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CAPÍTULO II – A PESSOA COM DOR CRÓNICA

2.3. CONTROLO DA DOR EM PORTUGAL

2.3.2. Terapêutica analgésica na dor crónica

A utilização da terapêutica analgésica para o controlo da dor crónica continua ainda hoje a obedecer às regras estabelecidas e aprovadas pela Organização Mundial de Saúde, em 1996, tal como refere a Direcção-Geral da Saúde (2008b). O princípio da utilização é o de uma escada analgésica constituída por três degraus, em que ao doente começam a ser administrados medicamentos para o controlo da dor crónica, em ordem crescente. O primeiro degrau é constituído pelos medicamentos analgésicos, anti-inflamatórios não esteróides e outros analgésicos, como o paracetamol e o metamizol. O segundo degrau contém os opióides designados por opióides fracos, de que são exemplos a codeína ou o tramadol. No terceiro degrau estão os opióides designados por fortes, como a morfina, a buprenorfina, o fentanilo ou a hidromorfona. A qualquer um destes degraus podem adicionar-se medicamentos analgésicos designados por adjuvantes, como os antidepressivos, ou anticonvulsivantes e outros.

A utilização de vários medicamentos analgésicos para o controlo da dor crónica é frequente nas unidades de dor, pois os doentes referenciados sofrem de dor moderada a severa, refractária à terapêutica instituída pelos médicos de família. Esta politerapêutica,

associada à utilização de analgésicos opióides fortes, implica uma monitorização regular dos doentes para avaliação da eficácia terapêutica na diminuição da intensidade da dor e na identificação precoce de efeitos colaterais dos medicamentos, bem como dos que resultam de interacções medicamentosas. Após a fase inicial de titulação da dor, a monitorização deve ser realizada regularmente, em períodos que não excedam os dois meses, recomenda a Direcção-Geral de Saúde (2008b). Esta monitorização deve incluir a avaliação da eficácia analgésica no controlo da dor do doente, a funcionalidade física, psicológica e social, o sono, a presença dos efeitos secundários ou de interacções dos medicamentos.

Passamos então a indicar alguns dos efeitos colaterais mais frequentes que os doentes podem apresentar, para compreendermos a pertinência da vigilância regular do doente com dor crónica, em que foi instituído um regime medicamentoso. A apresentação realiza-se de acordo com os medicamentos analgésicos definidos para cada degrau da escada analgésica referida anteriormente.

No grupo de medicamentos analgésicos do primeiro degrau, temos o risco de hepatoxicidade, quando são ultrapassadas as doses recomendadas de paracetamol. Em relação aos anti-inflamatórios, o efeito colateral mais frequente é a dispepsia, referida por 30 a 50% dos doentes que consomem estes medicamentos durante cerca de um ano (Guerra et al., 2005). Existe ainda o risco de hemorragia gástrica. A incidência de lesões renais é de 5% dos doentes e de 20% em doentes de risco (Bushy et al. citado Guerra, Zaragozá, López-Muñoz & Álamo, 2005), manifestando-se com sintomas como retenção urinária, edema e hipertensão. A toxicidade e a insuficiência hepática também podem estar presentes (McCaffery & Portenoy, 1999).

No segundo e terceiros degraus, estão considerados, conforme já referido, os opióides fracos e fortes. Estes analgésicos opióides têm como efeito colateral mais frequente a obstipação, que ocorre em cerca de 90% dos doentes medicados com opióides, pelo que deve ser tratado a título preventivo (Melzack & Wall, 2003) As náuseas e vómitos podem manifestar-se em 50% dos doentes, sintomatologia que pode desaparecer ao fim do terceiro dia de tratamento. Outros sintomas que os doentes podem referir são a sedação,

sonolência, prurido, retenção urinária e depressão respiratória em 1% dos doentes (Álamo, López-Muñoz & Cuenca, 2007).

Os analgésicos adjuvantes englobam os antidepressivos tricíclicos, de que são exemplos a amitriptilina, nortripltilina, ou a paroxetina e cujos efeitos secundários mais frequentes são a sedação, efeitos colinérgicos (retenção urinária, confusão, obstipação, xerostomia), hipotensão ortostática, alterações do ritmo cardíaco. Neste grupo dos analgésicos adjuvantes encontram-se os anticonvulsivantes, como carmazepina, gabapentina, pregabalina, cujos efeitos mais frequentes são a sonolência, fadiga, tonturas, ataxia, diplopia, ambiplopia, tremor e variação no peso. Pertencem ainda a este grupo: os corticóides, que como efeitos secundários têm miopatia, alterações digestivas, síndrome de Cushing; os reguladores do mecanismo de cálcio que podem provocar mialgias e pirexia; os relaxantes musculares, que podem originar sonolência, tonturas, tremor, insónia e convulsões; os ansiolíticos, dos quais a sonolência e ataxia são os sintomas mais frequentes; e por último os antiespasmódicos (Álamo & Cuenca, 2007; Pereira, 2006; Ordem dos Enfermeiros, 2008).

A descrição de algumas das opções terapêuticas e respectivos efeitos colaterais permitem-nos antever a necessidade de garantir uma vigilância regular, para poder ajudar os doentes com dor crónica e respectivas famílias, na gestão do regime terapêutico de forma a poderem controlar a dor, na sua prevenção e tratamento. O conhecimento do doente, da sua vida, da sua situação clínica, das suas expectativas ajuda a que a equipa da unidade dor estabeleça um plano de intervenção para o controlo da dor coerente e de acordo com os objectivos do doente (Ordem dos Enfermeiros, 2008). Para além desse conhecimento do doente, os profissionais da unidade dor necessitam de conhecer as indicações, contra-indicações, efeitos colaterais dos analgésicos utilizados. Assim como as interacções medicamentosas entre estes medicamentos analgésicos e outros fármacos que os doentes estejam a fazer para outras patologias de que sofram. Pois um efeito secundário pode ser atribuído a mais que um medicamento, à sua interacção, ou então à acção de determinado medicamento sobre o doente, na situação específica. Por isso, Pereira (2006) salienta o carácter singular das opções terapêuticas, que devem estar de acordo com as necessidades dos doentes.

A utilização de medicamentos analgésicos opióides para o controlo da dor é considerada pela Organização Mundial Saúde como um dos indicadores da qualidade dos cuidados de saúde no âmbito da terapêutica da dor (Direcção-Geral da Saúde, 2008b). Exige no entanto, que se assegure a vigilância dos doentes.

Neste sentido, a consulta telefónica nas unidades dor emerge neste processo de cuidados, com um meio de comunicação facilitador e flexível, entre o doente/família e a equipa de saúde. A necessidade da avaliação dos doentes por equipas diferenciadas e competentes na área é preconizada (Direcção-Geral da Saúde, 2008b). A enfermeira tem neste sentido a possibilidade de uma função de charneira entre o doente/família e o médico para garantir a continuidade de cuidados.

Apresentamos de seguida a explicitação e a fundamentação de noção de continuidade de cuidados no âmbito do doente com dor crónica.