• Nenhum resultado encontrado

No final da década de 80 e nos anos seguintes foram realizados sucessivos congressos para debater a temática do Terceiro Setor ao redor do mundo. Muitos pesquisadores da área das ciências sociais passaram a se interessar pelo fenômeno emergente das organizações sem fins lucrativos que se alastrava (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Um dos resultados desse momento foi o projeto de pesquisa desenvolvido na Universidade de John Hopkins sobre esse tema, que fez com que o uso da expressão Terceiro Setor retomasse nos escritos acadêmicos. Isso gerou a expansão do uso dessa terminologia em vários países, incluindo, o Brasil (ALVES, 2002).

Esse projeto, que se estende até a atualidade, tem como finalidade principal dimensionar o impacto do Terceiro Setor sobre as economias

nacionais dos diversos países pesquisados, além de dar maior visibilidade a esse setor nas diversas realidades ao redor do globo.

Tanto em países em desenvolvimento, tipicamente localizados ao sul do mapa-múndi, quanto nas nações desenvolvidas, em sua maioria geograficamente posicionados ao norte, cidadãos vem criando associações, fundações e instituições similares para a promoção de serviços humanitários. O objetivo essencial é realizar atividades que fomentem o desenvolvimento econômico de base, a prevenção da degradação ambiental, a proteção dos direitos civis e a persecução de várias outras demandas que não vinham sendo atendidas ou foram deixadas de lado pelo Estado (ALVES, 2002).

O cenário político e o momento histórico vivenciado nessas décadas em questão convergiram simultaneamente em mudanças revolucionárias e geraram a diminuição da presença estatal, o que auxiliou no crescimento das ações de caráter associativo.

O estado de bem-estar social, crise que ficou conhecida como crise do Welfare State na década de 80, fez com que os direitos básicos antes garantidos e subsidiados exclusivamente pelo Estado fossem remanejados para a estrutura organizacional das ONGs.

Os países mais pobres sofreram grandemente a falta de recursos que viabilizassem seu desenvolvimento. Essa realidade foi seguida do amplo aumento da dívida externa no final do século XX, que basicamente inviabilizou as nações a continuarem financiando atividades para fomentar o desenvolvimento.

Nesse contexto, a temática do meio ambiente recebeu atenção mundial diante de degradações crescentes espalhadas por todos os continentes. Essa realidade demonstrou a falta de políticas públicas internacionais apropriadas para combater aquele cenário global. Restou evidente que esse tipo de crise necessitaria de uma conjuntura de ações difusas e ao mesmo tempo conexas para amenizar os efeitos nefastos previstos por estudiosos, o que significou a descentralização do problema (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Somou-se ao cenário mundial a crise do modelo socialista, especialmente após a queda do Muro de Berlim, que culminou na decadência daquela forma organizacional de planejamento estatal para a gestão da economia mundial.

A revolução dos meios de comunicação iniciada na década de 70 facilitou a dispersão do uso de computadores, fax e celulares, ampliando as possibilidades de comunicação entre as pessoas. O auge ocorreu com o início da internet, que rompeu barreiras antes inimagináveis pelo ser humano e facilitou ainda mais a difusão do conhecimento que a própria rede passou a gerar.

Por fim, o grande crescimento mundial na década de 60 acarretou um enorme aumento das populações urbanas. Isso fez com que comunidades mais exigentes fossem formadas e trouxe expectativas maiores para os governantes.

As organizações não lucrativas presentes em países desenvolvidos e as ONGs que lutam pelos direitos civis em nações ainda em desenvolvimento, ambas, são fenômenos que compõem o termo abrangente Terceiro Setor. Logo passou a ser adotado e buscou manter várias modalidades de ações e formas de organização.

Pontuado de outra forma, é possível concluir que foi em razão da perspectiva da revolução associativa que o termo Terceiro Setor renasceu na literatura da década de 70 para ser usado como conector de termos globais, considerando as variadas especificidades nacionais e/ou regionais das organizações (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Após esse período, os pesquisadores foram capazes de afastar a forte carga ideológica e de várias tradições locais, que se adensavam na terminologia até então utilizada. Assim, esse período foi essencial para avanços na interpretação desse tema.

