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2 ANÁLISE DESCRITIVA DOS DISCURSOS DE ELEIÇÃO NA

2.1 O enquadramento da “mise en scène” e os atos de fala da

2.1.4 Tema 2: “Lulodependência” – candidato Patrus Ananias

O teor pejorativo do termo “Lulodependência” refere-se a estratégia utilizada por alguns candidatos políticos em cunhar seu discurso excessivamente na figura do ex-presidente Lula. Neste momento procederemos à análise desse tema “Lulodependência”.

Exemplo 17 (SPA, Bloco 1, E50): JOSIAS DE

SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: Ministro, tem uma coisa que me chama muito a atenção, mal comparando, o senhor está numa situação inversa a do candidato Haddad em São Paulo, porque lá ele tenta chegar à prefeitura de uma administração que está mal avaliada, não é, e ainda assim ele tem dificuldades e depende muito do apoio do presidente Lula para tentar alavancar a candidatura dele, aqui o senhor vive uma situação inversa, até paradoxalmente, o senhor reivindica aqui o apoio do partido do Kassab e está aí uma discussão judicial e tal, mas aqui a situação inversa a que me refiro é que o senhor disputa contra uma administração a quem o eleitor... a qual o eleitor atribui boa avaliação. E também o senhor recorre muito ao Lula. Essa “lulodependência” não é uma fragilidade dos candidatos do PT nessa eleição? Ela se manifesta em várias cidades do país.

(E51): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Primeiro nós vamos

discutir nessa campanha a real avaliação que a cidade tem da atual administração, daí a importância da eleição, do debate, do aspecto pedagógico... Daí talvez o temor que nosso adversário tenha de eventos mais democráticos como comícios e outras manifestações, porque nós sabemos que o atual prefeito, nosso adversário, tem sido muito generoso com os gastos em publicidade, inclusive se apropriando de obras que ele não fez ou algumas obras que ele concluiu e que foram iniciadas antes dele e que ele está e apropriando como se fosse única e exclusivamente dele, chegando ao extremo, inclusive, de se apropriar do Restaurante Popular. Belo Horizonte tem quatro restaurantes populares, um nós fizemos quando eu fui prefeito, implantamos com recursos próprios. Os outros três foram feitos com recurso do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a implantação do... a

construção do equipamento, a compra dos materiais necessários, não é? Então essa é uma discussão que nós faremos.

Observe o esquema:

EUc CRENÇA de que os candidatos a prefeito pelo PT se escoram em Lula;

DESEJO de que essa hipótese seja confirmada, caracterizando uma ausência de personalidade das candidaturas;

EUe EUe [JS] qualifica a dependência dos candidatos a prefeito pelo PT como fragilidade por dependerem essencialmente do Lula.

TUd → EUe EUe [PA] Não responde à questão proposta, mas crítica o uso oportunista de obras que vêm sendo inauguradas em BH pelo atual prefeito e que não foram feitos por sua administração.

TUi → EUe (a ser avaliado mais à frente)

O exemplo 17 - E50, apresenta claramente uma avaliação do jornalista. O enunciador (JS) faz uma comparação entre o governo de São Paulo e o governo de Belo Horizonte: “[...]mal comparando, o senhor está numa situação inversa a do candidato Haddad em São Paulo”. No primeiro, “ele tenta chegar à prefeitura de uma administração que está mal avaliada”, e, em Belo Horizonte, segundo argumenta o jornalista, é o contrário: “a situação inversa a que me refiro é que o senhor disputa contra uma administração a quem o eleitor... a qual o eleitor atribui boa avaliação.”.

A intenção do jornalista parece ser a de apontar para uma possível dificuldade de se ganhar uma eleição em uma cidade bem avaliada como Belo Horizonte e também de ironizar a dependência que os políticos petistas possuem da imagem do ex-presidente Lula em suas campanhas eleitorais, como vemos no excerto: “[...] E também o senhor recorre muito ao Lula. Essa “lulodependência” não é uma fragilidade dos candidatos do PT nessa eleição? Ela se manifesta em várias cidades do país.”. Neste trecho percebemos um tom de deboche por parte do jornalista, ao apontar o uso recorrente da imagem de Lula nos discursos de outros candidatos petistas, inclusive, nos de Patrus. Tal estratégia política é classificada pelo jornalista como uma fragilidade política e, assim, é possível notar um juízo de valor feito em sua pergunta. Observe a análise da resposta do candidato:

O primeiro aspecto a ser apontado é a marcação do posicionamento contrário à avaliação apresentada por Josias: “Primeiro nós vamos discutir nessa campanha a real avaliação que a cidade tem da atual administração”. O locutor se posiciona como aquele que tem o conhecimento e a capacidade de demonstrar a verdadeira avaliação que a cidade tem da administração pública, enfatizando a necessidade de instrumentos que viabilizam a exposição e confronto dessa realidade por meio “da eleição, do debate, do aspecto pedagógico”, isto porque ele acusa o adversário político de:

i: Despreparo para discutir e confrontar ideias: “[...] Daí talvez o temor que nosso adversário tenha de eventos mais democráticos como comícios e outras manifestações[...]”;

ii: Artificialidade e perdulariedade: “[...] porque nós sabemos que o atual prefeito, nosso adversário, tem sido muito generoso com os gastos em publicidade”;

iii: Oportunismo político-administrativo: “[...] inclusive se apropriando de obras que ele não fez ou algumas obras que ele concluiu e que foram iniciadas antes dele e que ele está se apropriando como se fosse única e exclusivamente dele, chegando ao extremo, inclusive, de se apropriar do Restaurante Popular.”.

