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2.2 Ciência, tecnologia e sociedade

2.2.2 Tecnologia social e adequação sociotécnica

Vaccarezza (2004) menciona que a falta de investimentos em ciência e tecnologia e a dependência do Estado como fomentador de pesquisas faz com que haja discrepância nas patentes e produções científicas entre os países da América Latina e os países desenvolvidos.

Apesar de certos setores da economia começarem a prestar atenção nos insumos de conhecimento local, o alcance parece ser extremamente modesto. Tanto os recursos envolvidos, quanto o conhecimento tecnológico produzido ou utilizado, são caracterizado, pelas baixas propostas sobre a função ou localização da ciência e tecnologia na resolução dos problemas regionais (VACCAREZZA, 2004).

Dagnino (2010a) desenvolve o aspecto de Tecnologia Social (TS) que indica a importância do desenvolvimento do campo dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (ESCT) para a compreensão de possíveis aberturas dos conceitos tradicionais de tecnologia enquanto inovação, técnica e termômetro do desenvolvimento econômico.

Suscita a condição de que a Tecnologia Convencional (CT) não dá conta da Inclusão Social (IS) necessária para o desenvolvimento da Tecnologia Social (TS). A Tecnologia Convencional se caracteriza pela escala de produção ótima do trabalho, controle sobre os

trabalhadores, ritmo de produção, além dos efeitos sobre o meio ambiente, entre outros (DAGNINO, 2010a; DAGNINO, 2010b).

Desta maneira a compreensão de que a tecnociência realiza um papel decisivo na redução ou manutenção de desigualdades sociais é central para o conceito de tecnologia social (LIMA; DAGNINO, 2013).

No Brasil a TS nasce nos anos 2000, como uma ideia alternativa à Tecnologia Convencional. Seus atores estavam preocupados com o aumento da exclusão social, informalização e precarização do trabalho e da necessidade de uma tecnologia que revisse e criticasse esses problemas. Assim a partir do ano de 2003 formou-se a Rede de Tecnologia Social (DAGNINO, 2010b).

Lima e Dagnino (2013) descrevem que o objetivo da Rede de Tecnologia Social é promover o desenvolvimento sustentável a partir da reaplicação em escala de tecnologias sociais desenvolvidas pela interação com a comunidade e que oferecem efetivas soluções de transformação social, através de produtos, metodologia e técnicas.

De acordo com Fonseca e Serafim (2009), a Rede de Tecnologia Social propõe uma rede de ação, de comunicação, de informação e de articulação sobre tecnologias sociais existentes e a serem desenvolvidas e aplicadas no Brasil.

Segundo Costa (2013), a TS é pensada de forma ampla e para diferentes camadas da sociedade. Segundo o autor, o emprego do adjetivo “social” não significa apenas a necessidade de tecnologia para os pobres ou para países subdesenvolvidos, mas faz também a crítica ao convencional modelo de desenvolvimento tecnológico. Propõe uma forma mais solidária e sustentável de tecnologia para toda sociedade, incitando a participação, empoderamento e autogestão de seus usuários (COSTA, 2013).

Dagnino (2010b) define Tecnologia Social no Brasil, sendo como: “produtos, técnicas e/ou metodologias reaplicáveis, desenvolvidas na interação com a comunidade e que representam efetivas soluções de transformação social”.

O autor (2010a) apresenta como é ou deveria ser a Tecnologia Social: A) Adaptada a pequeno tamanho;

B) Liberdade de criatividade do produtor direto, além do potencial físico e financeiro; C) Não discriminatória (Não há relação uma hierárquica entre patrão e empregado); D) Possibilita a viabilidade econômica de empreendimentos autogestionários; E) Orientado para o mercado interno de massa.

