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4.2 Categorias temáticas

4.2.1 Tema 1 Os significados opostos de saúde e doença

A maioria dos entrevistados definiu saúde e doença de maneiras opostas, com o significado de saúde como “tudo” e doença como o “fim de tudo”. Condicionaram o significado de saúde à capacidade de produção, ter disposição, ou seja, ter a capacidade de trabalhar ou realizar atividades de lazer, como definem os entrevistados:

“Para mim é tudo, é vida, eu com saúde, eu tenho disposição para tudo, né?(...) Ah, eu fico em casa e faço tudo, eu lavo o quintal, eu bordo muito para fora, porque eu bordo e faço trabalho artesanal (...). Eu bordo e vendo, eu preencho todo o meu tempo(...)” (E1).

“(...) É tudo né, é tudo, porque sem saúde a gente não pode fazer nada igual não pode trabalhar, fica uma pessoa impossibilitada de tudo, porque o que adianta dinheiro sem saúde (...)” (E8).

As duas falas anteriores justificam uma das maiores preocupações dos idosos que é a perda da autonomia, pois, para essa população, saúde está relacionada diretamente com independência, capacidade de fazer as coisas, trabalhar, ir e vir, mesmo portando algumas doenças crônicas e, com isso, as dificuldades serão menores (34).

O que está em jogo na velhice é a autonomia, ou seja, a capacidade de determinar e executar seus próprios desígnios, pois, qualquer pessoa que chegue aos oitenta anos capaz de gerir sua própria vida e determinar quando, onde e como se darão suas atividades de lazer,

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convívio social e trabalho, certamente será considerada uma pessoa saudável, pouco importando esta ser hipertensa, diabética ou cardíaca (35).

“(...) Porque a pessoa que não tem saúde, não tem disposição, não é certo”? Porque isso daí, na vida, nunca me faltou, eu sempre tive disposto a trabalhar a vida inteira e, de fato, eu trabalhei demais, a minha vida foi trabalhar a vida inteira” (E3).

O ser humano cresce preparando-se para o trabalho e necessita dele, não só por uma questão de sustentabilidade, como de crescimento pessoal. Para o homem, o trabalho representa a própria vida, ainda mais em uma sociedade capitalista em que o homem sem trabalho é considerado improdutivo, sendo excluído socialmente (36). O controle da sociedade sobre os indivíduos não se opera simplesmente pela consciência ou pela ideologia, mas começa no corpo, com o corpo (37). Segundo Marx (38), quanto mais o trabalhador se apodera do trabalho mais se priva dos meios de existência, torna-se escravo do objeto do trabalho como único meio de subsistência e objetivo de vida. Isto pode explicar porque a doença gera na pessoa um sentimento de fraqueza, inutilidade quando esta o impede de realizar uma atividade e receber por ela.

Como afirma Mendes et al. (39), a aposentadoria é o momento onde o indivíduo se distancia da vida produtiva, ocorrendo uma descontinuidade, uma ruptura com o passado e o mesmo deve ajustar-se a uma nova condição que lhe traz certas vantagens, como o descanso, o lazer, mas também graves desvantagens como desvalorização, desqualificação e diminuição da renda.

Apesar do envelhecimento populacional se constituir numa das maiores conquistas do presente século dado o aumento da expectativa de vida da população em geral, as sociedades não tem conseguido acompanhar estas mudanças demográficas. Veloz et al. (40), apontam que as sociedades continuam atribuindo valor à competitividade, a capacidade para o trabalho, à independência e a autonomia funcional, fato que diminui com a idade e com as perdas sociais, econômicas e afetivas próprias da velhice, conforme relatado pelos sujeitos.

Para tratar desse aspecto é preciso que o idoso tenha o apoio da família para o sustento, percebendo que ele ainda tem o seu valor e, a partir disto, sentir que tem um papel relevante na sociedade, fazendo o que gosta, mantendo sua vida social ativa como a participação em grupos da Terceira Idade para sua ressocialização (41). Estes grupos podem tornar-se um importante suporte para a mudança do atual cenário.

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A avaliação de saúde também foi identificada como ter felicidade, ter amigos, ainda associada à saúde mental, o que mostra de acordo com Capra (42) que a saúde é um estado de equilíbrio entre o ambiente, o modo de vida; é a relação dinâmica entre o humor e as paixões, entre o corpo e a mente.

“(...) É uma felicidade da gente, então sei lá, é bom a gente ter saúde (...). É você ter amizade com todo mundo, você ser uma pessoa que não seja mal para os outros, você ser uma pessoa paciente, eu acho que a minha felicidade é essa(...)” (E2).

(...) Eu tenho que ser saudável precisa ser, não pode ter depressão, não pode ter nervosismo, tem que ser bom com a gente mesmo e com o próximo e, com os irmãos também e tem que tratar todo mundo bem e não tratar ninguém mal, né”? Ser educado com todo mundo, com grande, velhos e crianças e adultos. Eu acredito que é isso aí que seja saúde(...) (E6).

