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5.2 Análise das percepções frente às suposições iniciais

5.2.1 SUPOSIÇÃO 1: Carência de conhecimento

Para investigar o suporte das percepções levantadas à suposição de que “existe carência de conhecimento da legislação aplicável às contratações de serviços de TI no setor público”, fez-se o mapeamento dos agrupamentos de opiniões que se relacionassem, direta ou indiretamente, ao aspecto “conhecimento da legislação”, entre as respostas das seis perguntas formuladas.

Assim, foi possível verificar que 75,4% dos respondentes indicaram pelo menos um aspecto indicativo da carência de conhecimento sobre a legislação aplicável às contratações de TI. Essas percepções estão assim distribuídas:

• Pergunta 1: Dificuldade de comunicação e suas causas (51,6%) o para 18,0%, faltam contextos compartilhados;

o para 15,6%, há carência de linguagem comum;

o para 10,7%, o desconhecimento da legislação pode prejudicar a comunicação; o para 9,0%, a falta de qualificação pessoal pode prejudicar a comunicação; o para 13,1%, falta visão sistêmica do processo;

• Pergunta 3: Adequação do QRN às demandas legais (9,8%)

o para 5,7%, o respondente declarou não saber responder à pergunta;

o para 4,1%, o respondente declarou que tem conhecimento insuficiente para opinar;

o para 1,6%, o QRN amplia o conhecimento do respondente;

• Pergunta 4: Formas de utilidade do QRN para o gestor público de TI (36,1%) o para 19,7%, o QRN poderá ser útil para melhorar a conformidade legal das

contratações;

o para 18,0%, o QRN poderá ser útil para facilitar o acesso ao conhecimento jurídico necessário;

o para 1,6%, o QRN poderá ser útil para evidenciar os requisitos legais para TI; • Pergunta 5: Impactos do QRN no processo de contratação (28,7%)

o para 8,2%, poderá haver redução de erros e retrabalho; o para 6,6%, poderá haver padronização do processo;

o para 9,8%, poderá haver melhoria da conformidade legal das contratações; o para 2,5%, poderá haver melhoria do conhecimento da legislação;

o para 1,6%, poderá haver melhoria da cultura da organização;

o para 4,1%, a falta de pessoal qualificado é um risco à implantação do QRN; • Pergunta 6: Reações à implementação do QRN (18,9%)

o para 10,7%, há demanda por conhecimento básico em contratações na área de TI para implementar o QRN;

o para 9,8%, há demanda por conhecimento jurídico especializado na área de TI para implementar o QRN.

Essas percepções, tomadas em conjunto, sugerem que, nas áreas de TI das organizações representadas na amostra, há de fato carência de conhecimento da legislação aplicável às contratações de TI.

Por outro lado, a percepção de que o QRN ajudará a suprir essa carência não parece tão intensa. Quando perguntados sobre as formas de utilidade do QRN, 18,0% citaram o suprimento de conhecimento da legislação e 1,6% disseram que o QRN poderá ser útil para evidenciar os requisitos legais para TI. Já 19,7% citaram a utilidade do QRN para a melhoria da conformidade legal, o que indiretamente relaciona-se com o conhecimento da legislação; mas parte da conformidade legal poderia também ser alcançada pela mera utilização de artefatos e procedimentos já concebidos de modo aderente à legislação, dispensando o próprio conhecimento de detalhes dessa legislação.

A suposição em questão decorreu de indícios encontrados nos trabalhos de Barbosa et al. (2006, p. 2, 7, 13), Cardoso (2006, p. 19, 55, 65, 120) e Cardoso (2000, p. 21-22), onde a falta de conhecimento sobre gestão das contratações de serviços foi apontada como problema, mas especificamente a falta de conhecimento da legislação aplicável a tais contratações não foi plenamente caracterizada.

