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2 ANÁLISE DESCRITIVA DOS DISCURSOS DE ELEIÇÃO NA

2.1 O enquadramento da “mise en scène” e os atos de fala da

2.1.6 Tema 3: Mensalão – candidato Patrus Ananias

Vejamos, por fim, a análise da pergunta do jornalista x resposta do candidato relacionada ao terceiro e último tema, Mensalão, direcionada a Patrus Ananias.

Exemplo 22 (SPA, Bloco 3, E178): EDUARDO

SCOLESE/COORDENADOR AGÊNCIA FOLHA: Olá. De volta com a sabatina Folha UOL, direto de Belo Horizonte, com o candidato do PT à Prefeitura Patrus Ananias. Candidato, o senhor tem acompanhado o julgamento do mensalão? Qual o opinião do senhor? Como o desenrolar da votação dos ministros pode prejudicar ou ajudar, de acordo com o resultado, claro, os candidatos do PT pelo país?

(E179): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Ô, Eduardo, antes de responder a sua pergunta, eu quero, em nome da verdade, fazer um esclarecimento. Eu fui aqui orientado pela minha assessoria que realmente a questão dos restaurantes populares foi sempre nessa linha do financiamento do Governo Federal para a construção dos prédios e a compra dos equipamentos, mas que no caso específico do Restaurante Popular do Barreiro houve uma parceria maior de tal maneira que a Prefeitura de Belo Horizonte entrou com o valor correspondente a R$ 7 milhões na construção. Então eu queria fazer esse registro pra não ficar nenhuma dúvida pendente. E com relação ao restaurante do Barreiro houve efetivamente uma participação expressiva da Prefeitura de Belo Horizonte.

Podemos caracterizar essa interação inicial a partir dos seguintes elementos: EUc CRENÇA de que o julgamento do mensalão poderá afetar a

votação dos candidatos do PT;

DESEJO de que essa hipótese seja avaliada pelo PT como lhe sendo favorável ou desfavorável.

EUe EUe [ES] projeta uma possível interferência dos resultados do julgamento do mensalão na eleição dos candidatos do PT.

TUd → EUe EUe [PA] Retifica uma informação sobre a participação da Prefeitura de BH na construção de restaurantes populares [E179] e retoma a questão do sabatinador [181] se abstendo de uma avaliação das repercussões do mensalão sobre as eleições, mas esperando um julgamento dentro dos cânones da lei.

TUi → EUe (a ser avaliado mais à frente)

A pergunta torna-se curiosa pelos efeitos que ela propicia, o bloco enunciativo coloca em cena três questões: i) acompanhamento do julgamento; ii) opinião em relação ao fato e iii) avaliação de prejuízos e ganhos. Os atos ilocucionais diretivos, modo pergunta, solicitam como resposta um posicionamento do alocutário frente ao tema polêmico do Mensalão. No entanto, o que se percebe é que o candidato não responde à pergunta, mas sim esclarece uma informação dada no bloco anterior. Isso poderia ser interpretado como uma fuga à temática da pergunta? Talvez pelo fato de o candidato dizer ‘antes de responder’, não seja uma fuga, pois aponta indiretamente para um reconhecimento da necessidade de se responder a essa pergunta: “Ô, Eduardo, antes de responder a sua pergunta, eu quero, em nome da verdade, fazer um esclarecimento.”. Todavia, após fazer o esclarecimento, o candidato (PA) não volta à temática da pergunta inicial. Observe que o jornalista retoma a interpelação sobre o Mensalão em nova pergunta:

Exemplo 23 (SPA, Bloco 3, E180): EDUARDO

SCOLESE/COORDENADOR AGÊNCIA FOLHA: Está esclarecido. Então retomando a pergunta sobre o julgamento do mensalão. O senhor acha que o resultado, o andamento da votação dos ministros pode prejudicar ou, enfim, ou até ajudar, dependendo da votação, as candidaturas do PT pelo país?

(E181): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Eduardo, eu sou advogado, sou professor de Direito e aprendi que pra nós falarmos sobre um processo é necessário que tenhamos o conhecimento desse processo, não é, as razões de um lado e as razões do outro. Eu não estou acompanhando, a não ser pela imprensa. Mas não estou acompanhando nos detalhes dentro do processo esse julgamento. A minha expectativa, como cidadão, como advogado, pessoa comprometida com a ordem jurídica e com o estado democrático de direito é que se faça um julgamento limpo,

transparente, rigorosamente jurídico e atento àquilo que está dentro do processo e dos autos.

