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Tempo de pena, conclusão do processo versus alto índice de prisão

No documento MARIA GABRIELA VIANA PEIXOTO (páginas 75-79)

2. A PRÁTICA JURÍDICO-PENAL DIANTE DO DISCURSO

2.1 A CRIMINALIZAÇÃO SECUNDÁRIA NO DISTRITO FEDERAL EM

2.1.3 O furto e as funções da pena

2.1.3.2 Tempo de pena, conclusão do processo versus alto índice de prisão

Os dados da pesquisa documental mostram alto índice de inquéritos policiais iniciados por auto de prisão em flagrante. Os réus processados por furto no Distrito Federal são, em regra, presos provisoriamente, seja em razão de prisão em flagrante ou de preventiva decretada. Verifica-se que 75,69%, (Tabela 24) dos réus de furto são encarcerados provisoriamente em decorrência da prisão em flagrante.

Tabela 24

Tipo de prisão provisória

Tipo de prisão provisória PORCENTAGEM

Flagrante 75,69%

Não houve prisão 20,83%

Preventiva cumprida 1,39% Preventiva não cumprida 0,69%

Não Informado 1,39%

TOTAL 100,00%

Fonte: Processos do TJDFT que compuseram a amostra da pesquisa. Elaboração própria.

Sabe-se que a prisão cautelar deve inserir-se no contexto de extrema necessidade e excepcionalidade, sob pena de, ao ignorar por completo o princípio constitucional da presunção de inocência (inciso LVII, artigo 5º da Constituição Federal) e todas as garantias processuais e materiais dele decorrentes, tornarem o sistema processual penal ineficaz. Assim, deve-se dar maior relevância ao tratamento processual dado pelo Estado ao acusado, que, de acordo com Aury Lopes Junior (2005, p. 176) “não obriga apenas ao juiz manter uma postura ‘negativa’ (não o considerando culpado), mas sim a ter uma postura positiva (tratando-o efetivamente como inocente)”. Assim, no processo, o princípio da presunção de inocência se traduz em regras para o julgamento, orientando a decisão judicial sobre os fatos e as regras de tratamento do acusado, posto que a intervenção do processo penal se dá sobre um inocente.

Nesse ínterim, se a intervenção penal ocorre sobre um inocente, devem ser reduzidas ao máximo as medidas que restrinjam os direitos do acusado durante o processo e, também, antes dele, de forma que a prisão cautelar assuma caráter de

extrema excepcionalidade. A privação da liberdade processual necessariamente deve implicar que a prisão provisória é o que vai possibilitar a garantia do processo penal. Ela deve representar o meio para a obtenção de um fim, que apenas será alcançado com a sentença penal. Dado este caráter excepcional, a avaliação da precindibilidade da medida cautelar deve ser cercada por uma principiologia estruturante, o que tão somente garantirá que a prisão sem sentença condenatória transitada em julgado estará coexistindo com a garantia da presunção de inocência (LOPES JUNIOR, 2005, p. 195).

Apesar disso, os dados obtidos pela pesquisa revelam que ainda que nos casos de furto haja expedição de alvará de soltura antes da sentença condenatória, a maioria dos réus de furto é detida cautelarmente por 8 a 15 dias ou 31 a 81 dias, registrando menos de 15% de casos em que réus de furto presos provisoriamente obtiveram alvará de soltura em até uma semana de sua prisão. A Tabela 25 demonstra o tempo de duração da referida prisão cautelar.

Tabela 25

Tempo (em dias) da prisão provisória (flagrante + preventiva cumprida) TEMPO DA PRISÃO PROVISÓRIA PORCENTAGEM até 7 dias 14,95% de 8 a 15 dias 24,30% de 16 a 30 dias 14,95% de 31 a 81 dias 25,23% de 82 a 180 dias 11,21% de 181 a 360 dias 4,67% de 361 a 720 dias 2,80% 721 dias ou mais 1,87% TOTAL 100,00%

Fonte: Processos do TJDFT que compuseram a amostra da pesquisa. Elaboração própria.

Já pelos dados que seguem na Tabela 26, se pode verificar que em até 75% dos casos a pena aplicada ao fim do processo pelo crime de furto cometido foi de dois anos.

Pelos requisitos estabelecidos no art. 44 do Código Penal, hipótese autorizadora de substituição penal, uma vez que a pena privativa de liberdade aplicada não foi superior a quatro anos e o crime não foi cometido com violência ou grave ameaça à pessoa.