Para Guerra e Alves (2004, p. 174) e Softex (2007, p. 95), o conhecimento da legislação aplicável às contratações de serviços de TI é de competência de especialista legal. No entanto, no contexto do Direito Público Administrativo, a responsabilidade pela legalidade dos atos praticados na gestão de contratos de TI é do gestor de TI; portanto, o gestor público de TI não pode eximir-se de conhecer adequadamente a legislação aplicável aos atos que pratica. A jurisprudência do TCU nesse sentido é rica, conforme se pode depreender dos exemplos transcritos:

De fato, afasto a omissão apontada, em relação à justificativa de que o administrador teria agido com respaldo em parecer jurídico, o que o isentaria de responsabilidade, com base na análise, feita no Voto, sobre o não afastamento da responsabilidade do ordenador de despesa, juntamente com o encarregado do setor financeiro, pelos pagamentos autorizados. O fato de o administrador haver seguido orientação de parecer jurídico da assessoria do órgão não o torna imune à censura do Tribunal, pois a responsabilidade do gestor, pelos seus atos, é pessoal e intransferível. Essa, aliás, é a jurisprudência consolidada desta Corte. Ademais, é sabido que uma folha em branco de papel aceita qualquer coisa, muita vez teratológica, escrita com desiderato certo e de acordo com as determinações adrede recebidas. Se comportasse o parecer jurídico vertente justificada pela múltipla possibilidade de exegese da lei, ainda seria razoável a elisão da responsabilidade do gestor, materializando a hipótese de que agiu com fundamento em parecer jurídico, albergue de tese razoável. Não na hipótese, cujo resultado foi desastroso para a legitimidade da ação administrativa. (Acórdão 104/2001-TCU-Plenário, Voto do Relator, grifo nosso) [...] não aproveita ao recorrente o fato de haver parecer jurídico e técnico favorável à contratação. Tais pareceres não são vinculantes ao gestor, o que não significa ausência de responsabilidade daqueles que os firmam. Tem o administrador

obrigação de examinar a correção dos pareceres, até mesmo para corrigir eventuais disfunções na administração. (Acórdão 19/2002-TCU-Plenário, Voto do

Relator, grifo nosso)

No mesmo sentido, o COBIT 4.1 não atribui a responsabilidade pela conformidade legal a especialistas jurídicos, mas aos gestores envolvidos nos processos de TI, orientando-os a desenvolver processo formal e contínuo de comparação dos processos de TI com os requisitos legais sistematicamente catalogados (ITGI, 2007, p. 162).

Porém, como os gestores de TI poderiam conhecer a legislação aplicável às suas contratações de serviços?

Na pesquisa bibliográfica empreendida, não foi localizado qualquer documento que correspondesse a um catálogo sistematizado dos requisitos legais para a contratação de serviços de TI no setor público, embora não faltem documentos com abordagens pontuais.

A grande quantidade de documentos normativos pode ser um dos obstáculos de maior destaque. Para Silva (2002), a extensa e complexa malha de instrumentos normativos é causa de incompreensão da legislação. O próprio QRN, produzido neste trabalho de pesquisa, é exemplo do desafio que a legislação atual impõe ao gestor público, pois foi elaborado com base em mais de 150 documentos, na sua maioria de natureza normativa.

Já para Fernandes (2007, p. 134-135), o modo pouco acessível como os tribunais de contas publicam suas decisões (uso de linguagem de difícil entendimento, grande volume de

decisões e sem organização por temas) dificulta o entendimento da legislação pelos gestores públicos.

Para Gomes (2007), há necessidade de facilitar o acesso do servidor público à legislação em vigor, porque:

Na minha vida de auditor governamental, eu descobri que muitos dos erros que são julgados pelo Tribunal de Contas da União decorrem do desconhecimento da

legislação brasileira. E a legislação que rege os atos da Administração Pública é

uma legislação complexa, já antiga. Então nós tentamos facilitar a vida dos administradores da coisa pública num trabalho voluntário de distribuição de boletins trazendo as novidades, e de disponibilização de uma base de conhecimento na Internet. (GOMES, 2007, grifo nosso)

Portanto, embora a amostragem não-probabilística não permita a extrapolação desses resultados para toda a Administração Pública, tais resultados fornecem indício de que pode haver carência de conhecimento da legislação pelos gestores públicos de TI.