Em sua resposta, Patrus, novamente, não responde, de forma direta, à pergunta, ainda que se submetendo ao tema. Assim, enquanto o jornalista indaga sobre os efeitos do mensalão, o candidato destaca o seu processo: o comentário é, pois, uma forma de resposta indireta à questão, mas não aquela pretendida pelo jornalista. Logo, utilizando um argumento de autoridade “[...] eu sou advogado, sou professor de Direito...”, ele tangencia sua condição de candidato em relação a esse tema e apela para seu estatuto de cidadão comum:

[...] Eu não estou acompanhando, a não ser pela imprensa. Mas não estou acompanhando nos detalhes dentro do processo esse julgamento. A minha expectativa, como cidadão, como advogado, pessoa comprometida com a ordem jurídica e com o estado democrático de direito é que se faça um julgamento limpo, transparente, rigorosamente jurídico e atento àquilo que está dentro do processo e dos autos.

Desse modo, não sabemos até que ponto o auditório reconhece no teor de sua resposta a sinceridade do locutor, mesmo considerando a tentativa de projeção de um ethos, levando em consideração sua formação acadêmica e posição política como ministro dentro das bases do governo; o auditório provavelmente duvidará do seu distanciamento do fato. Apesar do sabatinado enfatizar suas expectativas: “[...] é que se faça um julgamento limpo, transparente, rigorosamente jurídico e atento àquilo que está dentro do processo e dos autos” que buscam construir um ethos virtuoso e justo, a instância inquiridora retoma novamente este tema, apresentando agora a mesma prática realizada em Minas por um político tucano, Eduardo Azeredo.

Exemplo 24 (SPA, Bloco 3, E220): VERA MAGALHÃES/EDITORA

PAINEL FOLHA: Ministro, o senhor... o Scolese citou aqui o mensalão que tá em julgamento no STF, mas também no STF deve ser julgado no ano que vem ou até em 2014 o chamado Mensalão Mineiro, que tem como protagonista o ex-governador Eduardo Azeredo que o senhor citou aqui agora a pouco. O senhor pretende usar isso na campanha e cobrar que haja uma... um tratamento isonômico, equânime a esses dois escândalos ou o senhor não pretende trazer isso à base?

(E221): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Mesma posição

jurídica, Vera, que eu mencionei. Mesma posição. Advogado, espero o julgamento limpo em todos os casos, julgamento jurídico com base nos autos, com todo o critério. Jamais farei qualquer utilização disso. No que depender de mim será uma campanha absolutamente ética, no mais absoluto respeito à população de Belo Horizonte. Eu sou candidato a prefeito de Belo Horizonte por conta de Belo Horizonte. Eu quero discutir o futuro de Belo Horizonte. Os desafios que a cidade enfrenta hoje. Eu quero pensar a Belo Horizonte para gerações futuras; Eu quero pensar a Belo Horizonte dos meus netos e dos netos dos meus netos; Eu quero pensar a Belo Horizonte com essa vocação cultural esplêndida que a cidade tem. Colocar cada vez mais Belo Horizonte no circuito nacional e internacional. É isso que me motiva.

O direcionamento argumentativo da pergunta da jornalista em relação ao contexto político do momento busca flagrar a coerência da resposta de Patrus ao questionamento de Scolese, averiguando o grau de sinceridade de seu posicionamento em relação às acusações realizadas ao partido adversário que coloca Eduardo Azeredo como protagonista do Mensalão Mineiro. O candidato, assim como na resposta anterior, evita fazer comentários avaliativos sobre efeitos do julgamento, mesmo se tratando de um processo contra adversários e, por isso, prefere não fazer juízos de valor, mas sim construir um ethos de homem ponderado e justo:

[...] Mesma posição. Advogado, espero o julgamento limpo em todos os casos, julgamento jurídico com base nos autos, com todo o critério. Jamais farei qualquer utilização disso. No que depender de mim será uma campanha absolutamente ética, no mais absoluto respeito à população de Belo Horizonte.

Em sequência à sua resposta, o sabatinado, a partir de um discurso de campanha eleitoral, enfatiza seu compromisso com a cidade, estabelecendo um discurso de valorização ético-moral, como se vê:

[...] Eu sou candidato a prefeito de Belo Horizonte por conta de Belo Horizonte. Eu quero discutir o futuro de Belo Horizonte. Os desafios

que a cidade enfrenta hoje. Eu quero pensar a Belo Horizonte para gerações futuras; Eu quero pensar a Belo Horizonte dos meus netos e dos netos dos meus netos; Eu quero pensar a Belo Horizonte com essa vocação cultural esplêndida que a cidade tem. Colocar cada vez mais Belo Horizonte no circuito nacional e internacional. É isso que me motiva.

