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CAPÍTULO 1 – SOFTWARE EDUCATIVO: O QUE SUBJAZ A ESSE SUBSÍDIO

1.3 O suporte digital do software educativo

Como mencionado, o SE se localiza no ambiente digital herdando, portanto, as características desse ambiente. Mesmo que se perceba que a linguagem, os textos, que aparecem nesse suporte possa se aproximar do ambiente impresso, pode-se afirmar que vai haver diferença desse ambiente em detrimento ao outro, às vezes, diferenças mínimas, pois o ambiente digital opera com a escrita num contínuo que vai do mais próximo ao mais longe das características impressas.

O suporte da escrita vai influenciar no modo como essa escrita se apresenta. De acordo com Marcuschi (2003), o suporte é um portador do texto

mas não no sentido de um meio de transporte ou veículo, nem como um suporte estático e sim como um locus no qual o texto se fixa e que tem repercussão sobre o gênero que suporta. (...) um lócus físico ou virtual com formato específico que serve de base ou ambiente de fixação do gênero materializado como textos (p.7, 8).

Para o autor o suporte firma ou apresenta o texto para que se tenha acesso a ele, no entanto, o suporte não deve ser confundido com o contexto, a situação, o canal em si, nem com a natureza do serviço prestado. Além do mais o suporte “não é neutro e o gênero não fica indiferente a ele” (MARCUSCHI, 2003, p.9). O suporte não pode ser passivo; ele tem relevância para a constituição do próprio gênero.

Seguindo a idéia de Marcuschi (2003), pode-se asseverar que o gênero é sempre identificado na relação com o suporte e o texto é um processo e um produto que se realiza na relação com todos os aspectos do funcionamento da língua: situado, envolve produtores, receptores e condições de produção e recepção

específicas bem como envolve aspectos linguísticos, sociais e cognitivos. Ainda se deve tratar o suporte considerando o domínio discursivo, formação discursiva, gênero e tipo textual.

No que se refere à relação dos suportes textuais com a leitura, aqueles exercem influência também no modo da leitura, pois dependendo do suporte a relação do leitor com o texto será diferente, o que significa que o leitor não opera da mesma forma com os textos em suportes diferentes, “mas isso não significa ainda que os suportes veiculem conteúdos diversos para os mesmos textos. O suporte não muda o conteúdo, mas nossa relação com ele, não só por permitir anotações, mas por manter um contato diferenciado com ele” (MARCUSCHI, 2003, p.26).

Bezerra (2007b) menciona a grande importância do suporte para os dias atuais, afirmando que o lugar de destaque

variaria desde o ponto de vista propriamente linguístico, em que ‘os suportes participam da construção do sentido das mensagens escritas’, até o aspecto sociocognitivo, no qual ‘a diversidade dos suportes corresponde aos usos complementares e simultâneos’ no contexto das interações orais e escritas no meio social. Os suportes chegariam a se configurar como ‘artefatos cognitivos’ que, no interior das relações sociais, podem ser ‘acessados por todos, abertos, ou reservados a quaisquer pessoas’ (FRAENKEL, 2004, p. 462) (BEZERRA, 2007b, p.12,13).

O autor ainda afirma que não se pode tratar dicotomicamente a história e a constituição de gêneros e seus respectivos suportes, pois estes alteram a estabilidade linguística e semântica, não sendo, portanto, neutra na relação gênero e suporte.

Observando a questão do digital, Souza e Carvalho (2006) afirmam que o suporte, na escrita virtual, não é a tela do computador, conforme vem afirmando alguns teóricos, já que mudando o suporte muda também o gênero suportado, uma vez que o suporte condiciona o gênero. Para estes autores é o software que é o suporte da escrita, pois o suporte não pode ser confundido com nenhum desses aspectos: o contexto, a situação, o canal e a natureza do serviço prestado, como já afirmava Marcuschi (2003).

Os autores asseveram ser o software um suporte por dar característica de estilo ao gênero que suporta, já que o estilo é fator determinante do gênero, segundo Bakhtin (2003). Contrariando aqueles que tomam o software como serviço,

Souza e Carvalho (2006, p. 3) concebem-no como suporte21 de uma escrita virtual e esboçam as seguintes características do software: função principal: dar característica de estilo ao gênero; comporta por funcionalidade; molda os gêneros; base hipertextual; criado com base em modelos anteriores de experiência do sujeito. Ainda afirmam que a natureza primária do software “é imaterial e está diretamente ligado a um computador sendo este o veículo ou meio pelo qual o suporte existe” (p. 3). Reconhecer o software como suporte de uma escrita permite compreender “que a definição do que seria gênero está diretamente relacionada ao objeto que o suporta. Adotar essa posição nos obriga a ir além, ir buscar a constituição desses

softwares, verificar como a constituição sígnica o faz ser percebido” (SOUZA e

CARVALHO, 2007, p. 17).

