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2.2 Ciência, tecnologia e sociedade

2.2.1 Tecnologia e a universidade

Segundo Vaccarezza (2004), o campo CTS é multidisciplinar e possui uma variedade de problemas e objetivos de análise, como: políticas, construção de saberes, inovação, gestão, entre outros.

De acordo com López Cerezo (2000), o campo de Ciência, Tecnologia e Sociedade é amplo e necessita de pesquisas para entender os fenômenos científico-tecnológico no contexto social, suas relações e consequências. Logo compreender um pouco as atividades da Universidade, da Tecnologia e por seguinte a Tecnologia em específico a Tecnologia Social é importante para as consequências no interior da sociedade.

Dentro de uma matriz de problemas apresentadas por Vaccarezza (2004), a pesquisa abordas as questões relacionadas a problemas de política científica e tecnológica, problemas de vinculação entre ciência e produção e impacto social da mudança tecnológica.

Desta forma, esse subcapítulo começa abordando as questões relacionadas à tecnologia. Para Feenberg (2010) é necessária uma alteração nos padrões de concepção do que vem a ser tecnologia e a sua definição, que carrega o estigma da racionalidade e da eficiência, em detrimento de sua dimensão social.

Pinto (2013) distingue quatro significados diferentes para a tecnologia (quadro 7), sendo a primeira definição a mais importante para a compreensão das outras e as derivações acerca do tema.

Quadro 7 - Acepções do termo tecnologia

Acepção Significado

Primeira

Etimológico, a tecnologia tem de ser a teoria, o estudo, a ciência, a discussão da técnica, as habilidades do fazer, as profissões e de forma generalizada os modos de produzir algo. Sentido primordial, cuja interpretação será essencial para as demais. A tecnologia é o valor fundamental e exato de logos da técnica

Segunda

Tecnologia equivalente pura e simplesmente a técnica. Constitui o sentido mais frequente e popular da palavra, o usando na linguagem corrente, quando não se exige precisão maior. As duas palavras são intercambiáveis no discurso habitual, coloquial e sem rigor. Como sinônimo, aparece como know how, essa equivalência de significados da palavra será fonte de perigosos enganos no julgamento de problemas sociológicos e filosóficos suscitados pelo intento de compreender a tecnologia

Terceira

Ligado ao significado anterior, entendido como o conjunto de todas as técnicas de que dispõe uma determinada sociedade, em qualquer fase histórica de seu desenvolvimento. A importância desta acepção reside ser a ela que se costuma fazer menção quando se procura referir ou medir o grau de avanço do processo das forças produtivas de uma sociedade

Quarta A palavra tecnologia menciona a ideologia da técnica Fonte: Pinto (2013).

Entender a definição de tecnologia é parte importante para compreender a nossa atual realidade, porém se faz necessário saber outras questões relacionadas à tecnologia e seus desdobramentos, antes de sua apropriação, uso e adaptação na sociedade.

No desenvolvimento de novos projetos devemos atentar para as ideologias e valores presentes nas tecnologias, o que não é fácil, porque corroboram à determinados interesses, como os políticos e econômicos.

Nesse cenário, e talvez porque para muitos que começam a pôr em prática um outro projeto já esteja claro sua inviabilidade, é natural que se difundisse a preocupação com as bases tecnológicas de um processo que permita a recuperação da cidadania dos segmentados mais penalizados, a interrupção da trajetória de fragmentação social e estrangulamento econômico interno do país e a construção de um estilo de desenvolvimento sustentável (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2010, p. 83).

A tecnologia é utilizada para alimentar o poder e sabendo disso as minorias dominantes acabam utilizando-a para instituir novas formas, mais eficazes e agradáveis de controle e coesão social. Ou seja, a sociedade industrial tecnológica, por meio de sua racionalidade tecnológica e de seus produtos, doutrinam e manipulam o padrão de pensamento e comportamento unidimensionais na sociedade, promovendo o controle social e consequentemente sua dominação, manipulando as necessidades, impedindo o surgimento de oposições à elite dominante (MARCUSE, 1972).

Isso é reforçado pela Indústria Cultural, que cruza o cotidiano da sociedade na forma de produtos, mercadorias e acaba transformando o comportamento, passando determinadas ideologias e valores, a fim de domesticar e manipular a sociedade. Desta forma a Indústria Cultural, obscurece a percepção dos indivíduos, inclusive os formadores de opinião (ADORNO, 2002).

A ideia de uma tecnologia ser melhor do que outra, na verdade substitui a noção de que certas tecnologias são adequadas para determinados fins e para outros não, dificultando a percepção de que algumas são funcionais para a reprodução do capital, ainda que deturpem valores morais e ambientais e que sigam pouco contestadas devido ao controle hegemônico (DAGNINO, 2010a).

A minoria dominante está presente em todas as áreas, a fim de reforçar seu poder e sua manutenção sobre a maioria. A passagem seguinte relata as ações de quem domina e em que contexto a maioria acredita nascer a ciência (sem efeitos colaterais, livre de erro), a tecnologia e o apoio às inovações.

De acordo com Kreimer (2009), o conhecimento desenvolvido por parte de cientistas em seus laboratórios é orientado por interesses particulares/privados, os quais financiam pesquisas e a construção de laboratórios, estabelecendo uma série de negociações e acordos, cujos objetivos estão diretamente ligados à status e renome isto com que faz muitos pesquisadores participarem de determinados círculos/ redes de pesquisa, possibilitando publicações e credibilidade, que por fim servirá para a manutenção de uma minoria dominante que detêm o controle social, não atendendo às necessidades da sociedade.

