espanhola, que a levaria a não se ocupar com “matices linguísticos”, ou seja, com nuances linguísticas.

É comum encontrar na bibliografia sobre o tema, senhor/senhora como sinônimo de o

senhor/a senhora (sem qualquer menção à existência ou não do artigo). Como esta pesquisa

volta-se para o tratamento geral destinado aos pais, cuja forma principal é acompanhada do artigo definido29, optou-se pela separação dos usos gerais e usos familiares (no subcapítulo seguinte).

29 No contexto familiar, era comum, entre pessoas mais velhas, ensinarem aos filhos a responder senhor e

senhora, quando chamados pelos pais, avós e pessoas mais velhas. Por exemplo: uma mãe ou um pai

chamava uma filha: “ – Maria...” e esta respondia: “– Senhora.” / “– Senhor.”, ao invés de “- Oi, mãe/ pai”/ “Diga...”/ “O que é, mainha/painho?”. O não uso do termo senhor ou senhora era motivo de repreensão, pois significava desrespeito. Atualmente essa forma encontra-se restrita a poucas famílias, por isso, considera-se o tratamento geral: o senhor e a senhora.