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3.2. O precedente e sua sistemática no common law

3.2.3 A técnica de distinção (distinguish)

A técnica da distinção entre casos está entre as principais ou mais usuais do sistema de precedentes do common law, visto que, como já comentado, a evolução e expansão do sistema ocorreu através da lógica de aproximação analógica ou distinção entre os casos

anteriores com o caso atual. Portanto, deve-se aqui fazer alguma menção dessa técnica.336

A sua utilização pressupõe a análise de fatos materiais fundamentais (material facts) que, conforme já bem explorados no estudo da ratio decidendi, são o substrato empírico do caso na forma como levado em conta pela Corte emissora. Esses fatos devem ser conduzidos para um determinado grau de abstração e, somente então, serem comparados com os fatos do caso atual. A distinguish consiste nas razões que levam a não aplicação da regra generalizada ao caso futuro por diferenças materiais que serão explicitadas. O exemplo

concreto é fornecido por Mcleod337:

Em Bridges v. Hawkesworth [1985] LJ 21 QB 75, a um consumidor foi reconhecido o Direito de guardar dinheiro que ele encontrou no chão de uma loja. Diferentemente, em South Staffordshire Water Company v. Sharwood [1986] 2 QB 44, a uma pessoa que encontrou dois anéis de ouro na lama do fundo de um reservatório de água não foi reconhecido o direito de retê-los, porque o lugar que os achou não estava aberto ao público.

A interpretação do precedente, portanto, leva à generalização de que o fato “encontrar alguma coisa móvel sem dono presumido ou aparente” teria como consequência o direito do descobridor de ficar com a coisa achada. As circunstâncias do caso posterior se estabeleceram assemelhadas com as do caso anterior no fato do dinheiro e os anéis, nos dois casos, serem coisas móveis sem dono aparente. No entanto, a característica do lugar em que foram encontrados os anéis no caso seguinte não ser público levaria à dessemelhança com a situação anterior, ante a existência de um dono presumido. É assim que, esclarecendo a distinção, é afastada a incidência do precedente anterior.

Portanto, o distinguish funciona, caso utilizado corretamente, como uma forma de declarar o precedente inaplicável ao caso concreto sem, contudo, desafiar-lhe a autoridade.

Assim, expõe Duxbury338:

336 FINE, 2011, p. 67-83.

337 MCLEOAD, 1996 apud SOUZA, 2011, p. 143. 338 DUXBURY, 2008, p.114.

In the most routine instances, the activity of distinguish leaves the authority of precedent undisturbed, for a court is declaring an earlier decision not to be bad law, but to be good but inapplicable law. It is not even clear that it is right to talk about distinguish in such instances, for a court considers the earlier decision irrelevant to the case at hand, and therefore, for its present propose, not really a precedent.339 A técnica de distinção faz-se mais presente quanto se identifica casos cujas razões de decidir se apresentam como verdadeiras regras amplas e abstratas, sem a necessária adstrição direta ao caso concreto. Tais casos, que apresentam precedentes generalistas, são comumente frutos de um perigoso “olhar para o futuro” feito pela corte emissora que prioriza a tentativa de produzir norma jurídica para regulação geral ao invés de se reter às estritas

balizas do caso concreto.340

Cabe alertar, no entanto, que a técnica do distinguish é também utilizada como uma burla ao stare decisis, como forma de afastar a incidência de um precedente, que a corte por algum motivo não quer aplicar, mas ao qual deveria estar restrita, devido à sua força

obrigatória. Assim é a crítica feita por Crackell341:

A American Realist School of Philosophy¸ em seu extremo, argumenta que o que é importante não é tanto o que um juiz diz, mas o que ele faz: isto é ele tem uma grande liberdade para ignorar decisões anteriores e seguir suas próprias opiniões – indiferentemente de como ele ‘veste’ sua decisão em seu julgamento. É verdade que, em alguns casos, os juízes realmente dão credibilidade extensa demais à decisão. Em Jones v. Secretary of State for Social Services (1972) AC 944 (HL), Lord Reid afirmou: ‘É notório que, quando a decisão existente é desaprovada, mas não pode ser revogada, as cortes tendem a distingui-la em bases inadequadas. Eu penso que eles ajam erradamente fazendo isso, eles estão adotando a menos imperfeita das únicas alternativas aberta a eles. Mas isso está fadado a causar incerteza [...].

De fato, a técnica de distinção se praticada de forma excessiva, acarretando distinções fracas ou irreais, representa uma erosão indireta do precedente sem que nenhuma corte expressamente decida pela sua superação de forma expressa. Outro risco são as distinções produzidas em forma de exceções à regra geral dos precedentes, que no aspecto formal parecem plausíveis, mas que substancialmente apresentam inconsistência com a regra principal, principalmente em se tratando de regras já socialmente consolidadas ou quando se mostra impossível de administrar (unworkability) de forma que os casos merecem ser tratados

de forma consiste.342

339 Na maioria das instâncias de rotina, a atividade de distinção deixa tranquila a autoridade do precedente, já que a corte não está declarando que uma decisão anterior é uma lei ruim, mas inaplicável apesar de boa. Não é também claro que seja correto falar sobre distinguir em tais instâncias, porque a corte considera a decisão anterior irrelevante para o caso concreto e, portanto, para este objetivo específico, na verdade não é um precedente (Tradução nossa).

340 SUMMERS, 1997, p. 393.

341 CRACKELL, 1995 apud SOUZA, 2011, p. 144. 342 SUMMERS, op. cit., p. 392.

Pode-se observar, no mesmo sentido, que esse é um dos institutos que mostram que o sistema de precedentes do common law também gera aberturas para decisões arbitrárias, que realmente ocorrem na prática, e que tem os mesmos problemas encontrados em um sistema como o nosso, para os quais também se procuram soluções.