De acordo com Dagnino (2010a), as instituições (as universidades são uma delas) são organizadas conforme a opinião, prestígio e poder de seus líderes e suas redes sociais. O acúmulo de poder proporcionado pelo prestígio, não está ligado a uma capacidade técnica para decidir sobre qual atividade de docência e pesquisa estaria mais adequada para a sociedade.

Para o mesmo autor:

A falta de confiança no planejamento leva a que a universidade não estabeleça uma política de pesquisa, não discuta o profissional que forma. E, em consequência, corre o risco de formar gente para o passado, não para o presente e muito menos para futuro. A política de pesquisa é formulada por default, ela não é programada – é o resultado de um conjunto de projetos amorfo, mas sempre aderente às características da TC. Não há uma agenda de pesquisa, no sentido estrito da palavra; há uma decisão por omissão (DAGNINO, 2010a, p. 68-69).

Varsavsky (1969) defende uma ciência politizada, que contribua para a libertação do povo, mudança social, ou seja, uma ciência do povo. Para tanto é necessário combater o colonialismo cultural e consequentemente o cientificismo.

Opondo-se à atuação do cientificista, está aquele pesquisador configurado ao mercado científico, que renuncia à preocupação com o significado social de sua atividade, e que aceita as normas, valores e temas dos grandes centros internacionais em sua empreitada profissional, com a intenção de fazer parte dos altos círculos da ciência, e que por fim coloca sempre em desvantagem à sociedade e seus conflitos (VARSAVSKY, 1969).

Como muitas pesquisas na América do Sul são realizadas nas universidades e por professores pesquisadores, Dagnino (2010a) menciona algo preocupante. Alguns professores universitários possuem a ideia de ciência como neutra, livre de valores e intrinsecamente positiva (principalmente áreas relacionadas as engenharias, informação, saúde e farmacologia).

Esta visão, faz com que a sociedade seja inibida a mudanças sociais. Desta forma Dagnino (2010a) complementa a ideia que a ciência e a tecnologia são geradas pelo amparo

da formação social capitalista, a qual tende a bloquear uma mudança que contrarie suas regras.

A consequência disso é o pensamento destacado por Dagnino (2010a, p.65): “Se a sociedade não utiliza o conhecimento produzido na universidade, o problema é da sociedade”. Mas se o que é produzido não atender às reais demandas para sociedade, a qual não é seria consultada, o conhecimento produzido não se consolidará.

Como no Brasil parte das pesquisas está relacionada às universidades e instituições públicas, elas necessitam dar um retorno para sociedade no sentido de melhora na qualidade de vida, bem como de caminhos para lidar com questões de cunho social, cultural, ambiental, gênero entre outras que acabam sendo negligenciadas. Retorno este não apenas na forma de artigos (os quais possuem limitações de acesso e interpretação), extensões, projetos comunitários, mas sim de ações, conhecimentos, produtos, tecnologias que possam contribuir no trabalho, na comunidade, na cooperativa, nas escolas, entre outras demandas.

Possibilitando a independência da dependência tecnológica, que possui efeitos e consequências nocivas aos países que a recebem, Tabak (1975) menciona que só ocorrerá mudanças em função de profunda reforma na universidade, direcionando-a no sentido de adequá-la melhor aos problemas nacionais.

Varsavsky (1976, p. 69), já demonstrava que: “as características desejáveis na universidade são incompatíveis com a sociedade atual e exigem a transformação simultânea de ambas; no caso, “simultânea” quer dizer que tanto a universidade como todos os outros setores da sociedade atuarem em interação dialética a favor desta transformação.

Existem diferentes possibilidade para a geração de ciência, mas o sistema só cria aquilo que o mantém e justifica a sua existência (VARSAVSKY, 1969). Como alterar esta atual situação? Segundo Feenberg (2002), a construção social da tecnologia com a apropriação e o um novo projeto de Ciência e Tecnologia é a solução. Ela envolveria diferentes atores com a participação democrática no processo de trabalho, desenvolvimento das capacidades intelectuais dos trabalhadores, saúde no trabalho e no impacto da técnica para com os consumidores, respeito a liberdade e dignidade humana, além de variáveis ambientais, geradoras de trajetórias coerentes com estilos alternativos.

Varsavsky (1969) propõe estudos interdisciplinares os quais têm como objetivo resolver os problemas reais, trabalhando as questões ligadas ao útil-social, colaborando com as tomadas de decisões e possibilitando alternativas e estratégias de ação em prol dos objetivos de uma comunidade.

Feenberg (2010) salienta que os sistemas e códigos técnicos não são práticas fixas, ou seja, são práticas flexíveis. É um caminho possível para alterações técnicas, através de um estudo aprofundado, com a criação de códigos técnicos democráticos, somados à mudanças políticas. Isso significa a possibilidade de mudança e conquista de uma variedade de demandas sociais, inclusive para os grupos excluídos, possibilitando uma outra realidade (FEENBERG, 2010).

Sendo a democracia um conceito essencial na proposta de Feenberg (2010), e que deveria estar inserido em todos os espaços e dimensões da vida social na sociedade (essencial para políticas públicas diferenciadas), seríamos formadores de instituições sociais, sem conflitar com as bases tecnológicas hegemônicas enquanto inimiga.

O subcapítulo traz a compreensão e a necessidade do campo CTS como base analítica, considerado essencial para formação de tecnologias diferenciadas e democráticas que alteram realidades principalmente dos atores que estão à margem das discussões. A proposta mais adequada de políticas públicas seria aquela que trabalharia com a Tecnologia Social e a Adequação Sóciotécnica, descritos no próximo subcapítulo.