O jornalista compreende o discurso do Patrus como superficial e evasivo, deixando clara sua desconfiança em relação às condições de sinceridade do alocutário:

Exemplo 25 (SPA, Bloco 3, E224): JOSIAS DE

SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: Ministro, a sua formação de advogado, pelo que vejo, o impede de fazer comentários de natureza jurídica sobre o julgamento do mensalão, mas tem aqui uma pergunta da internauta Maria Aparecida Vieira que, por mais comezinha, talvez lhe permita fazer algum comentário. Ela pergunta simplesmente se o senhor acha que o mensalão existiu. Porque o PT, às vezes, diz que é uma lenda, não é, que não houve nada e tal. Ela pergunta se o senhor acha que o mensalão existiu.

A introdução da pergunta “Ministro, a sua formação de advogado, pelo que vejo, o impede de fazer comentários de natureza jurídica sobre o julgamento do mensalão” aponta, com um teor de ironia, para a compreensão do direcionamento responsivo do candidato, porém, como forma de polemizar o assunto e retomar a pergunta, propõe ao sabatinado que responda à pergunta enviada por uma internauta, modalizando o valor da pergunta como “comezinha”, isto é, “mais simples” do que a que ele propôs anteriormente e também o ato de “responder a”, por “comentar”.

Exemplo 26 (SPA, Bloco 3, E225): PATRUS

ANANIAS/CANDIDATO PT: Eu não vi, não participei de nada. Absolutamente nada. Está havendo o julgamento no Supremo Tribunal Federal. Vamos aguardar a decisão da mais alta corte do país na expectativa cívica, cidadã de que seja um julgamento à altura das melhores tradições do Supremo Tribunal Federal.

Patrus é enfático em afirmar que desconhece o fato: “Eu não vi, não participei de nada. Absolutamente nada.”. A relação entre pergunta e resposta é parcialmente

simétrica, pois a resposta do candidato não contempla satisfatoriamente a questão solicitada: “[...]Ela pergunta se o senhor acha que o mensalão existiu.”, todavia focaliza o seu desconhecimento e sua não-participação no processo.

A seguir, os jornalistas sugerem ironicamente uma certa ingenuidade do candidato, duvidando reiteradamente do seu desconhecimento sobre o Mensalão. Esse recurso demonstra um forte direcionamento crítico à posição assumida discursivamente pelo candidato. Veja a sequência da interação pergunta e resposta a seguir:

Exemplo 27 (SPA, Bloco 3, E226): JOSIAS DE

SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: Ministro, o senhor passou um tempo em Brasília, o senhor não viu nada por lá?

(E227): PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Não.

(E228):JOSIAS DE SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: Sério mesmo? (E229):PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Eu fiquei um ano como

deputado federal e na Câmara dos Deputados dedicando... Depois...

(E230):JOSIAS DE SOUZA/BLOGUEIRO DO UOL: Ministro, mas

francamente, falando francamente. Tudo que foi noticiado, os pagamento que foram feitos, há toda uma discussão. Alguns dizem, “Ah, não houve compra de voto.”. Agora, dizer que não viu nada é demais, não, ministro?

(E231):PATRUS ANANIAS/CANDIDATO PT: Mais do que isso. Não

vi e não ouvi.

O efeito perlocucional de deboche decorrente das perguntas visa a denegrir o ethos ingênuo projetado por Patrus, ou seja, a pergunta tem a função de atestar/apontar a desconfiança sobre as condições de sinceridade da resposta do candidato. O que está em questão é que o jornalista enfatiza demasiadamente sua descrença do desconhecimento de Patrus:

i) “Ministro, o senhor passou um tempo em Brasília, o senhor não viu nada por lá?”

ii) “Sério mesmo?”

iii) “Ministro, mas francamente, falando francamente. Tudo que foi noticiado, os pagamento que foram feitos, há toda uma discussão.”

iv) “Agora, dizer que não viu nada é demais, não, ministro?”

O candidato não compactua com tal afirmação e posiciona-se abertamente contrário a essas proposições e ainda levanta um argumento para fundamentar essa divergência, “Eu fiquei um ano como deputado federal e na Câmara dos Deputados dedicando...”, mas seu argumento final é categórico “Mais do que isso. Não vi e não ouvi.” O que se percebe nestas perguntas encaixadas é que ambos vão discordar dos argumentos levantados, tanto o entrevistador quanto o sabatinado; o ponto diretivo, modo pergunta, também terá um valor assertivo de acusação e efeito perlocucional de deboche e provocação.

Resumindo, em relação a esse tema, é possível ver o confronto de dois interdiscursos. Trata-se, por um lado: i) de um discurso que procura imputar acusações ao PT sobre a compra de votos e desvio de verbas públicas, diretamente materializadas pelas perguntas do jornalista; ii) de um discurso que refuta a participação do PT no desvio de verbas públicas e de corrupção, materializada nas respostas indiretas do candidato. Daí a insistência do jornalista neste tópico por respostas diretas às provocações que foram feitas.