Silva (2009b) acrescenta às características apontadas do software a sua natureza hipermidiática porque aporta diferentes mídias que possibilitam diferentes modalidades de percepção: visual, auditiva, através de imagens, animações, sons e vídeos.

Silva (2009a, 2009b) concorda com o ponto de vista de que o software seja um suporte da escrita digital, mas acrescenta que os dispositivos externos e elaborados a partir da linguagem de programação também são softwares. Ao serem introduzidos no computador eles serão um suporte sobre outro suporte, que é o caso dos programas hipermidiáticos como os flashs, os DVD e CD, entre outros. Eles são ambientes criados a partir de recursos específicos como hipermídia e hipertexto pelos programas aplicativos ou programas de autoria. É também o caso dos ambientes em portais educativos que se apresentam com uma particularidade que não se encaixa em ser apenas um link, um hipertexto, uma página do portal, mas um ambiente específico com uma estrutura específica aportando gêneros textuais,

hiperlinks, hipertextos, imagens, animações, efeitos sonoros e desempenhando uma

função: são criados para a prática pedagógica22.

Voltando à questão do software como um suporte da escrita na visão de Souza e Carvalho (2006), vale mencionar que o que parece ser software para os autores tem a ver com a utilização de artefatos elaborados a partir de linguagem de

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Em trabalhos recentes os autores passaram a adotar a nomenclatura não mais de suporte, mas de organismo, uma vez que considera o software um suporte atípico.

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Como mencionado no início da tese, não será preocupação deste trabalho abordar o software educativo como suporte ou como gênero textual. Ele será vislumbrado como um instrumento material e didático/pedagógico tendo como ambiente e suporte o digital.

programação e que exercem determinada função no computador, conforme afirmam. São, por exemplo, os ambientes destinados à navegação, à comunicação via internet, os programas de autoria e aqueles programas chamados aplicativos por Oliveira (2001), tais como Word e Excel da microsoft, o photo paint da Corel. Os dispositivos externos como os discos compactos: CD-ROM e DVD entre outros parecem ficar de fora dessa definição.

Neste estudo, porém, será considerado como suporte o ambiente digital, o qual aporta o SE, seja aquele de portal seja aquele de CD-ROM. Esse ambiente traz possibilidades múltiplas, muitas delas não possíveis no ambiente impresso, de manifestação da escrita, envolta de recursos hipermidiáticos que propicia a apresentação discursiva de maneira específica. O que significa dizer que a interface do SE pode vir de maneira variada ao leitor/usuário, com várias formas de leitura.

Desta maneira, pode-se afirmar que a interface do SE pode apresentar tanto elementos também presentes no ambiente impresso, tais como: textos verbais, textos não verbais de modo geral, bem como cores, links23. Mas também pode apresentar elementos que não podem aparecer no ambiente impresso, tais como: botões, links que levam a outra página, sons, efeitos sonoros, movimentos, animações, conexão imediata via internet, navegação por outros ambientes24. Todos os elementos citados vão aparecer na interface não como elementos alegóricos, mas vão colaborar para a construção de sentido do discurso ali presente. Eles vão se apresentar como signo, na concepção bakhitiana, repleto de ideologia e significação que terão sentido no conjunto do discurso.

Na construção de sentido estarão em jogo os enunciados dos desenvolvedores do software bem como todos os elementos necessários ao leitor/ usuário para a compreensão do discurso ali presente. A interação com o software promove ações sócio-discursivas. O usuário da língua está participando, nesse momento, de manifestações, eventos linguísticos, pois os enunciados das interfaces guiam os usuários a ações.

A natureza hipermidiática do software, que por sua vez está presente também no gênero digital, acarreta uma natureza descentralizada, ou seja, não há predominância de valor no estudo de cada recurso utilizado na hipermídia, o

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Este funcionando de modo diferente de alguns links do ambiente digital.