A denominação Terceiro Setor adveio da conceituação clássica da economia, para a qual a sociedade é subdividida em setores, conforme os objetivos econômicos de seus agentes sociais, sejam de natureza jurídica pública ou privada. Portanto, agentes de natureza privada atuantes em atividades que objetivam finalidades privadas fariam parte do Primeiro

Setor, correspondente ao mercado. Agentes de natureza pública que exercem ações que visam fins públicos fariam parte do Segundo Setor, correspondente ao Estado. Assim, agentes de natureza privada que praticassem atividades com o intuito público integrariam o Terceiro Setor (ALVES, 2002).

Nesse sentido, a princípio, associa-se o Terceiro Setor a práticas simultaneamente não governamentais e não mercantis, ou seja, não lucrativas.

Inexiste até o momento consenso entre os pesquisadores se há alguma ordem de importância, de prevalência ou de surgimento dos três setores demarcados pela economia. Debates ideológicos e análise das teorias até hoje estudadas foram insuficientes para gerar concordância na academia sobre essa questão.

A viabilidade prática no uso de uma terminologia só para uma temática ao mencionar o Terceiro Setor deu condições para que diversas realidades de pesquisa pudessem conversar, pois ao resumir numa só palavra uma vasta área de pesquisa, tornou-se possível dialogar com muitos problemas que a academia jamais havia enfrentado. Dentre os principais, o problema de como tornar comparável todo o Terceiro Setor, em termos globais, e como tratar como iguais formas organizacionais tão diferentes foram questionamentos comuns a estudiosos de situações diversas de mundo (ALVES, 2002).

A fim de esclarecer esses questionamentos restaram identificadas características presentes, em maior ou menor grau, nas organizações do Terceiro Setor. A formalização, isto é, a apresentação de alguma forma de institucionalização, como o registro público de suas atividades ou outras formas que justifiquem a sua existência formal através de reuniões regulares e representantes reconhecidos.

Na natureza privada, ou seja, institucionalmente separadas do Estado, há inexistência de distribuição de lucros, pois se houver recursos excedentes, estes não serão repassados aos membros, mas revertidos para a própria atividade-fim, a autogestão, ou seja, a capacidade de

controlar suas atividades e a participação voluntária, quer seja em suas atividades, em sua gestão ou em sua direção (SALAMON; ANHEIER, 1992).

Essa definição estrutural da pesquisa construiu um parâmetro-base de análise pelo qual se tornou possível estudar o Terceiro Setor em diversos países, inicialmente em 13 países e, hoje, já em 40 países. Concluiu-se que esse setor varia muito, de acordo com as diversas realidades nacionais.

Assim, em cada realidade o estudo permite uma certa flexibilização para que possam ser incluídas ou não algumas organizações consideradas as características próprias do lugar.

Apesar de o projeto desenvolvido pela Universidade de John Hopkins ser pioneiro na temática e em sua dimensão, é preciso observar problemas de base. A escolha operacional em que nasce o recorte do grupo inicial a ser pesquisado diminuiu bastante a quantidade de organizações sem fins lucrativos a serem estudadas. Além disso, a definição estrutural foi construída na perspectiva da realidade do Terceiro Setor norte-americano, distorção basilar que leva a conflitos subsequentes quando se analisam outros países (ALVES, 2002).

Portanto, considerando que os cinco critérios anteriores admitiram a inclusão ou exclusão das organizações e aceitaram a flexibilização de combinações diversas no Terceiro Setor, nota-se que a fixação estrutural utilizada pela Johns Hopkins, apesar de ser uma forma intrigante de abordagem para incluir realidades diversas de Terceiros Setores ao redor do globo, mais oculta do que revela. Assim, é essencial observar teorias alternativas sobre essa temática.

Dentre as definições alternativas para o Terceiro Setor, é possível vislumbrar a economia vista através de três conjuntos, em que o primeiro é formado de organismos estatais, a quem cabe conservar a ordem social. O alcance de seus objetivos ocorre por meio do uso da autoridade legitimada pela sociedade, pois representa os interesses da maioria e opera na esfera do sistema político.

