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CAPÍTULO IV: Espaços Sociais de Interação 4.1 Relações de Invisibilidade e Silenciamento.

4.3 O Surdo e a Educação

A educação tem sido, para o surdo, tão excludente quanto qualquer outro artefato social, uma vez que é pensada nos moldes de uma educação para não surdos. Nos moldes Durkheimeanos, me parece que a educação para o surdo não deixa de ser um fato social, pois assim é: algo eminentemente social (DURKHEIM, 2013).

Seguindo as reflexões de Durkheim para a educação, nos chama atenção de que esta, mesmo em sociedades ditas igualitárias, como a nossa, há uma infinidade de modelos educacionais, talvez tentando buscar eliminar as diferenças injustas, estas sociedades, em relação ao surdo acabam por reforçar estas injustiças.

A educação é, para cada povo, uma possibilidade que lhe é própria, assim, cada sociedade busca construir seu modelo de educação baseada em suas pertenças morais, políticas e religiosas. E ainda esta educação tem um tipo de modelo de indivíduo, um ideal de ser humano. E as sociedades usam este modelo para preparar suas crianças e seus mentes para sua própria existência (DURKHEIM, 2013).

Assim sendo, a educação tem papel importantíssimo em qualquer sociedade, para qualquer povo. Nos moldes de Durkheim, ela é uma ação exercida por gerações mais maduras, os adultos, em gerações mais jovens, preparando-as para

a vida social, ou seja, tem como objetivo desenvolver a criança, o jovem, para a vida social.

Entretanto, ainda em Durkheim, vemos o individuo como ser social, o que significa que este é composto, formado, gestado de estados mentais, que são individuais, e de um sistema de ideais, sentimentos e hábitos que exprimem em nós, quem somos, não a partir de nossa personalidade, mas, sobretudo, do grupo ou grupos aos quais somos ligados, que são as práticas religiosas e morais. A este conjunto Durkheim chamou de ser social. E constituir este ser é tarefa da educação, diz Durkheim.

Nesta ótica, este ser social não se encontra pronto, ou seja, o homem precisa da sociedade, pois a criança, ao entrar na vida social, traz sua bagagem quase vazia, e é na sociedade que ela será preenchida, tendo contato com as coerções, com as regras sociais que a moldarão paulatinamente, fazendo-a ter uma vida baseada na moralidade e a interação social, e este trabalho, esta obra social torna- se real através da educação (DURKHEIM, 2013).

Seguindo a lógica de Durkheim para a educação, chega a ser um tanto contraditório o modelo educacional que a sociedade tem pensado para os surdos. A qual égide de coercitividade se pensa educar pessoas que usam outro meio de comunicação, que não o convencional? É difícil pensar em cumprir o papel da educação, pensado por Durkheim, quando não se considera este ser, nem ao menos trazendo sua mochila, sua bagagem quase vazia, o que se tem visto nas trajetórias dos interlocutores surdos, no tocante à educação é que sequer são vistos com suas bagagens.

A Unifap tem muitas pesquisas na área da educação, algumas, com objetivo de saber como está a educação de surdos no Amapá, uma vez que já se tem mais de uma década da legislação de Libras, Lei nº 10.436 de 2002, Decreto nº 5626 de 2005 e a Lei Estadual de Libras de 2004, tida como política de inclusão de pessoas surdas. E não só na Unifap, mas na área da educação como um todo, este tem sido um dos motes para muitas pesquisas. Autores como Gesser (2009), Quadros (2004), Strobel (2012), Fernandes (2012), e outros apontam vários resultados para a educação de surdos no Brasil, elencando graves problemas estruturais, de adequação didática, curricular e de formação e qualificação de professores, técnicos, intérpretes de Libras e agentes educacionais.

No município de Macapá, os estudos de Santos et al (2016), apontam a precariedade do atendimento educacional à pessoas surdas. O estudo verificou que em toda a rede municipal de ensino, com quase 200 escolas, somente seis atendem alunos surdos na educação básica. E não é pela falta de surdos para estudarem, mas, sobretudo, pela falta de adequação da rede publica de ensino.

Em 2014, o Ministério da Educação, por meio da Secretaria da Diversidade e Inclusão (Secadi), publicou um documento, construído por professores surdos, ouvintes e militantes do movimento social surdo, para nortear a criação de escolas bilíngues para surdos. O documento trouxe inúmeras orientações e dados de como a educação de surdos está no Brasil e qual o ideal que é reivindicado pelos surdos brasileiros.

O documento ainda faz menção, como marco legal, a Declaração Universal dos Direitos Linguísticos, uma declaração que é inclusive, anterior a conhecida Declaração Universal dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que é de 1996, redigida pela União das Nações Unidas pela Educação e Cultura (UNESCO). Na declaração há um entendimento de que todas as comunidades linguísticas têm o direito de decidir qual o grau da presença de sua língua, como língua veicular e como objeto de estudo em todos os níveis de ensino, que vão desde o pré-escolar até as séries mais avançadas (BARCELONA, 1996).

Seguindo então esta análise, os professores surdos que compunham o grupo de trabalho sobre política linguística, com vistas à elaboração do relatório supracitado, questionam, então, qual a base de sustentação do Ministério da Educação ao desconsiderar a decisão dos surdos, sendo uma comunidade linguística e, por assim serem, decidirem por uma escola bilíngue, apontando então qual seria o nível de uso de sua língua como língua veicular na escolarização de pessoas surdas.

Não diferente dos outros surdos desta pesquisa, José Ronaldo, ao relatar sua trajetória educacional, conta o quão difícil foi estudar numa escola em que sua língua não era usada, ou quando muito algumas pessoas usavam sinais soltos, descontextualizados.

4.4 Quatro trajetórias educacionais