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4 REVISITANDO CONTEXTOS: UM OLHAR SOBRE AS FUNÇÕES DA

4.3 TENSIONAMENTOS ENTRE MUDANÇAS E PERMANÊNCIAS

A concepção ampliada da Educação de Jovens e Adultos como educação ao longo da vida é reconhecida no Parecer CNE/CEB nº 11/2000 - documento em que foram dispostas as Diretrizes Curriculares Nacionais para a EJA. O documento define as três funções básicas da EJA: a função reparadora, equalizadora e qualificadora, buscando superar a ideia da oferta da EJA como suplência, ou seja, como compensação, já extinta pela Lei 9.394/96.

De acordo com o documento, a função reparadora – no sentido de restaurar um direito negado -, não deve se restringir ao direito a uma educação de qualidade, mas também ao “reconhecimento daquela igualdade ontológica de todo e qualquer ser humano” (BRASIL, 2000, p. 7). Assim, a noção de reparação, conforme o Parecer CNE/CEB nº 11/2000, não deve ser confundida com a de suprimento, refutando,

33 Cabe mencionar que no estado do Espírito Santo temos atualmente quatro Centros de Educação de Jovens e

desse modo, o disposto no Parecer CE nº 699/72, em que o suprimento era considerado a função mais abrangente no período em que a EJA não era uma modalidade da educação da educação básica.

A função equalizadora tende a propiciar uma igualdade de acesso e permanência dos jovens e adultos no sistema de ensino, ou seja, permitir que aos sujeitos que “tiveram uma interrupção forçada seja pela repetência ou pela evasão, seja pelas desiguais oportunidades de permanência ou outras condições adversas”, seja dada nova oportunidade de frequentar as instituições escolares. Com isso, esses jovens e adultos poderiam ser inseridos no “mundo do trabalho, na vida social, nos espaços da estética e na abertura dos canais de participação”. Para tanto, é necessário que se oferte mais vagas para estes "novos" alunos e "novas" alunas, “demandantes de uma nova oportunidade de equalização” (BRASIL, 2000, p.09).

A função qualificadora é apontada no Parecer como aquela que indica a necessidade de atualização permanente, ou seja, a educação ao longo da vida. De acordo com o Parecer, essa função é o “próprio sentido da EJA”, tendo como base “o caráter incompleto do ser humano cujo potencial de desenvolvimento e de adequação pode se atualizar em quadros escolares ou não escolares” (BRASIL, 2000, p. 11).

Sobre a elaboração do Parecer CNE/CEB nº 11/2000, relata-nos Fávero (2009, p. 86-87) que o relator - professor Carlos Roberto Jamil Cury – discutiu os termos do Parecer com especialistas da área, durante a elaboração, e também realizou audiências públicas para ouvir os interessados pela modalidade. Entretanto, prossegue Fávero:

Embora o Parecer nº 11/2000 tenha significado um enorme avanço, no que diz respeito aos fundamentos e funções da educação de jovens e adultos, a deliberação dele derivada não conseguiu superar os estreitos limites de equivalência dessa nova modalidade de ensino com as formas regulares do ensino fundamental e do ensino médio. Prenderam-se, também, ainda e demasiadamente, na regulação dos cursos e exames supletivos, buscando coibir a oferta de cursos apressados e a facilitação na concessão dos certificados de conclusão (FÁVERO, 2009, p. 86-87).

Ressaltamos, contudo, que a concepção da EJA como aprendizagem ao longo da vida, reconhecida no Parecer CNE/CEB nº 11/2000, é fruto da realização da V Conferência Internacional de Educação de Adultos (Confintea V), com tema central “Aprendizagem de adultos: a chave para o século XXI”, pois não somente o direito à educação foi reafirmado, mas também houve o reconhecimento “do direito a aprender por toda a vida”. De acordo com Paiva (2009, p. 92), a Conferência destaca o aprender durante toda a vida, tendo início já na infância, atribuindo uma nova visão de educação que não se restringe à EJA.

De acordo com o disposto na Declaração de Hamburgo – documento construído a partir da V Confintea - a concepção de educação ao longo da vida

[...] engloba todo o processo de aprendizagem, formal ou informal, onde pessoas consideradas "adultas" pela sociedade desenvolvem suas habilidades, enriquecem seu conhecimento e aperfeiçoam suas qualificações técnicas e profissionais, direcionando-as para a satisfação de suas necessidades e as de sua sociedade (DECLARAÇÃO DE HAMBURGO, 1999, p.19)

O cenário que antecede à realização da V Confintea, no Brasil, é composto por uma “uma forte movimentação, em direção à própria Conferência, e em novos e legítimos desdobramentos, que marcaram em definitivo a história política pública da EJA no país” (PAIVA, 2009, p. 60). Além disso, temos nesse mesmo período a aprovação da “nova” LDB, reconhecendo a EJA como uma modalidade da educação básica.

Sobre os encontros estaduais e regionais34 preparatórios à Conferência, foi um movimento que resultou um documento brasileiro – “síntese dos pensamentos diversos das delegações de todo o país, que se fundiram em uma proposta coletiva no Rio Grande do Norte” (PAIVA, 2009, p. 78). Todavia, essa produção coletiva foi substituída por um documento do MEC, “produzido nos gabinetes ministeriais”, que expressava “posição bem diferente” daquela assumida como síntese dos encontros.

