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5. CARACTERIZAÇÃO DA ROTINA EM UMA CLASSE DA ESCOLA SONHO E FANTASIA

5.1 AS ATIVIDADES E SEUS RESPECTIVOS TEMPOS:

5.1.2 Tempo do lanche 9h00min às 9h15min

Foto 7: O refeitório da escola.

Outro momento que incluía as diferentes turmas da pré-escola Sonho e Fantasia era a hora do lanche. Como o refeitório não comportava todas as turmas matriculadas na escola no mesmo momento, a hora do lanche era dividida por turmas. Primeiro lanchava o Jardim I, depois o Jardim II e assim sucessivamente, de modo que as turmas de Jardim II só deveriam ir para o refeitório às 9h. Nesse momento, a professora organizava a turma em fila e a levava para o refeitório, onde as crianças comiam se quisessem, pois não havia um profissional para orientá-las sobre a importância da alimentação, nem para incentivá-las a comer. As crianças que não queriam se alimentar sentavam e só saíam quando as que estavam comendo terminavam. Assim a professora fazia outra fila e as levava de volta para a sala.

Depois da recreação, a professora Maria que já estava esperando pelas crianças em sua sala, pede para elas formarem outra fila para lavar as mãos. O procedimento é o mesmo dos outros dias; quando todos terminam de lavar as mãos a professora leva-as para o refeitório. O lanche foi mingau de milho com biscoito; apenas Caio quis tomar o mingau, as outras crianças comeram só biscoito. Quando voltaram para sala quem havia trazido merenda iria merendar. Sabrina, como não tinha terminado de escrever a agenda, não foi comer o lanche que tinha trazido de casa, preferiu terminar a escrita da agenda. (Diário de campo 12.03.2010).

As 8h55min a professora chamava as crianças para lavarem as mãos: colocava sabonete líquido na mão de cada uma e elas próprias se dirigiam a torneira para lavar suas mãos. Só saíam para o lanche quando o grupo terminava de lavar as mãos. O lanche foi sopa; apenas quatro crianças não quiseram comer. Ao voltar para sala as 9h08min quem havia trazido sua merenda, podia lanchar e quem não havia trazido sentava para esperar a sineta tocar e poder ir para o recreio. (Diário de campo 08.02.2009).

Na sala as crianças podiam lanchar refrigerantes, biscoitos recheados e “xilitos”que traziam de casa. A professora não concordava com o fato das crianças trazerem lanche, pois a escola oferecia. Esse pensamento da professora demonstrava que ela possuía consciência de que esse procedimento da escola não estava contribuindo para a educação alimentar das crianças, mas em nenhum momento comentou se houve alguma iniciativa por parte dos profissionais que fazem a escola para discutir e rever a situação.

Percebi que haviam dois problemas relacionados com a alimentação: o sabor das preparações e o fato de as famílias mandarem lanche. A própria professora comentou que o lanche preparado para as crianças não é muito agradável, tem gosto ruim e as crianças sempre reclamam. Por outro lado, desde muito tempo, as famílias podem mandar o lanche de seus filhos, mesmo sabendo que a escola oferece. Sendo assim, a alimentação dessas crianças não deve ser repensada somente dentro da instituição; precisa ser trabalhada em conjunto com as famílias que participam dela. O importante seria que essa instituição reconhecesse o problema e desenvolvesse um trabalho para fazer das refeições momentos prazerosos e de grande integração entre cuidar e educar, ensejando o estabelecimento de hábitos de alimentação saudável.

Segundo Piotto, Ferreira e Pantonil (2000), a alimentação faz parte do processo educativo, sendo fundamental para o desenvolvimento infantil. Então, é necessário que os professores ou outros profissionais que trabalham em instituições de Educação Infantil, estejam atentos para ajudar as crianças a comer, dando-lhes a autonomia que é possível para a sua idade. Portanto, cabe a eles pensar sobre a melhor estratégia de estimular hábitos alimentares saudáveis na instituição.

