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Parte II Temas dos projetos realizados no âmbito do estágio

1. TEMA I Antibióticos na Pediatria

1.1. Enquadramento

A partir dos anos 40 do século XX, a utilização de antibióticos (AB) no tratamento de doentes com infeções generalizou-se [19]. A nova terapia reduziu indubitavelmente a taxa de morbilidade e a de mortalidade destes doentes [19]. Hoje em dia, são medicamentos indispensáveis [19,20]. Contudo, o uso dos AB exageradamente e muitas vezes precoce ou inadequadamente, levou ao aparecimento, seleção e proliferação de bactérias resistentes [19,20]. Este fenómeno tem-se agravado, o que dificulta o tratamento, sendo imperativo a implementação de metodologias de utilização mais correta dos AB [19-21].

A população pediátrica encontra-se num nível particular de elevado risco de sofrer erros relacionados com a posologia dos medicamentos, porque a dose tem que ter em conta fatores antropométricos, para além da condição clínica [21]. Devido ao diferente comportamento farmacodinâmico entre a criança e o adulto, está descrito que a maior parte dos erros relacionados com a prescrição médica é a utilização de AB em crianças [21]. São frequentemente encontradas prescrições de AB em concentrações subterapêuticas, o que leva a falhas no tratamento e consequentemente ao agravamento da resistência microbiana [21].

Os AB sistémicos foram considerados o segundo grupo de medicamentos mais utilizados em crianças, sendo precedidos apenas pelo grupo dos analgésicos/antipiréticos e anti-inflamatórios não esteroides (AINE) [22]. Dentro dos AB, o mais usado consiste na combinação de amoxicilina e ácido clavulânico, de acordo com a Figura 2 [22].

Figura 2 - Consumo de antibióticos sistémicos numa população pediátrica. Adaptado de [22].

A amoxicilina faz parte do grupo de AB das penicilinas, os primeiros AB a surgirem com a descoberta de Fleming, que continuam a desempenhar um papel muito importante na terapêutica anti-infeciosa [20]. Por sua vez, as penicilinas fazem parte do grupo dos AB β-lactâmicos [20].

A amoxicilina (Figura 3) e o ácido clavulânico (Figura 4) constituem uma antibioterapia de largo espetro para o tratamento de um elevado número de infeções bacterianas, incluindo infeções do trato respiratório superior e inferior, infeções cutâneas e dos tecidos moles [23]. Esta combinação

0 5 10 15 20 25 N º de cr ia nça s Antibiótico administrado Amoxicilina/Ácido clavulânico Outras penicilinas Não especificado Cefalosporinas Macrólidos Amoxicilina Ácido clavulânico Outras penicilinas Não especificado Cefalosporinas Macrólidos

Figura 3- Estrutura química da amoxicilina. Adaptado de [28].

Figura 4- Estrutura química do ácido

clavulânico. Adaptado de [29].

tem mostrado boa atividade contra Streptococcus spp., Haemophilus influenzae e Moraxella

catarrhalis [24]. O ácido clavulânico, ao inibir as enzimas bacterianas responsáveis pela degradação

da amoxicilina, as β-lactamases, garante a atividade bactericida desta, através da inibição da construção da parede celular das bactérias [23]. A combinação deste AB encontra-se formulada em várias proporções, 4:1, 7:1 e 14:1, sob a forma farmacêutica de injetável, suspensão oral ou comprimidos, sendo a suspensão oral a preferível para crianças [23, 25-27].

Normalmente, o AB cuja constituição consiste apenas em amoxicilina necessita de 3 administrações por dia para ser eficaz, enquanto que na combinação da amoxicilina com ácido clavulânico bastam 2 doses diárias [30]. Esta diferença na frequência de administração baseia-se no aumento do tempo de semivida da amoxicilina aquando da presença do ácido clavulânico [30].

Apesar de a amoxicilina e o ácido clavulânico serem fármacos considerados bem tolerados, é de salientar o risco de reações adversas gastrointestinais e hepatoxicidade [23,31].

Existem outros AB relevantes usados na terapêutica infantil, como é o caso das cefalosporinas, da flucloxacilina (uma isoxazolilpenicilina) e dos macrólidos [20]. As cefalosporinas são igualmente AB β-lactâmicos, que também causam o bloqueio da síntese da parede bacteriana [20]. Existem 5 gerações de cefalosporinas sendo que em pediatria é de salientar a utilização de: cefaclor, a cefatrizina, a cefuroxima e da cefixima [20]. Quanto aos macrólidos, cuja ação bactericida consiste na inibição da síntese proteica, a azitromicina e a claritromicina são os mais frequentemente usados no tratamento de infeções em crianças [20].