Tabela 26

Distribuição do tempo de pena

Medida de posição Tempo em dias Tempo em a, m, d

Menor valor 60 2 m

1ª quartil 240 8 m

Mediana 420 1 a 2 m

3ª quartil 720 2 a

Maior valor 1800 5 a

Fonte: Processos do TJDFT que compuseram a amostra da pesquisa. Elaboração própria.

Cumpre destacar que, sendo hipótese em que a pena definitiva ao fim do processo penal possa ser substitutiva da pena privativa de liberdade, a prisão ao longo da persecução penal não se justifica, pois configura uma antecipação de pena e violação do princípio da proporcionalidade.

É justamente em respeito a esse último princípio que o Código de Processo Penal prevê no art. 313 a impossibilidade legal de se decretar a prisão preventiva para os crimes culposos e/ou para as contravenções penais. Isto porque dificilmente será imposta sanção privativa da liberdade quando o condenado for o autor de crime culposo ou de infração contravencional em virtude da possibilidade de substituição previstas nos arts. 43 e 44 do Código Penal.

Em tais situações, a imposição da prisão cautelar superaria, em muito, o resultado final pretendido no processo. Em outros termos: estaria irremediavelmente comprometida a função acautelatória da prisão provisória, em prejuízo de sua instrumentalidade, que vem a ser a justificação da sua existência. Assim, apenas se legitimaria quando observado seu caráter cautelar e constituísse instrumento de garantia da eficácia da persecução penal. Jamais, portanto, uma antecipação de pena sem qualquer observância do devido processo penal.

De fato, segundo a Tabela 27, a distribuição dos feitos pela conclusão do processo de furto demonstra o pequeno percentual de casos em que o regime

estabelecido foi o fechado (9,03%). Ainda que a maioria dos réus de furto seja libertada antes da sentença penal condenatória, em aproximadamente 77,08% dos casos de furto,11 a condenação é a uma pena diversa do regime fechado e semiaberto. É evidente que o princípio da proporcionalidade não vem sendo observado, visto que a maioria dos réus condenados a pena restritiva de direitos ou a pena em regime aberto é presa provisoriamente. Daí se reforça a incoerência da utilização da prisão provisória como mecanismo de “punição exemplar antecipada” ao furto cometido.

Tabela 27

Distribuição de feitos por conclusão do processo.

Conclusão do Processo PORCENTAGEM Suspensão condicional processo 25,00%

Suspensão condicional da pena 12,50%

Multa isolada 1,39% Transação penal 0,69% Pena alternativa 10,42% Regime aberto 27,08% Semiaberto 11,11% Fechado 9,03% Não Informado 2,78% TOTAL 100,00%

Fonte: Processos do TJDFT que compuseram a amostra da pesquisa. Elaboração própria.

Frisa-se que, em 75,69 % dos casos analisados, o autor do furto foi preso provisoriamente, tendo como porta de entrada no sistema o flagrante, ao mesmo tempo em que muito provavelmente o bem foi apreendido, restituído à vítima e com grandes chances de ter sido considerado tentado. Lembremos que o percentual para ocorrência dessas duas situações representou na amostra da pesquisa 91,44%, 91,18% e 55,55%.

Assim, o alto uso da prisão provisória não guarda coerência a excepcionalidade que estas deveriam ser utilizadas. Afinal, a reserva de sua utilização aos casos mais graves não foi respeitada, tendo em vista o elevadíssimo custo que representam. Se

11 Subtraídos o percentual dos casos em que a conclusão do processo foi o regime semiaberto (11,11%),

75,69% dos réus são presos provisoriamente, é porque a exceção virou a regra, fato que constitui:

violência real, concreta, de aplicar-se uma pena antecipada, sem processo e sem sentença, a ser cumprida numa delegacia de polícia ou estabelecimento carcerário, em condições subumanas, de superlotação e com seríssimos riscos de vida (LOPES JUNIOR, 2005, p. 194).

De todo modo, destaca-se que a pesquisa documental realizada revelou que em muitos casos essa prisão provisória, mesmo que de curta duração, foi a única resposta estatal ao fato ocorrido. Seja porque a pretensão punitiva foi atingida pela prescrição, seja porque o judiciário não executou a pena aplicada, seja porque esse cumprimento ocorreu muito tempo depois dos fatos.

No documento MARIA GABRIELA VIANA PEIXOTO (páginas 75-79)