O locutor não responde diretamente ao tema da pergunta, “Lulodependência”, e sim refuta o comentário do jornalista. Em sua resposta, o candidato direciona seu foco ilocucional para atos assertivos, cujo efeito é de autoelogio: “Belo Horizonte tem quatro restaurantes populares, um nós fizemos quando eu fui prefeito, implantamos com recursos próprios. Os outros três foram feitos com recurso do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a implantação do... a construção do equipamento, a compra dos materiais necessários, não é? Então essa é uma discussão que nós faremos.”. O último enunciado “[...] Então essa é uma discussão que nós faremos” representa um desejo do locutor de avaliar as ações do atual prefeito, buscando apontar para a sua incapacidade de gerir a cidade e para a

necessidade da cidade de uma discussão mais ampla por meio de debates e comícios que, segundo ele, possui um caráter pedagógico.

No enunciado que se segue, o sabatinador indaga o candidato sobre o real tema da pergunta, a “lulodependência”, tema este que parece gerar uma certa insatisfação e/ou surpresa, havendo a necessidade da retomada na sabatina por duas vezes seguidas, conforme se vê abaixo.

Exemplo 18 (SPA, Bloco 1, E59): JOSIAS DE

SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: E a “lulodependência”?

(E60): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Oi?

(E61): JOSIAS DE SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: E a

“lulodependência”, precisa disso?

Notamos aqui que a pergunta do jornalista aponta para uma intenção de comprometer o sabatinado, visto que o uso de “precisa disso” representa um ato diretivo, cujo valor indireto parece ser uma crítica do jornalista à estratégia política assumida pelo candidato Patrus. Por meio dessa pergunta, revestida de uma intenção provocativa, o jornalista focaliza/direciona o tema da resposta do candidato.

A argumentação está ligada, assim, à apresentação de um ponto de vista do locutor e deve-se considerar que o locutor realiza um ato que expressa um certo ponto de vista relativo a um estado de coisas (lulodependência), seguido de outro que sugere uma reprovação à atitude do candidato (...precisa disso?).

Exemplo 19 (SPA, Bloco 1, E61): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO

PT: Não há “lulodependência”. Não, não há “lulodependência”, não é, nós estamos em campanha com menos... com um pouco mais de um mês, com um pouco mais de um mês. A campanha está crescendo, nós temos feito manifestações belíssimas em Belo Horizonte. Ontem nós fizemos uma manifestação do alto da Afonso Pena, na Praça do Papa, esplêndida. A militância está voltando com esperança, com determinação, a nossa campanha está crescendo. Agora, é claro que nós temos uma afinidade com o presidente Lula, ele participa da nossa história, nós caminhamos juntos. Aí há uma convergência de compromissos. Eu conheço o presidente Lula antes do Partido dos Trabalhadores, quando eu era advogado sindical trabalhista, inclusive do Sindicato dos Jornalistas e dos Radialistas, e ele presidente do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo. Depois estivemos juntos na construção do Partido dos

Trabalhadores. Eu ocupei um Ministério, se não o mais importante, um dos mais importantes ministérios do presidente Lula que fez essa revolução social pacífica e democrática no país...

(E62): EDUARDO SCOLESE/COORDENADOR AGÊNCIA FOLHA:

Candidato...24

(E63): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Então a presença do

Lula em Belo Horizonte é pra somar conosco o entorno de princípios e objetivos comuns e não há nenhuma relação de independência, há uma relação de companheirismo e de fidelidade a causas que nós partilhamos juntos há muitos anos.

A insistência nos atos diretivos sobre a “lulodependência”, com o objetivo de gerar um efeito perlocucional de constrangimento sobre uma estratégia de campanha sem autonomia, na percepção do jornalista, possibilitaram ao sabatinado respostas enfáticas - Não há “lulodependência”. Não, não há “lulodependência” - representadas por atos assertivos de refutação e que geram o efeito perlocucional descaracterizador do constrangimento, em razão do lastro histórico que o candidato mantém com Lula, seja do ponto de vista sindical - eu era advogado sindical trabalhista, inclusive do Sindicato dos Jornalistas e dos Radialistas, e ele presidente do Sindicato dos Metalúrgicos em São Bernardo -, seja do ponto de vista político - estivemos juntos na construção do Partido dos Trabalhadores – seja do administrativo - Eu ocupei um Ministério, se não o mais importante, um dos mais importantes ministérios do presidente Lula.

Assim, faz parte de uma campanha eleitoral, por exemplo, e no discurso de governo, buscar sempre construir uma imagem positiva de si e negativa dos adversários. Vale a pena observar, por um lado, que o locutor fundamenta um projeto discursivo que aponta sempre para as possibilidades de mudança e melhoria do governo, representadas pela parceria com Lula.

A ênfase em relatar sua amizade com o ex-presidente, “Agora, é claro que nós temos uma afinidade com o presidente Lula, ele participa da nossa história, nós caminhamos juntos.”, resultará no destaque das figuras do ethos e pathos. Outra possibilidade é construir a credibilidade do enunciador como instância política competente e séria, como se vê em trechos destacados nesse comentário do sabatinado.

24 Essa tentativa de suspender a fala de Patrus refere-se à necessidade do jornalista de interromper a sabatina para o intervalo.

Esse ethos virtuoso é igualmente necessário ao político, pois se supõe que ele, como representante do povo, seja um homem comprometido com a ética, e não lance mão de falácias de campanha, desse modo suas propostas são julgadas pelo auditório como dignas de crédito e, não necessariamente, como uma dependência da figura do ex-presidente, enfatizada na fala de Patrus pelo termo “parceria”, isto é, ambos contribuem e contribuíram para o desenvolvimento político-administrativo do país: “[...] não há nenhuma relação de independência, há uma relação de companheirismo e de fidelidade a causas que nós partilhamos juntos há muitos anos.”.