O segundo conjunto de organizações identificado corresponde ao mercado. Essas organizações estão compreendidas nas atividades de produção de bens e serviços. A função desse conjunto fomenta seus

objetivos através das trocas econômicas negociadas, visando maximizar lucros. Resta aqui representados os interesses individuais operados na esfera do mercado.

O terceiro conjunto de organizações recai sobre o setor associativo voluntário. As organizações classificadas aqui são as que mais se ocupam em articular e realizar visões sociais. Essas atingem suas finalidades representando interesses marginalizados e atuam na esfera da sociedade civil.

Essa classificação escolhida é o mais abrangente possível sem qualquer tipo de distinção entre organizações por tamanho, local, base financeira ou interesse substantivo. Estão incluídos países do primeiro e do terceiro mundo e tampouco faz qualquer tipo de reserva moral ou ideológica. A partir dessa alargada inclusão, essa teoria está marcada por um modo excessivamente simplificado de definir o fenômeno das organizações que não têm o lucro como principal finalidade.

Há, ainda, uma outra forma de compreender o Terceiro Setor que analisa a lógica pela qual o nome tem sido atribuído a diferentes organizações do setor não lucrativo. Essa visão critica o fato de todas as demais análises partirem da ideia de que o mundo social é tripartite, já que seria possível vislumbrar uma quarta categoria, o setor doméstico.

Na literatura tradicional das ciências sociais, o setor doméstico é geralmente inserido no setor privado, o que talvez seja um erro já que o setor doméstico e o setor privado têm características diversas em suas atividades. O setor doméstico abrange as relações familiares e comunitárias.

Nessa perspectiva, as organizações não lucrativas são realocadas do terceiro para o quarto lugar porque surge uma nova figura. O Terceiro Setor, a princípio, perde sua posição especial e exclusiva de ator voluntário, uma vez que é possível imaginar serviços voluntários também dentro da esfera doméstica.

Zonas ambíguas de intersecções entre os mundos existem e as respostas não são claras e bem definidas, mas basicamente é possível falar do Terceiro Setor como elemento de um conjunto, uma mescla intermediária entre o mercado, o Estado e a comunidade.

As organizações do Terceiro Setor têm características polivalentes diante da combinação de fatores políticos e sociais tão importantes quanto os papéis que desempenham no mundo econômico. São organizações híbridas que compõem recursos e racionalidades de diversos setores.

Existe um pluralismo sinérgico no Terceiro Setor e diante das diversas explicações e tentativas de definições apresentadas, a teoria que permite imaginar uma quarta categoria parece potencialmente interessante, já que é excessivamente exigente, mas observa o fenômeno sob uma ótica multidisciplinar.

RESUMINDO:

E então? Gostou do que lhe mostramos? Aprendeu mesmo tudinho? Agora, só para termos certeza de que você realmente entendeu o tema de estudo deste capítulo, vamos resumir tudo o que vimos. Você deve ter aprendido que o Terceiro Setor no Brasil é recente na forma como atualmente observarmos. Ademais, essa denominação utilizada é demasiadamente genérica, haja vista abarcar vários tipos de organismos com diferentes marcos históricos. A análise política e cultural da acepção do termo é profundamente densa, baseada em vasta pesquisa acadêmica. Apesar de ser muito comentado como uma das novidades em termos de políticas públicas, o chamado Terceiro Setor ainda é algo pouco analisado no cenário científico brasileiro. Trata-se de um termo abrangente que agrega diversos tipos de organizações. Após debruçar-se sobre as teorias e os contextos que marcaram esdebruçar-ses momentos de consolidação da nomenclatura, foi possível perceber que existe uma vasta mescla de nomenclaturas para referir-se a realidades distintas, o que dificulta uma uniformização ideal para marcar o tema. Essas dificuldades encontradas não facilitam a pesquisa desenvolvida e a compreensão por parte de quem tem interesse em adentrar na temática. Assim, a partir desse momento, o termo preferido será Terceiro Setor, já que setor não lucrativo não deve ser usado como terminologia sem qualquer distinção.

Documentos relacionados