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Tanto, Tanto! foi o último livro escolhido para abordar a questão intercultural. Em muitas histórias as personagens apresentam o mesmo tom de pele, normalmente o branco. Já nesta história as personagens apresentam um tom escuro. Ainda que o tom de pele não seja relevante, ou melhor, não devesse ser, a sociedade continua a ver este pormenor como um fator discriminatório. Deste modo, considerámos pertinente recorrer a um livro cujas ilustrações aludissem a uma família com um tom de pele diferente, neste caso, uma família de negros.

Esta história retrata uma tarde festiva; através do texto e das ilustrações, conseguimos perceber a sua união e afetividade que acaba por resultar numa convivência alegre e divertida. É notório ainda que a obra se centra, particularmente, no elemento mais novo da família, o bebé, a quem todos os familiares querem abraçar, beijar, apertar e brincar “tanto, tanto!”. Ainda que o objetivo seja fazer uma surpresa ao pai pelo seu aniversário, é ao bebé que é feita uma demonstração de amor por todos os elementos. Cada familiar que chega centra toda a sua atenção no bebé, acariciando-o e brincando com ele.

A simplicidade do vocabulário utilizado no texto e a harmonia das ilustrações demonstram-nos isso de forma clara. Para além disso, a ilustração reforça a caracterização da família negra em detalhes como o cabelo, as roupas e os adereços que apresentam cores alegres e com padrões coloridos. Por sua vez, o carinho que é demonstrado por todos acaba por criar uma certa musicalidade no texto que permite às crianças, mesmo sem saberem ler, acompanhá-lo pela sua repetição.

A esta altura encontrávamo-nos a comemorar a semana do carnaval. Escusado será referir que esta foi sem dúvida uma semana cheia de diversão e de cor. Isto porque a educadora cooperante optou por atribuir a cada dia da semana um adereço, ou peças de roupa, que as crianças tinham que levar. No dia do desfile o grande objetivo era apelar à originalidade de cada um, juntando todos os elementos que tinham utilizado ao longo da semana, criando assim a sua própria caracterização. Sendo esta a última semana e, dado a também ser uma semana festiva, em que apostámos essencialmente na brincadeira, optámos pela simples leitura do livro. Leitura essa que decorreu de forma diferente do que habitualmente acontecia na hora do conto. Já depois de o grupo estar reunido no tapete, mantivemos com o grupo o seguinte diálogo:

Sinopse: A obra Tanto, Tanto! narra a tarde de uma família afro- inglesa que se reúne para fazer uma festa surpresa. Os parentes vão chegando pouco a pouco e todos eles querem abraçar, beijar e brincar com o bebé da família “Tanto, tanto!”. No final, todos fazem uma surpresa ao pai celebrando o seu aniversário.

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A meio da leitura, sentimos que as crianças tentavam acompanhar a história, seguindo a estrutura da repetição que tinha aparecido anteriormente. Esta estrutura da narrativa possibilita à criança participar na história, mesmo não a conhecendo. Depois de ouvir com atenção as primeiras partes do texto narrativo, a criança facilmente consegue compreender e identificar quando determinada repetição irá surgir. Por outro lado, as ilustrações também ajudam a decifrar esses momentos, uma vez que certos pormenores da mesma dão essas indicações. Por exemplo, neste livro em concreto, conseguimos perceber quando vai entrar uma nova personagem. Em relação à ilustração, conseguimos perceber que vai surgir uma nova personagem, quando aparecem todas a personagens que foram surgindo até ao momento sentadas na sala, como que à espera de algo ou de alguém. Por sua vez, no texto a indicação é dada pelo verso: “Quando, de repente…”, alguém toca à campainha e aparece mais um elemento da família. Para a criança estes são elementos que a auxiliam a compreender a estrutura da história.

Ed. E.: O que será que vamos fazer? C1: Vamos ouvir uma história? C3: Maria tu tens aí um livro.

C7: Tenho a certeza que nos vais ler uma história.

Ed. E.: É verdade sim, é uma história. Então e se em vez de ouvíssemos esta história sentados, a ouvíssemos de maneira diferente?