De acordo com os RCM de vários AB: “A dose selecionada para o tratamento de uma infeção específica deve ter em consideração: os patogénicos expectáveis e a sua suscetibilidade provável aos agentes antibacterianos, a gravidade e o local da infeção e por fim a idade, o peso e a função renal do doente” [25-27]. A seleção da dose é da responsabilidade do médico prescritor, variando consoante a indicação terapêutica e o grau de severidade da infeção diagnosticada. O farmacêutico ao dispensar o AB em questão deverá validar a prescrição, ou seja, confirmar que a dose prescrita se encontra no intervalo de concentrações terapêuticas para aquela substância ativa e que se encontra de acordo com o peso da criança. Assim, assegura-se a eficácia terapêutica, diminui-se a probabilidade de incidência de efeitos adversos e minimiza-se a problemática da resistência aos antimicrobianos.

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1.2. Objetivos e métodos

Um dos objetivos deste trabalho consistiu na criação de tabelas de doses dos AB mais utilizados na pediatria em crianças com peso inferior a 40kg, tendo por base o seu peso, realçando a dose terapêutica habitual e a posologia a cumprir. Deste modo, tenta-se evitar o cálculo no momento da dispensa do medicamento de modo a agilizar a mesma, evitar enganos e detetar erros nas prescrições médicas.

O outro objetivo consistiu em avaliar o impacto da consulta desta informação aquando da dispensa dos AB em questão, através do preenchimento de um simples questionário pelos membros da equipa da farmácia, após 2 meses de implementação das tabelas.

Os AB alvo deste projeto consistiram nos presentes no stock da Farmácia Lusa. Foram estudadas suspensões orais com amoxicilina: CLAMOXYL® (Beecham Portuguesa – Produtos Farmacêuticos e Químicos, Lda.) [32] e com amoxicilina e ácido clavulânico em diferentes proporções, de acordo com a Tabela 6:

Tabela 6 - Designação dos antibióticos em suspensão oral com amoxicilina e ácido clavulânico.

Adaptado de [25-27,33-36].

A existência de diferentes concentrações do mesmo medicamento prende-se com o facto de não haver necessidade de se utilizar mais do que um ou dois frascos por criança para determinado tratamento, para além da questão da gravidade da infeção. De forma menos detalhada, foram ainda estudados os AB:

• Azitromicina: ZITHROMAX® (Laboratórios Pfizer, Lda.) [37];

• Cefaclor: CECLOR® (Laboratório Medinfar – Produtos Farmacêuticos, S.A.) [38]; • Cefatrizina: MACROPEN® (A. Menarini Portugal – Farmacêutica, S.A.) [39]; • Claritromicina: KLACID® Pediátrico (BGP Products, Unipessoal, Lda.) [40,41]; • Flucloxacilina: FLOXAPEN® (Aurovitas Unipessoal, Lda.) [42].

Nestes casos não se realizaram tabelas de doses por quilograma de peso da criança uma vez que, para além de não serem regularmente utilizados, alguns já trazem na própria embalagem uma

Razão entre amoxicilina: ácido clavulânico

Designação dos antibióticos

4:1 CLAVAMOX 125® (BIAL – Portela & Cª, S.A.)

CLAVAMOX 250® (BIAL – Portela & Cª, S.A.) 7:1

CLAVAMOX DT 400® (BIAL – Portela & Cª, S.A.) BETAMOX PLUS® (Laboratórios Atral, S.A.)

AUGMENTIN® DUO (GlaxoSmithKline – Produtos Farmacêuticos, Lda.) 14:1

CLAVAMOX ES® (BIAL – Portela & Cª, S.A.) BETAMOX ES® (Laboratórios Atral, S.A.)

Sempre Por vezes Nunca

seringa com o volume de suspensão oral a administrar de acordo com o peso da criança em questão.

De modo a elaborar as tabelas referidas, consultei o RCM dos vários AB, recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) [43] e também normas da Direção-Geral da Saúde (DGS) acerca de infeções comuns em pediatria [44] e sobre curvas de crescimento pediátricas [45]. Estas últimas, que poderão complementar a consulta das tabelas aquando da incerteza do peso da criança por parte dos pais e/ou cuidadores, encontram-se nos Anexos 5 a 8, divididos pelas faixas etárias e sexo da criança. Esta pesquisa teve como finalidade ficar a conhecer as diferentes doses utilizadas e a relação infantil peso-idade. Para o cálculo do volume a administrar por dose e por quilograma, realizei uma folha de Excel, partindo da dosagem estipulada na embalagem do medicamento em questão. O inquérito realizado aos funcionários da Farmácia Lusa encontra-se no Anexo 9.

1.3. Resultados

As tabelas elaboradas com as doses dos AB mais utilizados na pediatria encontram-se nos Anexos 10 a 16.

Segundo recomendações da OMS, a dose diária máxima de amoxicilina para a pediatria é de 4g, sendo que este valor se baseia nas doses utilizadas em adultos [43]. Já a DGS recomenda 3g/dia de amoxicilina no máximo, para crianças [44].

