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2.2 Sustentabilidade

2.2.1 Sustentabilidade e meio ambiente

Com a divisão conceitual entre natureza e meio ambiente, apontada anteriormente por Beck (1992), criaram-se outras cisões. De acordo com Banerjee (2003) em algum momento na modernidade e em seus processos linguísticos, a natureza foi transformada em ‘meio ambiente’. Esta mudança de significados refletiria uma busca por tornar processos de proteção e controle mais compreensíveis e por inserir o homem em um ‘meio natural’. À medida que o homem passou a ser compreendido como separado da natureza, a dominação e transformação da mesma tornou-se um indicador-chave do progresso e da capacidade de realização do ser humano.

A cisão entre o considerado como natural e o cultural ou social já provém da tradição iluminista e vem sendo largamente criticada como responsável pela vasta degradação da natureza (DUNLAP; CATTON, 1979). Os mesmos embates subsistem até os dias de hoje. De

um lado, encontra-se uma lógica racionalista e objetivista, com suas pressuposições de que é possível um desenvolvimento sustentável baseado em progressivas descobertas científicas e por trás da qual ainda se percebe o conceito de separação do ser humano da natureza. Por outro lado, a desconfiança de que esta maneira de pensar seja apenas o que MacNaghten e Urry (1998) criticam e chamam de instrumentalismo ambiental.

Esta abordagem instrumentalista seria determinada apenas por interesses individuais ou coletivos que avaliam impactos ambientais por meio de análises de custo e benefício tradicionais e outros mecanismos de mercado marcadamente financeiros e econômicos, privilegiando a lógica alocadora tradicional. Banerjee (2003, p, 154) critica este pensamento caracterizado por pressuposições de que os indivíduos e organizações pesarão os custos e benefícios de seus diferentes comportamentos e, uma vez apresentados aos fatos, entenderão que é de seu melhor interesse comportar-se de forma ambientalmente correta.

Gladwin, Kennely e Krause (1995) apontam para uma epistemologia ‘fraturada’ como a causa da divisão entre homem e natureza nos estudos organizacionais e sugerem a necessidade de um paradigma integrativo para superar os confrontos entre diferentes visões do que seria um desenvolvimento sustentável. Podem-se encontrar defensores de uma corrente ou paradigma tecnocêntrico para o desenvolvimento sustentável, que se baseia em um planeta inerte e passivo e que se deixa explorar e manipular sem esboçar reação. As soluções para os problemas ambientais viriam do progresso científico. Em completa oposição, encontram-se os defensores de um paradigma ecocêntrico, que vê o planeta como uma grande mãe que a todos nutre, como uma teia de vida sensível, frágil, mas que pode se tornar vingativa, na qual os seres humanos estão imbricados. Este paradigma propõe a imediata suspensão do crescimento econômico na forma que conhecemos como solução dos problemas ambientais e sociais de longo prazo.

Como consequência da disputa acima surge, então, de forma sintética e dialética, uma terceira visão. Esta nova visão, a sustentocêntrica, ajudaria na superação destes aparentemente irreconciliáveis pontos de vista, que parecem aprisionados em mecanismos de negação mútua e confronto aberto. A posição sustentocêntrica se forma a partir de indícios da aproximação entre um tecnocentrismo verde e um ecocentrismo que aceita determinadas formas de desenvolvimento. A primeira posição fala de empresas com emissão zero de resíduos sólidos, líquidos e gasosos. Este patamar de emissão zero seria atingido por novas formas tecnológicas revolucionárias como os processos reversos de consumo, em que o destino final de produtos é de responsabilidade das empresas, para reciclagem ou reaproveitamento como matéria prima em outras indústrias (PAULI, 1999). O ecocentrismo não radical aceita um

ecodesenvolvimento com determinadas práticas que podem ser consideradas organizacionais tradicionais.