Para Lino (1998), a hora do lanche também deve ser um momento em que adultos e crianças dividem esse tempo, comendo juntos no intuito de introduzir novas experiências, como, por exemplo: nesses momentos, as crianças poderão ser responsáveis por distribuir os pratos ou os copos com o lanche (um prato ou um copo para cada criança). Assim, elas terão a

oportunidade de fazer relação da quantidade de crianças com a quantidade de pratos ou copos a serem distribuídos (perceber se existem mais crianças do que pratos e copos e vice-versa). No refeitório observado, a própria professora distribuía o lanche para a sua turma e em nenhum momento ela sentou à mesa com as crianças para comer. Depois da distribuição do lanche, ficava em pé na porta de saída à espera das crianças para levá-las à sua sala. Enfim, a hora do lanche nessa instituição constituía um momento sem objetivos educacionais a serem atingidos. Parecia que o único objetivo aparente era cumprir a tarefa de levar as crianças para o refeitório na hora estipulada pela instituição.

A organização do tempo do lanche não respeitava os reais desejos das crianças; elas simplesmente se submetiam ao que era exigido pela professora. Outros momentos da rotina diária como, por exemplo, o tempo da acolhida também não parecia ser prazeroso e desafiador para as crianças, nem promoviam oportunidades para o contato social e a cooperação, indispensáveis para a conquista da autonomia moral.

Percebi também que, embora as crianças já tivessem incorporado a sequência de tempo para suas atividades, pois já sabiam que depois da acolhida deveriam ir para suas salas, que depois da tarefa era o lanche, que após o lanche era o recreio, o tempo era imposto às crianças. Então, a rotina se tornava rígida, com o mesmo formato de atividades nas quais eram utilizados os mesmos materiais nos mesmos espaços todos os dias.

Segundo Formosinho (1998), criar uma rotina diária é basicamente isto:

Fazer com que o tempo seja um tempo de experiências ricas e interações positivas. O desenvolvimento é lento, requer tempo, mas o tempo por si mesmo, pelo simples fato de passar no relógio, não produz desenvolvimento. A aprendizagem e o desenvolvimento são construídos, ou não, na riqueza da experiência que o tempo possibilita ou não. Assim, uma área de atividade do educador (a) é a de organizar o tempo diário de modo que a criança passe por diversas situações: 1) de jogo com outras crianças (em pequeno e em grande grupo), somente com seus colegas, com os colegas e com os adultos, ela sozinha na realização do projeto individual; 2) em ambientes diferenciados que oferecem possibilidades diferentes (a aula de atividades, o recreio, os passeios fora da escola, à comunidade). (P. 158).

Desta forma, o desenvolvimento da autonomia da turma do Jardim II pode está sendo prejudicado, pois as crianças seguem horários preestabelecidos, sem oportunidades para interagir com o grupo, além de respeitarem unilateralmente as instruções da professora. Considerando que o respeito mútuo é um fator imprescindível para a conquista da autonomia,

os tempos da rotina precisam levar em consideração o papel do respeito mútuo. Piaget (1994) explica:

Parece-nos incontestável que, no decorrer do desenvolvimento mental da criança, o respeito unilateral ou o respeito do menor pelo maior desempenha um papel essencial: leva a criança a aceitar todas as instruções transmitidas pelos pais e é assim o grande fator de continuidade entre gerações. Mas, parece-nos também evidente, em nome dos resultados obtidos até aqui e em nome dos fatos que analisaremos na sequência deste volume, que, com a idade o respeito muda de natureza. Na medida em que os indivíduos decidem com igualdade – objetivamente ou subjetivamente, pouco importa, as pressões que exercem uns sobre os outros tornam-se colaterais. (P. 91)

Assim as crianças não devem ser submetidas o tempo todo a regras ou instruções estabelecidas em via única. Elas precisam participar ativamente dos diferentes momentos, dando sugestões, explicitando idéias, fazendo opções e decidindo com o grupo o que fazer. Desta forma é possível que a reciprocidade e a cooperação se façam presentes não somente durante o lanche, mas durante toda a rotina, contribuindo assim para que as crianças tornem- se moralmente autônomas.