C9: Olha podia ser deitados. Era boa ideia. C10: Sim, também acho, deitados ia ser divertido.

Ed. E.: É uma boa ideia sim. Então vamos deitar-nos todos em roda. Assim todos conseguem ver o livro.

(Depois de já estarmos todos deitados e bem acomodados, o livro é colocado no centro do circulo.)

Ed. E.: Alguém conhece este livro?

Todos respondem que não e então questiono: Ed. E.: De que tratará esta história?

C12: Na capa está um bebé e o pai. C11: E parecem estar a dançar.

C9: Mas ainda não disseste o título desse livro.

Ed. E.: Pois não, tens razão. Têm alguma ideia que título terá este livro? C9: Eu não sei, mas deve ser sobre o bebé e o pai.

Ed. E.: O título é Tanto, Tanto! Vamos ouvir? VC: Sim!

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Terminada a leitura, questionámos o grupo se tinha gostado da história, ao que apenas uma criança respondeu negativamente, justificando ser “aborrecida”. Embora tenhamos tentado perceber o porquê de a criança não ter gostado, não conseguimos obter outra justificação. A verdade é que por vários motivos a criança poderá não ter gostado do livro: pelas ilustrações, pelo texto em si, ou até mesmo pela história no seu todo. No entanto, é importante que tenhamos em consideração que esta criança é das mais velhas do grupo, pelo que, por exemplo, a simplicidade do texto poderá não ter despertado o interesse da mesma.

Recuando, agora, até à conversa apresentada acima, foi notória a alegria do grupo quando esticámos uma manta no chão e nos deitámos para ouvir a história. Por norma, a hora do conto decorre sempre da mesma forma, sentados no tapete. Tenhamos em consideração que este era um grupo que, inicialmente, era irrequieto, com alguma falta de regras e com pouco interesse pelas atividades que se desenvolviam. Contudo, a hora do conto era dos poucos momentos em que o grupo se envolvia e se interessava. Fazendo uma retrospetiva, esta foi a hora do conto em que o grupo se manteve com mais atenção a ouvir a história. A verdade é que a história em si lhes poderia ter interessado mais do que outras, também por esta estrutura de narrativa ser mais propícia à sua participação. Por outro lado, o facto de termos optado por uma postura diferente também poderá ter despertado mais a sua atenção e estimulado a sua participação.

Ainda relativamente à conversa, mais concretamente à exploração da capa, as crianças identificam que estas personagens poderão ser pai e filho que estão a dançar, não fazendo qualquer referência à sua cor. Em atividades anteriores, como já vimos, foram surgindo personagens que apresentavam tons de pele diferente, em alguns casos, acompanhadas de comentários negativos face às diferenças que eram apresentadas. Depois de termos recorrido a livros e histórias onde eram representadas diversas culturas, este foi o único livro que fez referência a uma única cultura, a de uma família negra. Por este motivo, a atenção do grupo poderia incidir-se na questão da cor das personagens, contudo isto não se verificou.

Ao longo da prática de intervenção foram propostas diversas atividades ao grupo, onde se proporcionou o “contacto” com outras culturas e ao longo das quais fomos ouvindo as suas conceções sobre o Outro. Chegando a este momento onde se enfatiza a cultura negra e não existindo opiniões negativas expressas, podemos dizer que, ainda que o tema tenha sido abordado pouco tempo, as crianças se sentiam mais familiarizadas com as diferenças, respeitando-as.

A verdade é que o preconceito não começa nas crianças, mas nos adultos que as rodeiam, despertando-lhes esse sentimento. Mesmo que inconscientemente, os adultos transmitem os seus medos e as suas inseguranças às crianças, que as percecionam também como suas. Neste sentido, importa que tenhamos atenção ao que, muitas vezes sem querer, transmitimos aos mais novos. Livros como o Tanto, Tanto! permitem que a criança contacte com outras culturas, sem que nele estejam discriminadas tradições, religiões ou outro aspeto que as caraterizam. Basta, tal como nesta obra, que se transmitam valores como a união da família, o amor e a amizade.

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