Para apoiar os fundamentos deste novo paradigma, Gladwin et. al. (1995) baseiam-se, entre outros, em autores da psicologia transpessoal, integral e humanista. Estes autores que propõe de forma metafórica, talvez inspirada nas origens do romantismo que a Terra seja considerada como a morada de todos. Na qualidade de nossa casa, deve ser mantida limpa, saudável e gerenciada de forma correta para a sobrevivência e bem estar comuns. O novo paradigma ‘sustentocêntrico’ pode ser resumido na coluna central do quadro abaixo:

Quadro 1 – Paradigmas alternativos sobre sustentabilidade

Premissas-Chave Tecnocentrismo Sustentocentrismo Ecocentrismo

Ontológias e éticas

Metáfora da Terra Máquina Sistema de Apoio Mãe da Vida

Percepção da Terra Morta / Passiva Casa / Gerenciável Vida / Sensível Composição do Sistema Atomística / Partes Partes e Todos Orgânica / Todos

Estrutura do Sistema Hierárquica Holárquica Heterárquica

Ser Humano e Natureza Dissociável Interdependência Indissociável

Papel do Ser Humano Dominação Liderança Membro

Valor da Natureza Antropocentrismo Inerência Intrinsicalidade

Fundamentos éticos Homocêntrico puro Homocêntrico amplo Terra no centro

Tempo-Espaço Perto / Longe Multiescalas Indefinido

Lógica e Razão Egoísta / Racional Visão / Redes Holismo / Espiritualismo

Científico Tecnológico

Resiliência da Natureza Forte / Robusta Variada / Frágil Altamente vulnerável

Capacidade de suporte Sem limites Próxima do limite Já superada

Tamanho da população Sem problemas Estabilizar Congelar / Reduzir

Padrões de crescimento Exponencial Logístico Hiberbólico

Severidade dos Problemas Triviais Consequenciais Catastróficos

Urgência de Soluções Pequena / Esperar Grande / Décadas Extraordinária / Agora

Orientação para Riscos Aceitação Precaução Aversão

Fé na Tecnologia Otimismo Ceticismo Pessimismo

Caminhos tecnológicos Centralizados Diversificados Descentralizados

Cap. Humano vs. Natural Substitutos plenos Substitutos parciais Complementares

Econômicos

Psicológicos

Objetivos primários Alocação eficiente Qualidade de vida Integridade Ecológica

Vida Boa Materialismo Conhecimento Natureza

Estrutura Econômica Mercado Livre Economia Verde Estado Forte

Papel do Crescimento Bom / Necessário Misto / Em mudança Mau / Eliminar Redução da Pobreza Pelo Crescimento Pelas Oportunidades Pela Redistribuição Capital Natural Exploração / Conversão Conservação / Manutenção Melhoria / Expansão Taxas de Desconto Altas / Normais Baixas / Complementares Zero / Inapropriadas

Orientação do Comércio Global Nacional Bioregional

Estrutura política Centralizada Alternante Descentralizada

fonte: traduzido livremente e adaptado de Gladwin, Kennely e Krause, 1995

Segundo o paradigma sustentocêntrico atividades humanas, sociais e econômicas, deveriam ser entendidas como totalmente ligadas aos sistemas naturais. Os seres humanos não são totalmente imersos ou totalmente desligados do resto da natureza e sim estão ligados à biosfera em termos biológicos. Tanto a biosfera quanto os humanos são vitais, a primeira como instância viabilizadora da vida e os humanos como seres que abarcam e modificam sistemas maiores e mais completos (WILBER, 2001).

Apesar de encontrarmos no texto de Gladwin et. al. (1995), na coluna do meio do quadro acima, em relação à orientação para riscos, a palavra ‘precaução’, esta não deve ser confundida com o Precautionary Principle (PP) ou Princípio da Precaução (GIDDENS, 2009, p. 53). O PP é, desde sua origem, muito mais alinhado com o paradigma ecocêntrico, apesar de servir hoje a interesses diversos. No que diz respeito ao paradigma sustentocêntrico, a palavra mais adequada é talvez ‘prudência’ como norteadora na orientação contra riscos, mais alinhada também com as posições de Beck (1992, 2007).