O Conceito de TS parte dos princípios, críticas e contribuições da Tecnologia Apropriada (TA), que ficou assim conhecida através dos escritos do economista alemão Schumacher na década de 1970. No entanto, sua origem advém das ideias sobre desenvolvimento de Gandhi (1924 – 1927), que insistia na condição de proteção dos artesanatos das aldeias como uma forma de melhoramento das técnicas locais e o respeito ao meio ambiente e a cultura local. Um exemplo, é a popularização da fiação manual por roca de fiar, reconhecida como o primeiro equipamento tecnologicamente apropriado, que fez frente às injustiças sociais e ao sistema de castas na Índia. Seu objetivo era transformar a sociedade hindu, através de um processo de crescimento orgânico, feito a partir de dentro e não de imposição externa. Seria a produção pelas massas, não uma produção em massa (DAGNINO, 2010a).

Para Costa (2013), os principais elementos constituintes da Tecnologia Social são a utilização do conhecimento local e a participação da população no processo. Compreender o conhecimento local leva o pesquisador a extrair seus conteúdos principais para relacioná-los com conhecimentos científicos, de modo que se criem novas abordagens para resolver velhos problemas.

A participação da população é sugerida como forma de garantir a efetividade da solução tecnológica, os grupos vivenciam seus problemas aliados a seus conhecimentos e suas diferentes formas de saberes. Eles conferem capacidades de participar do processo de pesquisa e desenvolvimento da tecnologia. Nessa perspectiva, a proposta da Tecnologia Social defende o desenvolvimento e utilização de tecnologias para inclusão social, com base na compreensão de que homens e mulheres devem estar envolvidos em um constante processo de ação e reflexão, de modo que a interação entre indivíduo e tecnologia permita expressar ações que valorizem uma sociedade mais justa, inclusiva e sustentável (COSTA, 2013).

De acordo com o Instituto de Tecnologia Social (2004), a construção e a reflexão sobre o conceito de Tecnologia Social devem: melhorar as práticas sociais e contribuir para que a geração do conhecimento seja construído abordando soluções para os problemas sociais e ampliando as fronteiras da cidadania.

Para incorporar características distintas à Tecnologia Convencional, a Tecnologia Social precisa ser desenvolvida a partir da reflexão com o seu contexto de utilização, assim como o envolvimento direto de grupos sociais interessados na viabilização, como por exemplo, dentro de uma perspectiva de economia solidária. Assim, a TS seria uma proposta realmente adequada aos empreendimentos solidários, permitindo coerência e adesão às necessidades e valores (LIMA; DAGNINO, 2013).

Dagnino (2010b) defende uma nova cultura institucional que favoreça a Tecnologia Social, viabilizando uma agenda de formação de recursos humanos e pesquisa coerente, contemplando os diversos atores sociais, que podem potencializar a mudança social, como por exemplo cooperativas de reciclagem e catadores excluídos.

O processo de construção sociotécnica é um elemento essencial no marco analítico conceitual de Tecnologia Social. Cabe ressaltar o papel das tecnologias ou sistemas sociotécnicos para a manutenção ou superação de modos de produção e modos de vida.

Segundo Dagnino, Brandão e Novares (2010), só é possível compreender o desenvolvimento de um artefato tecnológico atentando-se a relação de forças entre os vários grupos envolvidos e o estudo do contexto sociopolítico.

Para os autores (2010, p. 90):

... Identificar e “seguir” os grupos sociais relevantes envolvidos no desenvolvimento de um artefato é o ponto de partida das pesquisas realizadas pela abordagem do contexto que consideram a possibilidade de a tecnologia ser uma construção social, e não o fruto de um processo autônomo, endógeno e inexorável como concebe o determinismo.

Dagnino, Brandão e Novares (2010) citam Bijker para relatar as etapas da construção sóciotécnica, as quais definem as características dos artefatos tecnológicos a partir de uma negociação entre grupos sociais relevantes, com interesses e preferências distintas que ao passar por uma “estabilização” os grupos alcançariam um “fechamento”.

Os autores (2010) ao citarem Feenberg, mencionam a existência de potencialidades técnicas que estão inexploradas e tendem a desaparecer, se não forem respeitadas as culturas locais.

