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Tabaré: avanços históricos, mas com o oligopólio ninguém mexe

3. NA TELA DA TV E PELO RÁDIO: O URUGUAI NA HISTÓRIA

3.7. Tabaré: avanços históricos, mas com o oligopólio ninguém mexe

Após vencer as eleições, em 2004, Tabaré Vásquez aprovou políticas públicas históricas e fundamentais para a área da comunicação, ampliando a liberdade de expressão, o acesso à informação pública e promovendo maior pluralismo e diversidade no sistema de mídia (LANZA, 2015). Entre 2005 e 2010, os principais avanços, centrando-se em novas legislações, foram: a despenalização parcial dos “crimes de comunicação”, beneficiando o setor comunitário (2008); a aprovação da Lei da Radiodifusão Comunitária (2007); e a aprovação da Lei de Acesso à Informação Pública (2009). Cabe lembrar, logo de início, que Lanza (2015) destaca a importância das ações do Executivo, mas sem deixar de creditar a outros atores

sociais, como as entidades da sociedade civil, a elaboração “de baixo para cima” das políticas implementadas (LANZA, 2015).

No contexto sul-americano dos últimos 15 anos, com a aprovação de novas legislações gerais sobre comunicação, a aprovação da Lei da Radiodifusão Comunitária (2007) representou um marco histórico, um avanço pioneiro por parte do governo Vázquez. A previsão de abertura do espectro de rádio para o setor sem fins lucrativos, destinando-lhe 1/3 do espaço, e a colocação de regras mais claras para a autorização e o uso de frequências, dentre outros avanços, valorizou sobremaneira um setor historicamente criminalizado e reprimido. No entanto, há que se ressaltar que, passados dez anos da aprovação da lei, o país ainda está muito longe de chegar a uma real e efetiva inserção da comunicação comunitária no espaço comunicacional (GÓMEZ, 2016).

No período Vázquez houve, ainda, mais pontos tidos como emblemáticos e igualmente importantes para o avanço na democratização dos meios de comunicação do país. Kaplún (2012) aponta, por exemplo, o fortalecimento do setor público. Os canais públicos sempre foram encarados, anteriormente, como “meios de segunda categoria” (KAPLÚN, 2012), por apresentarem pouca audiência e serem dotados de poucos recursos técnicos. Segundo o autor, tal visão foi alterada e houve “desenvolvimento bem relevante” no período entre 2005 e 2010, tanto da televisão quanto das rádios públicas. Mais elementos positivos são apontados como o desenvolvimento de projetos de inclusão digital, baseados na ideia do Massachusetts Institute of Techology (MIT), dos EUA, de “um computador por criança” (one laptop per child). O programa tem forte inserção nas escolas primárias do Uruguai. Ainda nessa área, houve também políticas públicas de universalização da banda larga que, apesar de o acesso ainda não ser universal, teve avanços importantes. Também foram melhorados os critérios para distribuição de recursos de publicidade oficial e, por último, a criação da Direção Nacional de Comunicações (Dinatel), via Lei nº 17.930, órgão especifico para lidar com a comunicação, movendo-a do Ministério da Defesa Nacional para o Ministério da Indústria, Energia e Mineração (Miem).

Tal qual Lanza, Kaplún (2012) também enfatiza que tais políticas foram enfrentadas pelo Executivo após enorme pressão social feita pelas entidades que compõem a sociedade civil. Não à toa que a maioria das medidas do governo Vázquez constavam como demandas apresentadas após acúmulo dos anos anteriores.

No entanto, apesar de tais avanços citados na primeira gestão da F.A, faltava uma legislação que regulasse o setor mais problemático no âmbito da comunicação, apontado diversas vezes neste trabalho: o setor privado. À época Kaplún indicou três principais necessidades para uma próxima administração da F.A: 1) uma lei geral de comunicação que abordasse o conjunto dos temas e regulasse o setor privado, altamente concentrado e ainda absolutamente dominante no que diz respeito à produção da comunicação no país; 2) uma lei de telecomunicações que melhor regulasse os problemas de infraestrutura tecnológica — além de um quadro institucional mais claro; e, por fim, 3) a criação de um Ministério das Comunicações para sanar a falta de clareza quanto às competências dos organismos relacionados à temática (KAPLÚN, 2012).

A partir de 2008, então, com tamanha quantidade de temas pendentes, o programa partidário para a disputa das eleições de 2010, agora com José Pepe Mujica como candidato, apontava para “(...) continuar com o processo de democratização da comunicação; com o fortalecimento da mídia pública, gerando no setor privado uma concorrência livre efetiva, e a participação da sociedade civil na definição de políticas públicas de comunicação” (BUQUET; LANZA; RADAKOVICH, 2013, p. 29).

Ainda, o programa citou, pela primeira vez na história, o combate à oligopólios e monopólios no setor, conforme colocado de forma resumida abaixo:

Continuar na construção de um marco regulatório apropriado para a adjudicação das frequências de rádio e televisão e na alocação de publicidade oficial, promovendo maior participação da sociedade civil na definição de políticas de comunicação pública; Consolidar o reconhecimento das mídias comunitárias e seu papel na sociedade, implementando políticas ativas para seu desenvolvimento; Aprofundar a atualização e a aplicabilidade dos regulamentos existentes para garantir livre concorrência e igualdade de oportunidades em acesso a ondas, e promover uma concorrência em transmissão comercial com regras justas e transparentes, desfavorecendo a formação de oligopólios e monopólios; A TV Digital quadruplicará o espaço de emissão atual, o que deve ser aproveitado para dar mais espaço à produção do audiovisual nacional (BUQUET; LANZA; RADAKOVICH, 2013, p. 29).

Nesse ponto, não cabe adiantar a análise do período Mujica (2010-2014), uma vez que tais considerações estão estritamente ligadas ao objeto desse estudo, de como as entidades da sociedade civil atuaram no processo de aprovação da LSCA. O assunto será tratado mais adiante. No entanto, há que se fazer uma constatação prévia para bem entendermos os próximos passos desta pesquisa: ao apontar que um governo de esquerda conseguiu promover avanços legislativos e mudanças importantes no

cenário das comunicações — como os referentes às rádios comunitárias e ao setor público, bem como à lei de acesso à informação e às políticas de Internet — ficou claro que não houve enfrentamento ao oligopólio privado e, assim, o grau de concentração midiática seguiu absolutamente intocável. E, ainda mais grave: como o tema suscitou um forte aporte de críticas pelos principais meios de comunicação já nos primeiros meses do governo Mujica, este deu declarações desautorizando o envio pelo Executivo de projeto de lei sobre o audiovisual. Uma delas, por exemplo, foi dada no fim de 2010, para vários órgãos de imprensa. Mujica disse que não sabia de “nenhuma lei em preparação” e que, se algo nesse sentido chegasse às suas mãos, “jogaria no lixo” (ESPECTADOR, 2010) – como veremos com mais detalhes adiante.

A partir disso, uma pergunta nos inquietava: se o presidente da República tinha essa opinião, o que foi feito para que a lei fosse finalmente aprovada, após quatro anos de tramitação? Ficou claro, assim, o papel protagonista exercido pelas organizações sociais na pressão pela aprovação da LSCA. Assunto que será analisado mais de perto, com acréscimo de elementos: o que existiria na cultura política do uruguaio e da uruguaia que nos faria compreender melhor esse processo? Afinal, de que sociedade civil estamos realmente nos referindo?