Pode-se dizer que estes dois paradigmas antagônicos, o tecnocêntrico e o ecocêntrico, espelham as tendências econômicas que Sachs (2000, p. 50-51) chamava de forma livremente traduzida de ‘defensores da abundância’ (cornucopians) e os ‘arautos da catástrofe’

(doomsayers). Também no ambiente econômico, que será abordado mais adiante, as duas posições extremas foram descartadas. Emerge uma posição intermediária entre o

‘economicismo’ determinista e o fundamentalismo ecológico, O primeiro, que tem por prioridade o crescimento econômico, e o segundo, que pressupõe a inexorabilidade do crescimento do consumo e esgotamento dos recursos naturais.

O PP tem suas origens no Movimento Verde e tem sido evocado no sentido de total abstenção de interferências na natureza. Sua definição mais comum é a de que “Reguladores devem tomar medidas para proteger a sociedade contra riscos potenciais, mesmo que os elos causais não estejam claros e que não esteja claro se estes riscos se concretizarão” (GIDDENS, 2009, p. 58). Da maneira como é formulado hoje, no entanto, como aponta o autor inglês, serve a múltiplos interesses, tanto não intervencionistas, quanto de intervenção na natureza.

Pode às vezes servir de estímulo para que se exerçam pressões sobre nações, como no caso da floresta amazônica, ou em outras vezes para justificar a tolerância a riscos bastante óbvios.

Como afirma Giddens (2009, p. 59), o PP “tende a focar apenas nos piores cenários possíveis, produzindo, ou uma reação de paralisia, ou o endosso de reações extremas”.

Giddens (2009, p. 57) simplifica e torna coloquial a questão ligada a estas posturas antagônicas acima apresentadas, em relação à natureza e ao meio ambiente físico-biológico. A traduz como uma disputa entre as maneiras de pensar: ‘quem não arrisca não petisca (he who

hesitates is lost)’ e, por outro lado, ‘melhor prevenir do que remediar (better safe then sorry)’. Aos poucos, com a impossibilidade de um diálogo frutífero ou, como síntese desta dialética, surgiu o paradigma conciliador, que propunha um desenvolvimento econômico que se harmonizasse os objetivos ambientais com os sociais e culturais. Esta ideia ou enfoque em sustentabilidade adquire relevância num curto espaço de tempo, assumindo um caráter diretivo nos debates sobre os rumos do desenvolvimento.

A visível degradação causada, de uma forma ou de outra, em países desenvolvidos, em desenvolvimento ou subdesenvolvidos, mas, de forma generalizada, por toda espécie humana, provocava transformações ecológicas. Estas mudanças não passavam mais despercebidas, colocando possivelmente em risco o futuro da própria espécie. Não que se pudesse afirmar àquela altura dos acontecimentos, no início dos anos 90, que o rumo que as coisas estavam tomando significasse a destruição certa da espécie humana. Mas a modernidade parecia ter conduzido a humanidade para uma situação de risco em larga escala (BECK, 1992).

O conceito de SR, de Beck (1992; 2007), deve ser de novo aqui lembrado, pois é naquele momento, do final do século passado, que parte significativa da sociedade passa a se preocupar, não com a distribuição de ‘bens’, mas com a distribuição dos ‘males’ ambientais e sociais advindos do desenvolvimento. Enormes riscos, a começar pelos nucleares, não respeitam classes sociais e esta dissolução das classes perante os riscos individualiza os atores, lançados à sua própria sorte e sem nenhuma proteção coletiva oriunda de identidade de classe. Passa-se, então, a encontrar cientistas e membros de ‘organização’, que, dentro do paradigma vigente, realizam esforços para eliminar impactos ambientais e transformar organizações em novas formas de viver e conviver.