A tecnologia passa então a ser entendida como um espaço de luta social no qual projetos políticos alternativos estão em pugna, e o desenvolvimento tecnológico é delimitado pelos hábitos culturais enraizados na economia, na ideologia, na religião e na tradição. O fato de esses hábitos estarem tão profundamente arraigados na vida social a ponto de se tornarem natural, tanto para os que são dominados como para os que dominam, é um aspecto da distribuição do poder social engendrado pelo capital que sanciona a hegemonia como forma de dominação (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2010, p. 95-96).

Desta forma compreender a tecnologia, o que ela é e o que está por trás dela ao utilizá- las e as precauções que devem ser feitas no desenvolvimento ou adaptações de tecnologias, colaborando para pensar escolhas e controles democráticos limitadores (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2010).

O que leva a Adequação Sociotécnica (AST) como operacionalização da Tecnologia Social, pode ser descrita como processo que tem o intuito de promover uma adequação do conhecimento tecnológico e científico não somente com finalidade técnico econômica mas englobando também aspectos de natureza socioeconômica e ambiental que constituem a relação com CTS. Desta maneira os artefatos tecnológicos vão adquirindo as características dos grupos sociais (DAGNINO; BRANDÃO; NOVAES, 2010).

A operacionalização do conceito de adequação sociotécnica pode-se ser dividido em sete modalidades apresentadas no quadro oito.

Quadro 8 - Operacionalização da adequação sociotécnica

Modalidade Definição

Uso

O simples uso de tecnologia (formas de organização do processo de trabalho, máquinas) antes empregadas (no caso de empresas falidas e transformadas em cooperativas) ou a adoção de tecnologia convencional, com a condição de que se altere a forma como se reparte o excedente gerado.

Apropriação Processo que tem como condição a propriedade coletiva dos meios de produção, com uma ampliação do conhecimento, por parte do trabalhador, dos aspectos produtivos e dos processos, sem que exista qualquer modificação no uso concreto que deles se faz

Revitalização ou repotenciamento das máquinas e

equipamentos

Significa não só o aumento da vida útil dos equipamentos e maquinários, mas também ajustes, recondicionamento e revitalização do maquinário. Supõe ainda a fertilização das tecnologias “antigas” com componentes novos

Ajuste do processo de trabalho

Implica a adaptação da organização dos processos de trabalho à forma de propriedade coletiva dos meios de produção, o questionamento da divisão técnica do trabalho e a adoção progressiva do controle operário (autogestão)

Alternativas tecnológicas

Implica a percepção de que as modalidades anteriores, inclusive a ado ajuste do processo de trabalho, não são suficientes para dar consta das demandas por AST dos

empreendimentos autogestionários, sendo necessário o emprego de tecnologias

alternativas à convencional. A atividade decorrente dessa modalidade é a busca e a seleção de tecnologias existentes

Incorporação de conhecimento científico-

tecnológico existente

Resulta do esgotamento do processo sistemático de busca de tecnologias alternativas e na percepção de que é necessária a incorporação à produção de conhecimento científico tecnológico existente, ou o desenvolvimento, a partir dele, de novos processos produtivos ou meio de produção, para satisfazer as demandas por AST. Atividades associadas a essa modalidade são os processos de inovação de tipo incremental, isolados ou em conjunto com centros de pesquisa e desenvolvimento ou universidades

Incorporação de conhecimento cientifico- tecnológico novo

Resulta do esgotamento do processo de inovação incremental em função da inexistência de conhecimento suscetível de ser incorporado a processos ou meios de produção para atender às demandas por AST. Atividades associadas a essa modalidade são processos de inovação de tipo radical que tendem a demandar o concurso de centro de pesquisa e desenvolvimento ou universidades e que implicam a exploração da fronteira do conhecimento

Fonte: Dagnino, Brandão e Novaes (2010).

O próximo subitem descreverá a Dinâmica de Sistemas, um dos pilares para o desenvolvimento desta pesquisa.