Os relatos acima mostram uma maneira ampliada de contextualizar saúde, saindo do binômio biomédico presente na grande maioria dos relatos. Este binômiose dá principalmente pelo enquadramento da Medicina dentro das Ciências Naturais e, com isso, produzindo e sendo produto da primazia da anatomopatologia na leitura e enunciação dos adoecimentos, em detrimento da justaposição do corpo com as dimensões humanas do emocional, do subjetivo e do interativo (43).

Alguns descrevem a saúde como ausência de dor e de doença:

“Aquilo que a pessoa não está sentindo nada, que não dói em lugar nenhum, não dói a barriga, não dói a cabeça, come bem, faz xixi bem, vai ao banheiro fazer as necessidades bem(...)”(E2).

Saúde: “(...) quando está bom é bom, quando como hoje, não é bom não”(E7).

Doença:“(...) estou com desgaste, com essa pedra no rim, dor de estomago e, isso não é

bom para a saúde não, se não tivesse nada, aí sim a saúde é ótimo, para mim é, agora eu não sei se estou errada ou certa aí eu não sei(...)” (E7).

Os relatos denotam o conceito que a população ainda preserva sobre o significado da doença e que define inclusive seu estado, isto pode levar a compreender e de alguma forma questionar o conhecimento que as pessoas possuem em relação à doença e ao estar doente, assim

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como, a relação que estabelecem com o seu cotidiano, mesmo porque estar doente significa fragilidade, estar impedido de trabalhar, de produzir.

Pode se perceber que as pessoas descrevem sentimentos provocados pela condição de estar doente, que não podem ser identificados no corpo físico, mas que são determinantes na adesão ao tratamento. Associam a doença a perdas, desânimo/ tristeza e invalidez, como referem alguns entrevistados:

“Doença acaba com a gente, acaba com o prazer de viver né, dá desânimo, dá tristeza, dá preocupação de ficar inválida e prejudica os filhos, dar trabalho para os outros, então eu procuro me cuidar(...)” (E1).

(...) A definição que eu dou é que não enxergo quase que nada e, a perna tem má circulação(...) Não adianta a gente querer se irritar e lutar contra a maré, não adianta, porque se o médico já proibiu mexer com tudo, eu tenho que obedecer e, o médico que me operou mesmo do coração disse que não posso pegar mais que cinco quilos, então, o que eu faço? Eu tenho um quintal grande lá e, toda vez de carpi, ao invés de carpi, eu tenho que pagar né?(...) (E3).

Dois entrevistados ainda trazem o evento súbito e inesperado, o aparecimento da doença, relacionando com o fim da vida, como uma forma de obter explicação.

“(...) É aquela que acaba levando, às vezes, a gente vive a vida inteira e não fica doente e, aí, chega no fim, fica doente e, acabou(...)” (E4).

“(...) Eu acho que é uma coisa inesperada é uma coisa que vem de súbito, de repente você está bom, de repente você cai, aí e pronto, e vem a falecer, às vezes, quinem eu estava bom e aconteceu comigo, e estava bom(...) E veio de repente(...)” (E5).

Nos depoimentos, se percebe, conforme Minayo (44) aponta a doença, como sinônimo de infelicidade individual e coletiva, representando o rompimento do homem com seus limites estabelecidos pelas normas e regras da sociedade que de alguma forma exclui, inutiliza. Em relação à saúde como bem-estar e felicidade, é a harmonia e o equilíbrio entre o indivíduo, a sociedade e seu ecossistema.

A doença relatada por alguns entrevistados se aproxima do modelo biomédico, quando associam à dependência de um médico, de um tratamento, de um remédio:

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“(...) mas quando nós temos alguém competente para ajudar em alguma coisa que socorre a gente, é muito bom, muito bom, um remédio, faz uma consulta” (E4).

(...) a doença a gente tem que enfrentar e a única coisa que tem que fazer, eu acho, é procurar um médico por que eu acho que a gente nunca deve se medicar por conta própria (...) eu acho que tem que se passar por um médico para ele avaliar, ver certinhas quantas miligramas é o remédio, como toma quantas vezes toma por dia, né, para poder cuidar da saúde e quem sabe e só pode cuidar da saúde da gente é o médico(...) (E6).

Segundo Andrade (45), a rigorosa divisão entre corpo e mente preconizada pela filosofia de Descartes, levou a medicina a concentrar-se no corpo como uma máquina e a desconsiderar os aspectos psicológicos, sociais e ambientais do processo saúde-doença, reduzindo a possibilidade de compreendê-lo como fenômeno multidimensional, pois revela que a concepção da racionalidade científica privilegia apenas as variáveis biológicas.

Por outro lado, segundo Ballint (46), durante a fase inicial de uma doença crônica, o paciente passa por vários estados até conseguir organizar na sua mente, o que pode estar acontecendo. O doente passa pelo estado de choque e, neste momento de desorganização, o médico constitui geralmente um importante apoio para que o mesmo possa compreender a sua situação e colaborar com o tratamento. Neste contexto, surge a importância da Equipe Multiprofissional, desde o início no diagnóstico e na continuidade do cuidado, independente do nível de atenção à saúde.

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