Cinco elementos da equipa da Farmácia Lusa responderam ao inquérito. Estes apresentam um tempo de experiência em Farmácia Comunitária variado, desde os 10 meses aos 20, 27 e 28 anos, passando também uma pessoa por 11 anos. Nos últimos 2 meses após implementação das tabelas, todos os funcionários dispensaram AB a crianças com peso inferior a 40kg, pelo que se obteve 100% de resposta “Sim” a esta pergunta. Quanto à consulta das tabelas nestas dispensas clínicas, uma pessoa (com experiência de 20 anos) respondeu que consultou “Sempre” (20%) enquanto que as restantes responderam “Por vezes” (80%), sendo que nenhuma respondeu que “Nunca” tinha procedido à consulta. A distribuição dos resultados a esta pergunta encontra-se no Figura 5. Relativamente à questão sobre a utilidade das tabelas, as respostas foram 100% “Sim”.

Figura 5 - Distribuição de resultados à pergunta 3 do inquérito sobre o projeto "Antibióticos na Pediatria”.

1.4. Discussão e conclusão

Durante a pesquisa bibliográfica, senti dificuldade em encontrar a dose máxima diária dos AB para crianças. Decidi não apresentar essa informação nas tabelas pois variava de fonte para fonte, sendo um valor que não pode ser constante para os diferentes pesos das crianças. No caso das

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normas da DGS, o valor de dose máxima diária de amoxicilina acaba por ser incongruente para doses mais elevadas (necessárias no tratamento da otite média aguda [44]) e com crianças de maior peso. Para além disso e como seria de esperar, as doses máximas terapêuticas encontradas eram baseadas nas doses do AB em questão para um adulto. Esta falta de informação poderá se dever à ausência de ensaios clínicos realizados em crianças. Há falta de estudos sobre segurança, eficácia e tolerabilidade nos medicamentos nas crianças em geral devido às dificuldades éticas e metodológicas, sendo difícil e impreciso extrapolar para a criança os dados que se obtiveram com a investigação em adultos [46]. Contudo, esta falta de informação reveste da maior importância que os AB sejam administrados da maneira mais correta à população pediátrica.

É de realçar a diferença entre a dose habitual para os AB com amoxicilina e ácido clavulânico na proporção de 14:1 e 7:1. A dosagem do primeiro é de 600mg de amoxicilina e 42,9mg de ácido clavulânico para cada 5 mililitros, enquanto que a do segundo é de 400 e 57mg. Contudo, o AB de maior concentração (14:1) indica uma dose terapêutica superior, 90 mg/kg, em relação ao de menor concentração (7:1), que indica no máximo 70 mg/kg. Esta diferença pode-se dever as diferentes indicações terapêuticas encontradas nos RCM dos medicamentos. Na proporção de 14:1, o AB é prescrito para o tratamento de infeções causadas por Streptococcus resistentes a penicilinas, enquanto que na proporção de 7:1 já não é prevista essa utilização [26,27]. Para além disso, é de salientar que as formulações 14:1 são mais recentes pelo que o problema da resistência dos AB já poderá ter influenciado a eficácia dos fármacos na fase de testes. A dose diária estipulada para o AB na proporção 14:1, o CLAVAMOX ES®, BETAMOX ES® e AUGMENTIN ES® de 90 mg/kg faz com que crianças de mais de 20 kg façam uma dose superior à dose estipulada para adulto, 875 ou 1000 mg de amoxicilina [47,48]. Comparando então as doses, a sobredosagem nas crianças poderá ser a responsável pelos efeitos adversos mais notificados: diarreia, vómitos e náuseas [27,35,36]. Estas reações podem dever-se à destruição massiva da flora intestinal devido à administração de uma dose excessiva de AB. Como os AB apresentam um efeito nocivo na manutenção de uma flora intestinal adequada e saudável, é vantajoso aconselhar um probiótico em associação à dispensa de um AB que irá ser administrado em doses particularmente elevadas e/ou repetidamente num reduzido intervalo de tempo.

É de lamentar que muitos dos laboratórios ainda não incluam na embalagem do medicamento uma seringa que permita administrar o volume adequado a cada criança.

O inquérito realizado aos funcionários da equipa Lusa mostrou o impacto positivo que este projeto apresentou, uma vez que todos, não se encontrando nenhum padrão referente à experiencia profissional, consideraram útil a consulta das tabelas desenvolvidas referindo no campo das sugestões e comentários que “Este tipo de tabelas são importantíssimas em contexto de farmácia, sendo uma alternativa rápida e segura para ajustar a terapêutica às necessidades das crianças” e “Uma excelente ideia para auxiliar os farmacêuticos na farmacovigilância”.

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