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Estes dois últimos elementos podem ser realizados no software fechado desde que o mesmo seja elaborado com esse recurso

linguístico estará sempre relacionado com o conjunto que faz parte do seu suporte, o ambiente digital. Desta forma, defende-se nesta pesquisa a ideia de que o suporte da escrita é o ambiente digital do software, comungando com o ponto de vista de alguns autores que defendem que o “computador, essa máquina, é o suporte para os gêneros que trabalham o discurso eletrônico, dentre eles o weblog” (CAIADO, 2005, p. 53).

Para Lévy (1996), o que difere o texto em um suporte impresso do suporte virtual do computador é o seu caráter digital que subjaz algumas especificidades como a presença de hipertexto informático, da hipermídia e principalmente do ciberespaço: a revolução atual na comunicação e informação. O leitor de um texto impresso

se confronta com um objeto físico sobre o qual uma certa versão do texto está integralmente manifesta. Certamente ele pode anotar nas margens, fotocopiar, recortar, colar, proceder a montagens, mas o texto inicial está lá, preto no branco, já realizado integralmente. Na leitura em tela, essa presença extensiva e preliminar à leitura desaparece. O suporte digital (disquete, disco rígido, disco ótico) não contém um texto legível por humanos mas uma série de códigos informáticos que serão eventualmente traduzidos por um computador em sinais alfabéticos para um dispositivo de apresentação. A tela apresenta-se então como uma pequena janela a partir da qual o leitor explora uma reserva potencial (LÉVY, 1996, p. 39).

O texto na tela não corresponde, necessariamente, ao virtual, mas ao potencial, pois é o suporte digital e o programa de leitura que determinam um conjunto de possíveis numéricas finitas e fechadas, a partir de combinatórias infinitas, mas jamais um campo problemático, pois de acordo com Lévy (1996, p. 40) o “armazenamento em memória digital é uma potencialização, a exibição é uma realização”.Nesta perspectiva, o hipertexto é uma matriz de textos potenciais que se realizarão sob o efeito da interação com um usuário. Assim, nenhuma “diferença se introduz entre um texto possível da combinatória e um texto real que será lido na tela” (p. 40). Vai se tornar virtual quando o ser humano entra em contato com o texto numa relação subjetiva, onde vai acontecer a tensão entre a indeterminação do sentido com o propósito de construção da significação do texto. Essa indeterminação vai ser resolvida com a atualização que consiste na interpretação do texto pelo leitor. Então, a questão do potencial e real, virtual e atual estão intimamente relacionados com a digitalização e as novas formas de apresentação do texto, os quais vão fazer surgir outras maneiras de ler e de compreender.

Nesta perspectiva, construir o sentido do texto requer do leitor todo um desdobramento com o próprio texto, uma relação consigo mesmo, produzindo sua vida relativamente autônoma. Mas além desse desdobramento consigo, realizado pelo leitor, este também relaciona o texto com outros textos, “a outros discursos, a imagens, a afetos, a toda a imensa reserva flutuante de desejos e de signos que nos constitui” (LÉVY, 1996, p. 36). O que está em jogo é a construção do leitor, sempre a refazer, inacabado.

O suporte digital vai permitir um manejo diferenciado do texto tanto no que se refere à produção quanto à leitura. Enfatizando a leitura, pode-se verificar que o suporte digital vai possibilitar novos tipos de leituras individuais em um ambiente coletivo e nesta perspectiva haverá um continuum variado que “se estende assim entre a leitura individual de um texto preciso e a navegação em vastas redes digitais no interior das quais um grande número de pessoas anota, aumenta, conecta os textos uns aos outros por meio de ligações hipertextuais” (LÉVY, 1996, p. 43).

O computador vem oferecer à sociedade contemporânea uma nova forma de perceber o texto, ou seja, o hipertexto que, segundo Ramal (2000, p. 5),

é algo que está numa posição superior à do texto, que vai além do texto. Dentro do hipertexto existem vários links, que permitem tecer o caminho para outras janelas, conectando algumas expressões com novos textos, fazendo com que estes se distanciem da linearidade da página e se pareçam mais com uma rede.

A concepção de autoria também se modifica, pois para projetar toda essa gama de recurso hipertextual existem os designers, projetistas gráficos, programadores, autores do conteúdo do texto, fazendo com que essa rede seja composta pelas múltiplas vozes, caracterizando a interface como polifônica, construída a partir de diversas perspectivas enunciativas (BAKHTIN, 2002), como também acontece com os diversos elementos que compõem o hipertexto. Há, portanto, um dialogismo entre os elementos internos ao hipertexto e entre os autores e leitores desse hipertexto. Os sentidos vão sendo construídos considerando toda essa dimensão dialógica.

O hipertexto nesse ambiente digital também vai sofrer transformação em detrimento ao ambiente impresso, pois possibilita que o leitor navegue nas informações através de hiperlinks que são acionados com um clique ou um toque e rapidamente outros textos ou hipertextos surgirão. Nesse processo de leitura, o leitor

não tem um caminho pré-determinado de leitura, podendo se encaminhar pelos hiperlinks de maneira aleatória ou a partir dos focos de temas apresentados na tela considerando os interesses do leitor.

No que se refere à hipermídia como uma especificidade do texto no computador, pode-se afirmar que possibilita ao leitor uma dimensão maior de interatividade e de percepção do texto no aspecto de ouvir os sons de vozes, musicais, onomatopaicos, assistir a vídeos, ver imagens, figuras, cores, movimentos, ícones, tudo isso se utilizando de recursos que o texto impresso não permite que aconteça.

O caráter digital do computador traz novas possibilidades de tornar o texto mais interessante, mais informativo, por contemplar as diversas modalidades de percepção, mais dinâmico, mais personalizado, pois o leitor bem como o produtor do texto pode utilizar o recurso visual e auditivo que melhor lhe convier. Esse ambiente de “aprendizagem diversificado permite que o aluno estabeleça, com mais facilidade, relações entre o insumo oferecido pelo material e seu conhecimento prévio do assunto” (BRAGA, 2005, p. 153).

De modo geral, o computador traz uma mudança significativa no trato com o texto. Soares (2002, p. 149) afirma, ao abordar sobre o letramento na cibercultura, que as formas escritas são espaciais, exigindo um “lugar” em que a escrita se inscreva,

mas a cada tecnologia corresponde um espaço de escrita diferente (...). Há estreita relação entre o espaço físico e visual da escrita e as práticas de escrita e de leitura. (...) O espaço de escrita relaciona-se também com os gêneros e usos de escrita, condicionando as práticas de leitura e de escrita (...). O espaço de escrita condiciona, sobretudo, as relações entre escritor e leitor, entre escritor e texto, entre leitor e texto (p. 150).

O novo espaço digital traz mudanças significativas na maneira de interação entre os elementos envolvidos no processo de leitura e escrita, a saber: escritor, leitor, texto e contexto, como mencionado. Essas mudanças, segundo Soares (2002, p. 151), desencadeiam consequências sociais, cognitivas e discursivas, configurando-se em um letramento digital, que consiste em um “estado ou condição que adquirem os que se apropriam da nova tecnologia digital e exercem práticas de leitura e de escrita na tela, diferente do estado ou condição – do letramento – dos que exercem práticas de leitura e de escrita no papel”.

Soares (2002, p. 156) afirma ainda que é necessária a consideração de diferentes letramentos para “designar diferentes efeitos cognitivos, culturais e sociais em função ora dos contextos de interação com a palavra escrita, hora em função de variadas e múltiplas formas de interação com o mundo” mas não se limita apenas à palavra escrita, como também contempla a comunicação visual, auditiva, espacial.

Conclui-se que ao se considerar o texto na tela do computador, não se pode esquecer, de modo algum, de sua potencialidade, de seu verdadeiro caráter. O texto na tela não deve ser tratado de maneira idêntica ao impresso, pois se deve lembrar que há também o surgimento de novos gêneros discursivos dinâmicos nesse ambiente.

Para Bakhtin o sentido dos discursos é sempre movente, está sempre em construção, e que é atualizado pelo leitor considerando os aspectos contextual, cognitivo, social e o suporte. Portanto, na comunicação mediada pela informática, há uma interação entre os interlocutores a partir da construção de sentidos moventes e que depende do contexto.

Na elaboração de programas, percebe-se que há a preocupação de adaptar a suas interfaces aos usuários, nesta perspectiva a equipe de desenvolvedores de

softwares deve se concentrar no conforto do usuário, em seus hábitos, em suas

necessidades, considerar as críticas feitas às versões precedentes a fim tornar o produto final amigável. A relação entre o homem e a máquina deve estar em consonância com o aspecto cognitivo.

Após ter abordado sobre as definições, nomenclatura, o suporte do SE e a leitura nesse suporte, é necessário expor algumas classificações apontadas por alguns autores e a partir daí expor quais perspectivas para avaliação de desses materiais foram vislumbradas nesta pesquisa, contemplando a elaboração de categorias e critérios.

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