Dentre as análises feitas por Paiva acerca do documento elaborado pelo MEC sobre a atuação do Ministério da Educação e da Cultura, consta a oferta do Programa

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Esses encontros são muito explorados por Paiva (2009), em sua obra Os sentidos do Direito à

Educação para a qualidade do trabalho como a “iniciativa mais importante” de parcerias entre o poder público e organizações governamentais e não governamentais. Na verdade, segundo Paiva (2009, p. 83), o documento evidencia “a quase desobrigação do poder público no cumprimento da oferta da EJA como dever do Estado, para defender as parcerias que faz com entidades”.

A propósito do Programa Educação para a qualidade do trabalho, Paiva (2009, p. 83) explicita que houve sua ampliação de tal modo que passou a “representar o coração do fazer da EJA desses tempos, com recursos oriundos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT)”. Ao final dos anos 1990, segundo a autora, esse programa era a “forma de fazer política educacional para a EJA” e deslocava para o Ministério do Trabalho as orientações pedagógicas do MEC.

Em relação à aprovação da Lei 9.394, foi reafirmado o direito dos jovens e adultos trabalhadores ao ensino básico, oferecido gratuitamente pelo poder público, já consagrado na Constituição Federal de 1988.

Fávero afirma ainda que, nessa legislação a inserção do direito à educação de adultos no capítulo destinado aos direitos dos trabalhadores foi um avanço importante, que resultou da “articulação dos movimentos sociais e das instituições que trabalham com educação”, porém “a conquista maior foi a definição da educação para todos, independente da idade, como um direito público subjetivo” (FÁVERO, 2009, p. 83).

É imprescindível que um direito seja declarado e garantido, em lei, para que se possa exigir o seu cumprimento, quando este não for respeitado, pois “declarar é retirar do esquecimento e proclamar aos que não sabem, ou esqueceram, que eles continuam a ser portadores de um direito importante” (CURY, 2002, p. 259).

Com a aprovação da “nova” LDB, o ensino supletivo foi extinto, dando lugar à Educação de Jovens e Adultos, que é reconhecida como uma modalidade da educação básica. Segundo Soares (2002, p. 12),

A mudança [de nomenclatura] de ensino supletivo para educação de jovens e adultos não é uma mera atualização vocabular. Houve um alargamento do conceito ao mudar a expressão de ensino para educação. Enquanto o termo

“ensino” se restringe à mera instrução, o termo “educação” é muito mais amplo, compreendendo os diversos processos de formação.

Diante do exposto, mesmo com a mudança de Ensino Supletivo para Educação de Jovens e Adultos, devemos nos questionar se o caráter compensatório dessa modalidade foi superado, assim como a concepção de escolarização aligeirada, e se houve avanço nas funções atribuídas à EJA na atualidade.

Machado e Oliveira também nos chamam a atenção para o não reconhecimento, na atualidade, da concepção da EJA como uma educação que deve ocorrrer ao longo da vida. De acordo com as autoras:

Infelizmente, esta compreensão de que o conceito de supletivo deveria ser superado não foi o suficiente para impedir que, numa atualização destas diretrizes, o Conselho Nacional de Educação (BRASIL, 2010) discuta e aprove diretrizes operacionais para EJA que voltam uma vez mais a reproduzir uma visão de aligeiramento da oferta do Ensino Médio, com a indicação de tempos mínimos para o funcionamento dos cursos de EJA (MACHADO; OLIVEIRA, 2012, p. 62)

Por conta disso, faz-se necessário que as diferentes instâncias do Poder Público possam assumir a Educação de Jovens e Adultos como uma modalidade da educação básica, observando suas funções reparadora, equalizadora e qualificadora, para que sejam criadas condições de oferta com qualidade diferentes daquelas destinadas aos sujeitos de uma escola da “segunda chance”.

Fávero (2009) retoma os fundamentos da educação popular, cuja função principal, de acordo com o autor, é “capacitar os indivíduos e os grupos a entender e criticar a realidade em que vivem e, em consequência, propor alternativas para sua transformação”, para anunciar o que se espera da EJA na atualidade (FÁVERO, 2009, p. 91-92).

Segundo o autor, espera-se da Educação de Jovens e Adultos “outras formas de educação que venham a instrumentalizar indivíduos e grupos para, dizendo novamente: entender e criticar a realidade em que vivem e, em consequência, propor alternativas para sua transformação”. Para tanto, a oferta da EJA precisa ir além das campanhas de alfabetização, tão recorrentes no histórico da modalidade, e

das “ofertas facilitadas do [modelo de] ensino copiado do sistema regular”. São necessárias Políticas Educacionais cujas ações educativas possam preparar o sujeito da EJA “para a vida, para uma nova vida, ao longo de toda a vida” (FÁVERO, 2009, p. 91-92).

Na atualidade, temos uma proposta de política pública que contempla, ao mesmo tempo, a elevação da escolaridade com profissionalização - Proeja. Assim, é possibilitada ao jovem e adulto a conclusão do ensino médio e o acesso a uma formação profissional de qualidade, contribuindo para “a integração sociolaboral desse grande contingente de cidadãos [...]” (BRASIL, 2007, p. 4). Essa política de inclusão de jovens e adultos trabalhadores surge no contexto em que a EJA foi reconhecida como modalidade de educação, assumindo suas funções reparadora, equalizadora e qualificadora, tendo sua oferta sido implementada, inicialmente e de forma específica, pela Rede Federal.

Dessa forma, a especificidade dessa política voltada à formação básica e profissional de jovens e adultos trabalhadores, que evidencia o encontro da Educação Profissional, da Educação Básica e da Educação e Jovens e Adultos, exige que as considerações acerca de sua implementação sejam feitas em capítulo próprio, buscando situar a necessidade de discussão sobre a formação do trabalhador.

5 DIÁLOGOS SOBRE A FORMAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS